Acampamento de carperos põe brasileiros em alerta
Sem-terra avançam rumo a propriedades privadas na região de Ñacunday, no Alto Paraná, leste do Paraguai
Famílias inteiras vivem debaixo de tendas de lona preta e laranja em Ñacunday, no Alto Paraná, leste do Paraguai. Dessas barracas improvisadas – chamadas de carpas em castelhano – vem o nome dos sem-terra paraguaios: carperos. Estela Coronel, de 46 anos, cozinha frango e alisa a toalha colorida sobre a mesa equilibrada em cavaletes. Uma criança brinca à beira de um poço fundo de onde as mulheres tiram água. Pedro Mendes, de 38 anos, tenta escapar do calor de 40º graus Celsius à sombra sorvendo tereré, bebida gelada tradicional da região. Enquanto isso, Ignacio Vazquez, de 53, ajuda um grupo que, sob o sol do meio dia, cava a terra vermelha para fixar as estacas de mais um barraco. Leia também: Governo Dilma ignora perseguição a brasileiros no Paraguai Embaixador: “Diálogo com o Paraguai é leal e amistoso” O acampamento, a dez quilômetros da margem do Rio Paraná, que separa o Brasil e o Paraguai, já abriga 8 000 pessoas. A cada dia pelo menos vinte famílias chegam ao local, em carros e caminhonetes abarrotados com móveis, colchões e crianças. São atraídos pela promessa de ganhar um pedaço da fértil terra do Alto Paraná – hoje legalmente pertencente a 150 000 brasileiros que lá chegaram há quarenta anos. A oferta é propagada com base no boca a boca em bairros pobres por todo o Paraguai. Os líderes do movimento explicam apenas o que lhes é conveniente. “Aqui temos 167 milhões de hectares de terra do estado que o povo paraguaio vai ocupar”, diz o comandante do grupo, Victoriano Lopez. “Os brasileiros se apropriaram da terra paraguaia e não têm títulos de propriedade.”
A grande maioria dos brasileiros, no entanto, tem os documentos em dia e usa a terra de forma produtiva e eficiente, para a lavoura de soja e milho. Sucessivas medições judiciais feitas no Alto Paraná mostraram que não há por lá terra que se enquadrasse nos critérios da reforma agrária. “Tenho empréstimo no banco para financiar o plantio e minha fazenda está hipotecada. Que banco aceitaria fazer as operações se não tivéssemos os documentos em dia?”, diz o produtor rural brasileiro Alexi Paulo Grutka, de 47 anos, há 20 no Paraguai. Grutka e outros agricultores do Alto Paraná sofrem cotidianamente com agressões e ameaças xenófobas vinda dos sem-terra, conforme mostra o infográfico abaixo, mas os carperos elegeram outro brasileiro como inimigo número um: o empresário Tranquilo Favero. Maior produtor individual de soja do Paraguai, ele foi pioneiro entre os que deixaram o Brasil para ir para o outro lado da fronteira, em 1970. É dele a maior parte das terras reivindicadas pelos carperos como públicas. Daí o ódio destilado pelos sem-terra em faixas espalhadas pelo acampamento: “Favero cue” ou “Favero já era”. Leia entrevista concedida por Tranquilo Favero ao site de VEJA. Invasão – Carperos ocupam as terras de Favero há pelo menos dez anos, quando foram montadas, 25 quilômetros antes da primeira cancela de controle de acesso à propriedade, dez barracas de lona. A elas foram se somando centenas de outras, depois que Fernando Lugo assumiu a presidência, em 2008. A reforma agrária era uma promessa de campanha de Lugo e os líderes dos sem-terra não tardaram a cobrar o cumprimento dela. A movimentação dos carperos pelo Alto Paraná intensificou-se a partir de 12 de janeiro (veja no infográfico). Na última semana eles avançaram sobre as terras de Favero e se posicionaram às margens do Rio Ñacunday. Lá há uma balsa que leva em direção à sede da fazenda. A marcha dos sem-terra foi acompanhada de longe por policiais paraguaios. O governo diz ter enviado para a região 200 homens da Polícia Nacional, para garantir a segurança dos produtores. Nos dois dias em que percorreu as estradas do Alto Paraná, no entanto, a reportagem do site de VEJA viu apenas uma viatura estacionada próxima ao acampamento de sem-terra, em Ñacunday, com dois policiais. O abandono da região permitiu que, em 21 de janeiro, centenas de carperos chegassem até a primeira cancela de controle de acesso às terras de Favero. Eles rumavam para o sul do estado em carros e carretas, onde participariam de uma demarcação de terras. Para passar pela cancela, ameaçaram o segurança do Grupo Favero Mario Fernandez, de 58 anos, e a esposa dele, Ana Delia. Eles viviam em uma casa de madeira ao lado do bloqueio. “Me tranquei em casa e rezei desesperada”, diz Ana. “Eles gritavam que iam por fogo na casa.” Fernandez não teve coragem de tirar o revólver calibre 38 da cintura. “Seria inútil. Eles eram muitos e estavam armados com facões e dois revólveres.” Fernandez pediu transferência para outra região e foi substituído no posto de vigilância por dois seguranças, de 28 e de 30 anos de idade, armados com rifles calibre 12.