Em discurso ambíguo, presidente reeleita prega a união, porém, sinaliza que continuará governando apenas para os eleitores que lhe deram voto
Por Da Redação
26 out 2014, 23h01
O discurso de vitória, feito na noite deste domingo num hotel em Brasília, pela presidente reeleita Dilma Rousseff, foi ambíguo. Depois de uma votação tão apertada, Dilma pregou a união, disse que está disposta ao diálogo, fez um gesto de autocrítica afirmando que pretende ser uma presidente “muito melhor” do que foi até agora, e afirmou que está aberta à mudança – palavra que, segundo ela, marcou esta eleição. Em tudo que disse de concreto, porém, a presidente não fez mais que repetir propostas que já tentou emplacar, como a da reforma política por meio de um plebiscito, ou reafirmar seu compromisso com a política econômica em curso. Em outras palavras, ficou apenas na retórica e não deu nenhum sinal concreto de que pretende incorporar à sua agenda qualquer das ideias abraçadas pelos quase 51 milhões de eleitores que lhe negaram votos.
O discurso teve frases que tentaram ser inspiradoras. “Não acredito, sinceramente, do fundo do meu coração, que essas eleições tenham dividido o país ao meio. Entendo, sim, que elas mobilizaram ideias e emoções às vezes contraditórias, mas movidas por um sentimento comum: a busca de um futuro melhor”, afirmou a presidente. “Nas democracias maduras, união não significa necessariamente unidade de ideias, nem ação monolítica conjunta. Pressupõe em primeiro lugar abertura e disposição para o diálogo. Esta presidente aqui está disposta ao diálogo e é este o meu primeiro compromisso do segundo mandato: diálogo”, declarou. Em seguida, contudo, Dilma deixou claro em quais bases o “diálogo” deve acontecer.
O ponto em que ela pôs maior ênfase foi a reforma política. Em 2013, depois das manifestações que varreram o país, a presidente e seu partido encamparam a ideia da reforma como antídoto contra o sentimento de aversão aos políticos que vinha das ruas. Naquela época, ficou evidente o tipo de reforma que o PT desejava, e nada do que a presidente disse neste domingo indica que os planos mudaram. O PT quer impor o financiamento público de campanha e a divisão dos recursos de acordo com o tamanho das bancadas eleitas, o que daria ao partido a maior fatia no Fundo Partidário. O PT defende o voto em lista fechada para o Legislativo. Por esse método, o eleitor não vota em candidatos, mas na sigla. Traduzindo: os caciques petistas indicam os candidatos a deputado e depois chamam o povo para pagar a campanha. Finalmente, o PT pretende legitimar seu projeto por meio de um plebiscito (devidamente mencionado pela presidente reeleita), ferramenta notoriamente inadequada para tratar de assuntos tão técnicos e complexos quanto a mudança nas regras do jogo político.
Outro ponto do discurso em que mudança, na verdade, queria dizer “aceitem as minhas ideias” foi aquele dedicado às questões econômicas. Neste campo, a presidente foi sucinta, mas atacou os pontos principais. Disse que promoverá “ações localizadas” para retomar o ritmo de crescimento, o que é, em tese, o temor de empresários investidores. Afinal, foram justamente as “ações localizadas” de seu primeiro governo que conduziram o país a um cenário de inflação acima da meta, contas públicas deterioradas e investimentos em queda. Dilma disse que a prioridade será “continuar garantindo os níveis altos de emprego e assegurar a valorização dos salários”, exatamente o mesmo discurso de 2010 e de todo o seu primeiro mandato. Valendo-se desses dois argumentos, a presidente empreendeu medidas de intervencionismo na economia que colocaram o Brasil numa espiral de crescimento baixo e falta de credibilidade em relação à política econômica.
Não são apenas as propostas que permanecem as mesmas. Os companheiros de palanque também se repetem – por exemplo, o senador Ciro Nogueira (PP-PI), citado como beneficiário do petrolão, e o ex-ministro defenestrado de seu próprio governo, Carlos Lupi, presidente do PDT. Dilma aproveitou também para contribuir com o culto à personalidade de seu mentor, Lula, saudado por ela no discurso antes mesmo de agradecer aos eleitores que votaram nela. Dilma fez um discurso que parecia ser para todos. Porém, na tietagem explícita a Lula, ficou claro o limite do seu desejo de diálogo: ela falou, sobretudo, para sua plateia.
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