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Bolsonaro não representa quem defende o impeachment

Parlamentar abusa novamente de frases grotescas em busca de holofotes. Mistura processo Constitucional com ditadura. E é duramente criticado pelos colegas de Parlamento que defendem a saída de Dilma Rousseff

Por Carolina Farina, Marcela Mattos e Felipe Frazão
20 abr 2016, 12h35

Nunca é bom falar sobre Jair Bolsonaro (PSC-RJ). Fazê-lo é, quase sempre, cair no jogo dele. Por meio das frases grotescas que profere aos borbotões, o deputado busca atenção – e faz seu discurso de extrema-direita ecoar em tempos de polarização ideológica e desvalorização da política. Não à toa passou de 4% para 8% das intenções de voto entre dezembro de 2015 e abril de 2016, segundo levantamentos do Datafolha. Mas, às vezes, é preciso falar de Bolsonaro. Sobretudo quando sua verborragia ultrapassa o mero ridículo e esbarra no discurso criminoso, como a defesa de um torturador como Carlos Alberto Brilhante Ustra, um dos maiores símbolos da repressão no regime militar.

Em 55 segundos, Bolsonaro desrespeitou a memória dos dezenas de mortos nos porões do DOI-Codi de São Paulo entre 1970 e 1974, período em que Ustra comandou o órgão de repressão da ditadura. Ironizou ainda o fato de que a presidente que votava naquele momento por depor ter sido ela própria torturada: “Em memória do coronel Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff, o meu voto é sim”, bradou, sob vaias tímidas demais para o que se acabara de ouvir. Um voto que se quis apenas cruel, ignorando questões políticas ou a denúncia por crimde de responsabilidade ora analisada. O espetáculo infame se espalhou como rastilho de pólvora pela internet, sob justa indignação da maioria. Mas acabou também contribuindo para que o debate se perdesse: embora tenha votado pelo prosseguimento do processo de impeachment contra a presidente Dilma, Bolsonaro não representa os mais de 60% de brasileiros que se dizem favoráveis à deposição da petista. Representa o que de pior há em qualquer posição política – o extremismo.

Tão extremista, ressalte-se, foi a citação que o antecedeu, de Glauber Braga (PSOL-RJ) – que conteve uma homenagem ao terrorista Carlos Marighella, um dos principais organizadores da luta armada contra o regime militar e autor do Minimanual do Guerrilheiro Urbano. Marighella comandou a Ação Nacional Libertadora (ANL), responsável por colocar uma bomba na entrada do estacionamento do Conjunto Nacional, na Avenida Paulista, onde ficava a sede do consulado americano, em 1968.

Aquele a quem Bolsonaro dedicou seu voto foi o primeiro torturador condenado civilmente pela Justiça brasileira, em 2008. Seu nome é um dos mais citados em denúncias de violações de direitos humanos no período da ditadura. Apresentava-se com o codinome de “doutor Tibiriçá”. Em 1987, entrou para a reserva, ao ter seu nome preterido na promoção para general, e escreveu um livro, Rompendo o Silêncio, no qual percorre a história sobre o fio da navalha: não nega que havia tortura nos porões, mas também não admite que havia. Nos quatro anos em que esteve à frente do DOI-Codi, foram registrados 502 casos de tortura e 40 mortes de presos políticos nos porões do local. O parlamentar ousou misturar o impeachment, um processo previsto pela Constituição de um país democrático, com ditadura. Pior: associou-o à tortura. Um insulto aos brasileiros que apoiam a deposição de Dilma Rousseff. Um insulto à Casa que aprovou o seguimento dele com os votos de mais de 2/3 dos deputados.

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“Bolsonaro representa a si próprio, e a pluralidade de um plenário é muito maior que a expressão dele. Tenho discordância plena de associar o processo a um regime militar e principalmente à figura polêmica do Coronel Ustra, um torturador. É absolutamente incompatível uma alusão à tortura a um processo constitucional e democrático”, afirmou o deputado Mendonça Filho (DEM-PE), coordenador do comitê pró-impeachment. “É inaceitável, ainda mais quando se fala de uma situação que provocou enormes traumas psicológicos e humanos à presidente da República. Independentemente da minha discordância total do legado do seu governo, eu considero ser necessário separar o ser humano e os valores humanísticos e universais daquilo que é uma postura de intolerância que vai muito além dos limites da civilidade”, continuou.

Autor do voto que confirmou a aprovação do impeachment contra Dilma, o deputado Bruno Araújo (PSDB-PE) chamou de “deplorável” a declaração de Bolsonaro. “É uma fala da qual não compartilhamos. Que esse lamentável episódio não seja utilizado nas fábulas contadas pelo PT”, disse. Também homenageado por Bolsonaro durante a votação do impeachment, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), reconheceu o despropósito na fala do parlamentar. “Não concordo com a defesa de torturador. Eu acho errado, não concordo, não. Pode até ser considerado quebra de decoro. Que alguém represente contra Bolsonaro”, disse. O peemedebista destacou que parte das manifestações ao microfone “não foram agradáveis a ninguém”, mas que outras “fazem parte da democracia e da representação da sociedade brasileira”.

Contrário ao processo contra Dilma, o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) reconhece que a visão de Bolsonaro é “distorcida” e não “expressa o pensamento médio dos que defenderam o impeachment”. “Ele tem a cabeça na Guerra Fria, ainda se move por ódio a um inimigo que, na verdade, não é real aqui no Brasil, porque mesmo a esquerda já reviu muitos conceitos. Ele é um fóssil mental que faz bumbo a um assédio moral contra Dilma”, afirmou.

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Não é a primeira vez que Bolsonaro ultrapassa os limites do debate político tolerável no plenário da Câmara. No fim de 2014, ele ofendeu a deputada Maria do Rosário (PT-RS), dizendo que “não a estupraria porque ela não merecia”. Em 2013, ele foi acusado de agredir o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), então no PSOL, durante uma vistoria ao quartel onde funcionou a sede do extinto Doi-Codi, no Rio de Janeiro. Nenhuma das três representações contra ele avançou no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar.

O discurso deplorável do domingo foi seguido por outras cenas lamentáveis no parlamento. Pouco depois de proferir seu voto, o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) foi ofendido por Bolsonaro e reagiu à provocação com uma cusparada. Na sequência do gesto, o filho de Bolsonaro, Eduardo, parlamentar que proferiu seu voto com um gesto que lembrava a coreografia do hit carnavalesco de 2016 Paredão Metralhadora, cuspiu em Wyllys. Mais parecia briga de reality show, como algumas das que a eterna ex-vice-miss-bumbum Andressa Urach protagonizou em A Fazenda em 2013. Escárnio em estado bruto.

Chamada em inglês de Lower House (ou Câmara Baixa), a Câmara dos Deputados costuma ser palco de brigas até mesmo no exterior. Mas é também, por representar todos os cantos do país, considerada a voz do povo. Do lado de fora da Casa, ainda que houvesse nas ruas grandes manifestações pró e contra o impeachment, que reuniram centenas de milhares de pessoas em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, não se viram episódios de agressão entre os militantes. Faltou aos nobres deputados aprender a se fazer ouvir como a voz das ruas.

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