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Encostas do Rio ainda estão vulneráveis às chuvas

Para especialistas, obras de resposta aos danos da tragédia de abril não são capazes de evitar mortes. Falta investimento em habitação popular

Por Aline Erthal, do Rio de Janeiro
13 nov 2010, 15h18

“O Estado do Rio está cheio de favelas penduradas em morros. Isso é uma bomba-relógio, que só será desarmada quando se elaborar um plano abrangente, envolvendo as esferas federal, estadual e municipal, em um processo que levará décadas. Mas os políticos preferem fazer maquiagens e empurrar o problema para a próxima gestão”, lamenta

Casas penduradas em barrancos, encostas sem nenhuma contenção e estradas precárias. Sete meses depois das chuvas que assolaram o estado do Rio, o cenário que se vê nos municípios que mais sofreram com a catástrofe ainda é assustador. A um mês do verão, a opinião de especialistas e, principalmente, de moradores que estão nas zonas de perigo, é unânime: o estado não está preparado para evitar novas tragédias. Promessas até hoje não cumpridas, soluções que se mostram insuficientes e a falta de um plano integrado e de longo prazo demonstram que a lição não foi aprendida pelo poder público.

A carência habitacional, para os especialistas, é o cerne da questão. Moacyr Duarte, engenheiro da Coppe/UFRJ, explica que há três fases de atuação do poder público em desastres: prevenção, resposta e reconstrução. No Brasil, porém, a ênfase recai sempre sobre a resposta. “Só quando acontece o desastre há a liberação de recursos e atuação efetiva. Existem inúmeros procedimentos pré-formatados para situações de emergência. Para corrigir o grande desvio que foi a ocupação humana de locais inadequados, porém, a verba não aparece”, adverte.

O Morro do Bumba, em Niterói, é o retrato de uma tragédia que pode voltar a se repetir. A localidade foi a que mais sofreu com as chuvas de abril: pelo menos 47 pessoas morreram em um grande deslizamento de terra. Mais de 3 mil famílias ficaram desabrigadas. Casas foram interditadas pela Defesa Civil por colocarem em perigo a vida dos moradores.

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Moradora do Morro do Bumba em uma das áreas com risco de deslizamento
Moradora do Morro do Bumba em uma das áreas com risco de deslizamento (VEJA)

A prefeitura de Niterói informa que todas as residências delimitadas como área de risco foram desocupadas e que, das 3.200 famílias beneficiadas pelo aluguel social, a maioria usa o dinheiro para o fim ao qual se presta: alugar um imóvel. Porém, o que se vê no Bumba são famílias inteiras ainda morando à beira de abismos. E não só: em diversos pontos, novas construções são erguidas, sem qualquer fiscalização. “Logo depois da tragédia, saímos daqui. Mas, depois de um mês, estava todo mundo de volta”, conta Volcenira Pimentel, costureira. Ela mora na Ladeira do Bumba, e o quintal do vizinho ameaça desabar sobre os quartos de sua casa. Quando chove, a família dorme na sala.

Volcenira, assim como seus vizinhos que voltaram para as casas condenadas, tem medo. Se ela retornou ao Bumba, como conta, não foi por vontade ou teimosia, mas por falta de opção. “Com os 400 reais do aluguel social, não conseguimos morar em nenhum outro lugar. Não encontramos casa por menos de 600 reais por mês. Além disso, o dinheiro não tem dia certo para sair, e chega a atrasar mais de um mês”, reclama.

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O pagamento do aluguel social dificilmente resolve o problema. No máximo, desloca-o: as pessoas podem até se mudar, com o medo e o trauma deixados pela tragédia. Mas, com o valor recebido, muitas vezes a única possibilidade de moradia está em outras favelas ou locais que também oferecem riscos.

O governo do Estado anuncia o investimento de 105 milhões de reais em obras de recuperação em Niterói, município mais atingido pelas chuvas. O foco, porém, recai sobre recomposição de encostas, dragagem de rios e limpeza. Medidas importantes, mas que não resolvem o problema. “Claro que é necessário desobstruir canais, conter encostas. Mas isso não é o principal. Enquanto não forem oferecidas para as pessoas novas e decentes condições de moradia, com estrutura, recursos, os contornos da tragédia vão se perpetuar”, salienta Moacyr.

Paulo Cesar Rosman, também engenheiro da Coppe, alerta que, se o poder público não for além, e entrar de verdade em um projeto de regularização das moradiras, as chuvas vão continuar trazendo ameaça de tragédias. “O Estado do Rio está cheio de favelas penduradas em morros. Isso é uma bomba-relógio, que só será desarmada quando se elaborar um plano abrangente, envolvendo as esferas federal, estadual e municipal, em um processo que levará décadas. Mas os políticos preferem fazer maquiagens e empurrar o problema para a próxima gestão”, lamenta.

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