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Carandiru: PMs são condenados a 624 anos por massacre

Júri considerou todos os 25 policiais militares acusados culpados pela morte de 52 detentos. Réus, no entanto, poderão recorrer da sentença em liberdade

Por Jean-Philip Struck
3 ago 2013, 04h35

Quase vinte e um anos depois do massacre do Carandiru, a segunda fase do julgamento dos policiais militares acusados de participação na matança terminou com a condenação de todos os 25 réus. Os policiais receberam a sentença de 624 anos de prisão em regime fechado pelo assassinato de 52 dos 111 detentos mortos no massacre, mas poderão recorrer em liberdade. A Justiça também determinou que os nove PMs que ainda estão na ativa devem perder o cargo público por abuso de poder – embora isso só deva acontecer quando todos os recursos estiverem esgotados. O cálculo da pena considerou uma pena de doze anos para cada homicídio.

O júri, composto por sete homens, teve que responder 7.300 perguntas sobre a responsabilidade de cada um dos 25 réus. Os jurados se reuniram por volta de 23h, e chegaram ao resultado cinco horas depois. O veredicto foi lido pelo juiz Rodrigo Tellini de Aguirre Camargo por volta das 4h20. “Houve inequívoco abuso de poder”, destacou ele.

Entre os réus estavam nove policiais ainda na ativa e que até pouco tempo detinham posições de destaque na PM. Um deles é o tenente-coronel Salvador Modesto Madia, que comandou a Rota entre novembro de 2011 e setembro de 2012 e o major Marcelo Gonzáles Marques, que ainda estava na Rota até a semana passada e foi transferido de batalhão poucos dias antes do início do julgamento – o governo afirmou não ligar a transferência à aproximação do júri. Entre os réus mais graduados estavam ainda o coronel reformado Valter Alves Mendonça e o tenente-coronel Carlos Alberto dos Santos.

Acusações – O julgamento consumiu um total de cinco dias. Os réus faziam parte da tropa das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) que retomou o segundo andar (terceiro pavimento) do Pavilhão Nove do Carandiru, que sofria um motim de presos no dia 2 de outubro de 1992. Neste andar, morreram 78 dos 111 presos vítimas do massacre. Os PMs julgados nesta semana foram inicialmente denunciados por 73 dessas mortes – as outras cinco foram apontadas como responsabilidade do tenente-coronel Luiz Nakaharada, que ainda aguarda julgamento.

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No último dia de julgamento, a promotoria pediu a exclusão de 21 das 73 mortes, reduzindo o número para 52. A razão alegada foi que não era possível provar a presença dos réus nos corredores onde ocorreram essas mortes, e que três delas foram provocadas por armas brancas e poderiam ter sido causadas por outros presos.

OS RÉUS CONDENADOS*

coronel Valter Alves Mendonça

major Marcelo González Marques,

tenente-coronel Carlos Alberto dos Santos

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tenente-coronel Salvador Modesto Madia

tenente Luiz Antônio Alves Tavares

tenente José Carlos do Prado

subtenente Carlos do Carmo Brigido Silva

sargento ítalo Del Nero Júnior

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sargento Marcos Gaspar Lopes

sargento Carlos Alberto Siqueira

sargento Ariovaldo dos Santos Cruz

sargento Valquimar Souza Gomes

sargento Roberto Alves de Paiva

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cabo Mauro Gomes de Oliveira

soldado Pedro Laio Moraes Ribeiro

sargento Walter Tadeu Andrade Assis

soldado Roberto Lino Soares Penna

tenente Edson Pereira Campos

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sargento Antônio Aparecido Roberto Gonçalves

sargento Marcos Heber Frederico Júnior

cabo Alex Morello Fernandes

sargento Raphael Rodrigues Pontes

sargento Benjamin Yoshida de Souza

*relação parcial

Ao longo do julgamento, a defesa tentou explorar as mudanças nos números alegando que a acusação era inconsistente e inconstante. “Eles generalizam o número de mortes, o número de réus”, disse a advogada Ieda Ribeiro de Souza, que, a exemplo da primeira fase do julgamento do massacre, em abril – quando defendeu outros 26 PMs – tentou emplacar a tese de que a acusação era falha porque não individualizava a conduta dos réus no momento da ação policial. Ela também alegou que os policiais respondiam ordens e que as mortes foram uma reação à violência dos presos rebelados, que teriam atirado nos policiais.

