Formação da equipe econômica abre os diários de FHC
Nos comentários sobre a composição de seu primeiro ministério, ex-presidente rejeita as críticas de que estaria loteando os cargos na Esplanada
Fernando Henrique Cardoso começou a gravar os seus Diários da Presidência, cujo primeiro volume abrange os anos de 1995 e 1996, no dia 25 de dezembro, Natal, portanto, um domingo, a uma semana da posse. O tema dos primeiros depoimentos gravados é a formação do ministério, e a primeira definição girou em torno dos nomes para a equipe econômica. Era um assunto vital, pela necessidade de consolidar o plano de estabilização monetária. O ministro da Fazenda deveria ser um dos “pais do Real”, o time de economistas que formulou o arrojado, engenhoso e bem-sucedido plano que liquidou a hiperinflação. Mas quem? Edmar Bacha, que contava com a simpatia de FHC, não podia continuar em Brasília. Outros lembrados eram Persio Arida e o então presidente do Banco Central, Pedro Malan.
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Se a escolha recaísse sobre Malan, haveria então a necessidade e encontrar um novo presidente para o BC. Malan sugeria, para sucedê-lo, Armínio Fraga, “uma pessoa de grande talento”, diz FHC. No final, Malan, que incialmente havia pedido para deixar Brasília, por razões pessoais, aceitou assumir a Fazenda. Acabaria ficando oito anos, do primeiro ao último dia do governo FHC. No BC, a história foi mais turbulenta. Arida aceitou a presidência provisoriamente. Ficou seis meses. FHC não podia imaginar, mas as crises que viriam seriam enormes: bancos quebrados, intervenções em instituições financeiras públicas, turbulências no mercado financeiro internacional, ataques especulativos contra o real. Sem falar nas disputas internas.
Malan seguiu firme na Fazenda, enquanto os presidentes do BC se sucediam: Arida, depois Gustavo Loyola, então Gustavo Franco e finalmente, em março de 1999, Armínio Fraga, que permaneceria até o final do governo e foi o mais longevo nos anos FHC. As memórias sobre a crise cambial, no início de 1999, que acabou levando à indicação de Fraga só serão conhecidas no terceiro volume das memórias.
Toda a primeira sessão do depoimento gravado trata da engenharia para formar o ministério. FHC justifica objetivamente cada uma das escolhas e anota seu desconforto com os comentários segundo os quais estaria loteando as pastas da Esplanada. “Um governo tem que ter competência técnica e política”, afirma. E completa: “Não estou loteando nada. Estou simplesmente fazendo o que disse que faria: buscaria o apoio dos partidos políticos, das forças políticas da sociedade, e o faria para poder governar tendo em vista a competência técnica”.
Uma das opções analisadas pelo presidente era convidar José Serra para a Fazenda. Mas, como fica evidente nos comentários de FHC, essa não seria uma alternativa que agradava aos pais do Real. Serra sempre teve ideias firmes e fortes sobre a economia, e em geral conflitantes com a dos economistas que engendraram o plano de estabilização. Diz FHC: “Eu receava que colocá-lo na Fazenda seria provocar um impasse, porque praticamente todos haviam feito restrições ao Serra, não à sua competência, mas ao seu estilo”.
Em trecho anterior, FHC afirma que só via “duas maneiras de ele entrar para a Fazenda: ou provocando uma crise, porque a sua entrada provocaria uma crise, ou depois de uma crise, para solucionar um impasse”. No fim, Serra assumiu inicialmente o Ministério do Planejamento.
Para FHC, Serra tinha um futuro política e por isso deveria ocupar um dos ministérios da área social. Assim poderia tocar projetos de maior visibilidade. Foi o que ocorreu anos mais tarde, quando Serra, derrotado na eleição para prefeito de São Paulo em 1996, foi chamado para suceder Adib Jatene no Ministério da Saúde.