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Governo do Rio já tem os culpados do bonde: os mortos e feridos

Secretário de Transportes Júlio Lopes fecha os olhos para a má gestão e prefere levantar suspeitas sobre maquinista e passageiros que se embaralharam no acidente. Segue à risca, assim, o roteiro das tragédias brasileiras

Por Da Redação
30 ago 2011, 15h07

Culpar a população pela “cultura” de extrapolar na capacidade dos veículos é uma estratégia cruel. Lopes deu declarações nesse sentido quando o sangue ainda descia das ladeiras de Santa Teresa, no início da noite de sábado

A investigação sobre as causas da tragédia com o bonde em Santa Teresa, no Rio de Janeiro, ainda está em curso. Mas os primeiros movimentos do governo do estado, pela voz do secretário de Transportes, Júlio Lopes, indicam que os principais responsáveis pelos cinco mortos e pelos 57 feridos já escolheram seus culpados: os falecidos e esfarrapados. Na contramão do bom senso, mas mantendo coerência com a cegueira do Executivo estadual em relação aos bondes nos últimos anos – o governador Sérgio Cabral está em seu segundo mandato -, Lopes desvia de problemas como a falta de investimento em manutenção e a penúria denunciada por moradores.

Ao lavar as mãos e transferir aos mortos a culpa pelo acidente do bondinho de Santa Teresa, o secretário Júlio Lopes seguiu a cartilha das autoridades brasileiras. A tradição é negligenciar a fiscalização, o que cabe ao poder público mesmo nos casos de serviços privatizado – o que não é o caso dos bondes. Quando acontece uma tragédia, a culpa é de quem cometeu a imprudência de utilizar aquele serviço. Na região Norte do Brasil, os naufrágios matam centenas de pessoas pro ano, sem que a Capitania dos Portos tome qualquer providência para evitar a superlotação e exigir manutenção decente das empresas que exploram as linhas fluviais. Em Brasília, a superlotação também foi a responsável pelo naufrágio ocorrido em maio deste ano, no qual morreram pelo menos nove pessoas. E os donos do parque de diversões Glória Center, no qual morreram duas pessoas este mês, no Rio de Janeiro, montam e desmontam uma verdadeira arapuca itinerante sem que as prefeituras se responsabilizem.

O secretário ressaltou que não estava atribuindo responsabilidade ao motorneiro Nelson Corrêa da Silva, de 57 anos, que perdeu a vida no acidente. Mas deixou clara a suspeita sobre a conduta do maquinista, em uma entrevista coletiva na segunda-feira. Para isso, a Secretaria de Transportes apresentou registros de uma colisão ocorrida na mesma tarde da tragédia, entre o bonde número 10 e um ônibus. E a dúvida: por que Silva não levou a composição para a garagem?

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Mesmo partindo do pressuposto de que o motorneiro teria cometido uma imprudência – o que é descartado pelo Sindicato dos Ferroviários da Central do Brasil -, a evasiva de Lopes não se sustenta nos trilhos. Afinal, um sistema que tem, em um maquinista, a inteira responsabilidade pelas condições de uso de um veículo não está exatamente protegido de falhas, como a dos freios, até o momento a mais considerada entre os entendidos em transporte ferroviário.

O bonde número 10, aliás, tinha um histórico vergonhoso de problemas nos freios. Em apenas um mês, foram oito passagens pela garagem para serviços desse tipo, como substituição de sapatas e regulagens.

As suspeitas levantadas sobre o maquinista, que desde a tarde de sábado não pode mais se defender, indignaram o presidente do sindicato, Valmir Lemos. “Em primeiro lugar, ele perdeu uma ótima oportunidade de ficar calado. Toda a população viu as péssimas condições em que estava o bonde. Na noite do acidente, eu conferi, junto dos peritos, que foi falha no sistema de freio. E isso não tinha relação com a batida que o veículo havia sofrido anteriormente. Eu garanto isso”, diz Valmir de Lemos, que afirmou, na tarde do acidente, à reportagem do site de VEJA, que o estado em que as peças foram encontradas no local da colisão indicavam que os freios estavam acionados, mas não tinham funcionado.

Júlio Lopes usou, para embasar suas suspeitas, a opinião de outro integrante do sindicado, Valmir Martins. Segundo o presidente da entidade, Martins está aposentado há três anos, e, antes disso, havia 10 anos não atuava mais em oficina. “Há 13 anos ele não entrava em uma oficina. Ele não conhecia as atuais condições dos bondinhos. Muita coisa mudou. E mudou para pior. O sistema está todo deteriorado. Me surpreende o fato de um secretário de estado tomar como base o depoimento dele”, acrescentou Lemos.

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Culpar a população pela “cultura” de extrapolar na capacidade dos veículos é uma estratégia igualmente cruel. Lopes deu declarações nesse sentido quando o sangue ainda descia das ladeiras de Santa Teresa, no início da noite de sábado.

O delegado da 7ª DP (Santa Teresa), Tarcísio Jansen, entregou, nesta terça-feira, um ofício à Companhia estadual de Engenharia de Transporte e Logística (Central), que administra os bondes de Santa Teresa. No documento, ele pede informações técnicas e administrativas sobre o serviço de transporte de passageiros. A empresa tem sete dias para enviar as respostas. “Vou oficiar a empresa, pedindo esclarecimentos sobre o serviço de manutenção, detalhes do dia do acidente e a dotação orçamentária, para saber se a verba era suficiente para fazer manutenção necessária”, afirmou o delegado.

Por volta das 13 horas, peritos do Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE) também visitaram a garagem, que funciona ainda como oficina, para recolher peças dos bondes. Foram levados pedaços da composição acidentada, incluindo as sapatas de freio. A medida põe fim ao risco de furto dos destroços, provas fundamentais para a elucidação do acidente. Reportagem do site de VEJA denunciou ontem a falta de vigilância no local.

(Com reportagem de Leo Pinheiro)

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