Em abril, a tese não havia emplacado, e 23 réus acabaram condenados a 156 anos de prisão por 13 mortes que ocorreram no primeiro andar (segundo pavimento).

Laudos – Nesta segunda fase, o Ministério Público voltou a refutar as alegações da defesa. Apresentando laudos realizados depois do massacre, sustentou que não houve indícios de tiros disparados nos corredores do pavilhão ou na direção dos policiais. Segundo os laudos, as mortes ocorreram dentro das celas, e 90% dos 52 presos mortos levaram três tiros ou mais – 47 foram baleados na cabeça ou no pescoço.

A acusação, liderada pelo promotor Eduardo Olavo Canto, também foi bem sucedida ao demonstrar uma série de contradições nos interrogatórios dos réus. Entre os PMs acusados, dezoito permaneceram calados na fase de interrogatórios. Só os que eram oficiais à época falaram. Os policiais ouvidos defenderam a ação e reiteraram que não fizeram nada errado. “Acha que eu cheguei em casa e tomei um copo de sangue?”, disse o tenente-coronel Salvador Madia ao juiz do caso, no mais longo interrogatório do júri, que durou seis horas.

Nos momentos finais do julgamento, a acusação ampliou o caso para o campo moral e ético. Citando a necessidade de “mudança de rumo” e “mudança de mentalidade”, o promotor Olavo afirmou que o massacre e outras ações dos réus representam atitudes que precisam ser extirpadas da cultura da polícia e da sociedade.

Num dos momentos mais decisivos do julgamento, a promotoria mostrou um levantamento que indicava que 24 dos 25 réus mataram 300 pessoas em ocorrências de resistência seguida de morte desde o início da carreira de cada um até o ano 2000. O recordista de casos foi o tenente-coronel Carlos Alberto dos Santos, com 33 mortes.

Entre as ações detalhadas pelo promotor, os laudos apontavam sinais claros de execução. O promotor Olavo fez questão de citar e apontar os réus presentes que estavam envolvidos com os casos. “Essa é a polícia que queremos?”. Era visível o desconforto dos réus. Embalada pela onda de protestos que sacudiu o país em junho, a promotoria pediu aos jurados que “escutassem a voz das ruas” que pedem mudanças no país. “Condenem isso. Vamos mudar essa cultura da impunidade”, disse. “Eu não sei como [os réus] conseguem dormir. Isso é repugnante”.

A maior parte do julgamento foi bastante esvaziada. Apenas no último dia o plenário ficou lotado. Entre os presentes estavam parentes dos réus e outros policiais condenados no primeiro julgamento. Um grupo de PMs cadeirantes, membros de uma associação de policiais portadores de deficiência, se colocou bem próximo dos jurados.

Testemunhas – O julgamento reaproveitou algumas das testemunhas da primeira fase. Entre os ouvidos estavam o ex-governador Luiz Antônio Fleury, que voltou a afirmar que a ação da PM foi “legítima e necessária” e o ex-secretário de Segurança Pedro Franco de Campo, que testemunharam pela defesa. A acusação voltou a convocar o perito Osvaldo Negrini, que voltou a falar que os policiais adulteraram a cena do crime. Também foram ouvidas duas testemunhas sigilosas, que não tiveram as identidades divulgadas – um delas aparentemente trabalhou como funcionária no presídio.

Recursos – Mesmo com as condenações, os policiais considerados culpados nesta fase vão permanecer livres, podendo recorrer fora da prisão – a exemplo do que ocorreu com os PMs condenados em abril, na primeira fase. E essa situação deve durar ainda vários anos. A Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) seção São Paulo calcula que os PMs condenados pelo massacre só devem passar a cumprir pena a partir de 2020, quase 30 anos depois do massacre.

Fase – Além do júri para o coronel Luiz Nakaharada, também estão previstos mais dois julgamentos, desta vez dos PMs que retomaram o terceiro e quarto andar do Pavilhão 9. Os PMs, membros Comando de Operações Especiais (COE) e Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) respondem por outras dezoito mortes. A terceira fase deve ser iniciada em outubro.

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