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Estudo do Ipea aponta maquiagem na estatística de homicídios do Rio

Pesquisador mostra que a partir de 2007 houve aumento inexplicado de "mortes de causa indeterminada". Em 2009, 3 mil assassinatos teriam ficado de fora das estatísticas de criminalidade

Por João Marcello Erthal, do RIo de Janeiro
24 out 2011, 17h26

O resultado da “distorção estatística” no ano de 2009: além dos 5.064 homicídios registrados naquele ano, teriam ocorrido outros 3.165 “homicídios ocultos”, o que eleva as agressões letais no estado do Rio para 8.229

Na melhor das hipóteses, uma distorção estatística grosseira. Na pior, uma maquiagem perversa da forma como têm sido apresentados, pelo governo do estado do Rio, os dados referentes a homicídios desde 2007. A descoberta é do pesquisador Daniel Cerqueira, do Instituto de Política Econômica Aplicada (Ipea), e, resumidamente, alerta para o seguinte: a redução de homicídios alardeada pelo governador Sérgio Cabral coincide, estranhamente, com um aumento dos óbitos de causa indeterminada.

O resultado da “distorção estatística” no ano de 2009: além dos 5.064 homicídios registrados naquele ano, teriam ocorrido outros 3.165 “homicídios ocultos”, o que eleva as agressões letais no estado do Rio para 8.229.

Ou, trocando em miúdos, Cabral tem pintado para a população um quadro bem mais bonito e colorido que a realidade da violência no Rio, enquanto boa parte dos assassinatos têm sido, desde que assumiu, classificados como mortes não explicadas. Entre esses casos sem explicação, é bom ressaltar, há óbitos por armas de fogo em que os perfis da vítima, do local e das circunstâncias se aproximam muito daquele das vítimas de homicídios.

Cerqueira comparou os dados oficiais de homicídios divulgados pelo Rio com informações do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde. Encontrou, assim, um crescimento ainda inexplicado, ou inexplicável, das mortes de causas não esclarecidas no estado. Diz o resumo do autor do trabalho: “O número de óbitos ocasionados por agressões de terceiros (homicídios) no Estado do Rio de Janeiro diminuiu nos últimos anos, de 7.099, em 2006, para 5.064, em 2009, o que implica em um decréscimo de 28,7%, no período. Contudo (…) há fortes indícios de que esse resultado tenha se dado por consequência de má classificação e manipulação dos dados”.

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O documento é conciso e amparado na frieza dos números. O resultado das 32 páginas, no entanto, deve queimar nas mãos do governador e do secretário José Mariano Beltrame. Um dos gráficos de estudo ajuda a entender o caminho das estatísticas a partir de 2007. Diz o estudo: “Observou-se no Estado do Rio de Janeiro, a partir de 2007, aumento substancial de óbitos violentos cuja causa não foi esclarecida, o que destoou completamente não apenas do padrão dos dados cariocas registrados até 2006, mas também da trajetória declinante de registros de óbitos indeterminados no âmbito nacional. Concomitantemente, observou-se, a partir de 2007, uma diminuição mais acentuada dos homicídios no Rio de Janeiro, conforme descrito no Gráfico 1.1 , em que esses incidentes estão indicados em taxa por cem mil habitantes.”

Homicídios x mortes não explicadas, no Rio. (Fonte: Ipea)
Homicídios x mortes não explicadas, no Rio. (Fonte: Ipea) (VEJA)

O desejável é que as mortes não explicadas sejam apenas um resíduo do total de óbitos. Mas o que mostra o estudo do Ipea é que, enquanto no Brasil a qualidade dos dados melhorou, no Rio houve uma piora. “A taxa de mortes violentas indeterminadas no Brasil girava em torno de seis (por cem mil habitantes) e diminuiu levemente para cinco, entre 2000 e 2009. Esse indicador para o RJ que no começo do século já era alto e girava em torno de 13, também diminuiu suavemente, alcançando o patamar de 10 em 2006. Contudo, em 2007 esse número dobrou, passando a girar em torno de 20, a partir de 2007”.

Falsas estatísticas – Uma cena do filme Tropa de Elite mostrava a forma que os comandantes de batalhões da PM encontraram para “melhorar” as estatísticas de criminalidade em suas regiões. Na ficçã dirigida por José Padilha, os corpos de vítimas de assassinato eram transportados para outras áreas, transferindo, assim, aquele dígito da contagem para o batalhão. No plano da gestão de segurança, maquiar a estatística é fazer o mesmo.

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Corrigir algumas distorções de registros oficiais foi o que custou a vida da juíza Patrícia Acioli, morta em 11 agosto deste ano. A magistrada suspeitou que algumas mortes registradas como “autos de resistência” eram, na verdade, execuções cometidas por policiais. Em São Gonçalo, onde a juíza presidia a 4ª Vara Criminal, as estatísticas de segurança, segundo o ex-comandante da PM, coronel Mário Sérgio Duarte Ribeiro, vinham sendo reduzidas. A morte de Patrícia Acioli mostrou que não era bem assim, e que na cidade o chefe da quadrilha estava na cadeira mais alta da segurança pública, no 7º Batalhão da PM.

Busca pela verdade – Uma nota divulgada à noite pela Secretaria de Surança Pública do Rio (Seseg) informa que o secretário José Mariano Beltrame se reunirá nesta terça-feira com representantes da Secretaria de Saúde, Instituto de Segurança Pública e Departamento de Polícia Técnica do Rio de Janeiro para abrir todos os dados, comparar metodologias e avaliar os números apresentados na pesquisa citada pelo jornalista.

“O objetivo do secretário José Mariano Beltrame é encontrar a verdade dos fatos”, diz o texto.

A Seseg ainda ressalta que os dados utilizados pela Polícia e pelo ISP são baseados nos procedimentos policiais, enquanto os dados da Secretaria Estadual de Saúde são obtidos através das declarações de óbito.

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