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A São Paulo que não quer chuva

Moradores de Vila Itaim, no Jardim Romano, extremo Leste da capital paulista, enfrentam o paradoxo de torneiras secas e casas inundadas. Embate entre Estado e prefeitura impede remoção de famílias de áreas de risco

Por Mariana Zylberkan
22 fev 2015, 09h12

Semanas antes de ter a casa alagada, o aposentado Adevaldo Severo da Rocha, de 66 anos, investiu em um sistema para captar a água da chuva e driblar os dias de torneira seca na Vila Itaim, bairro no extremo da Zona Leste de São Paulo, onde mora há mais de 40 anos e neste mês sofre com uma enchente provocada pelo transbordamento do Rio Tietê em decorrência das fortes chuvas do feriado de Carnaval. A água que veio do céu o ajudou a abaixar o consumo – e a conta no fim do mês -, mas o obriga a sair ou entrar em casa a bordo do bote inflável da Defesa Civil. A enchente que inunda o bairro praticamente todo ano no verão é tão previsível que ele nem pensou em usar a sirene fornecida pela Defesa Civil para avisar os vizinhos quando viu a água subir pelo encanamento. “Estamos acostumados, já sabemos que quando chove forte, é hora de correr para salvar os móveis”, diz o aposentado que, em 2009, passou mais de três meses debaixo d’água. Ele vive com mais oito pessoas, incluindo a filha que deu a luz há apenas dez dias e não pode voltar para casa. Ela aguarda a água abaixar internada no hospital.

Enquanto a Grande São Paulo celebra as águas de fevereiro, responsáveis por dobrar o volume do Sistema Cantareira em 20 dias, as 350 famílias da Vila Itaim contabilizam o prejuízo provocado pela inundação em plena crise hídrica sem precedentes no Estado.

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Próximo à casa do aposentado vive a ambulante Maria do Carmo de Luna, de 47 anos, que se esforçava para andar pelo quintal alagado com a ajuda de uma bengala: o avanço da catarata a deixou cega. Seu marido morreu há um mês e, cardiopata, ela tem recebido a ajuda de sua filha. “Cheguei a passar mal de nervoso ao ver tudo alagado e fui para no hospital”, diz. As internações, diz, se tornaram recorrentes no último ano. Maria do Carmo atribui o quadro à qualidade da água que sai de suas torneiras. “Passei a ter infecção intestinal, o que derrubou a minha imunidade”, afirma. As doenças só amenizaram, segundo Maria do Carmo, quando ela passou a consumir exclusivamente água mineral.

Localizada em uma área de várzea, um nível abaixo do Rio Tietê, o bairro de Vila Itaim, vizinho ao Jardim Romano, sofre todos os anos com as tempestades do verão em São Paulo: as enchentes. A região é conhecida como Jardim Pantanal, que ficou três meses submerso em 2009. Embora antigo, o problema só recebe alguma atenção das autoridades entre janeiro e março, quando a chuva já voltou a fazer estragos. Nos meses restantes de cada ano, a questão fica para trás em meio a um jogo de empurra entre prefeitura e governo do Estado. Em 2013, as administrações estadual e municipal firmaram convênio para construção de um sistema de drenagem nos bairros. O documento estabeleceu a construção de um pôlder, que funciona como um dique de contenção dotado de bombas para drenar e devolver ao rio o excedente de água.

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O acordo daquele ano atualizou um anterior, de 2010, que previa apenas medidas de recomposição da mata ciliar na região, como compensação pela construção da pista do meio da Marginal Tietê. Responsável pela obra, o Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE), do governo estadual, creditou na sexta-feira a demora para o início das obras à escassez de recursos. A afirmação do superintendente do DAEE Ricardo Borsari ocorreu no dia em que o órgão estadual e a gestão do prefeito Fernando Haddad (PT) firmaram acordo para dar início às obras no segundo semestre deste ano – após semanas discutindo a responsabilidade sobre a questão.

A prefeitura alegava que não removeu a população de Vila Itaim da área de risco porque o DAEE não apresentou o projeto do pôlder – espécie de muro para conter a água. Em resposta, o DAEE afirmou que não podia iniciar as obras sem que a prefeitura removesse 366 famílias da área de risco, e que a administração municipal tinha conhecimento do “projeto básico que indica os locais exatos onde o pôlder será construído desde 2012”.

Orçada em 63 milhões de reais, a obra inclui ainda uma ciclovia. Segundo o prefeito Fernando Haddad, a remoção de cerca de 366 famílias só será feita às vésperas do início dos trabalhos “para evitar preocupação da área de risco”. Esse é justamente o único ponto em que nunca houve divergência entre Estado e prefeitura: atribuir à ocupação irregular as recorrentes enchentes na Vila Itaim. De fato, as construções na região ocorreu em uma área de várzea – mas o local está longe de se configurar um acampamento de invasores. Pelo contrário: o bairro recebe toda infraestrutura de água, esgoto e iluminação pública da administração pública. E sua população paga por isso. A costureira Marli Almeida da Silva, de 53 anos, faz questão de mostrar o boleto pago do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), no valor de 1.500 reais. Em Vila Itaim, também há uma creche administrada em convênio com a prefeitura, que atende 150 criança. De acordo com convênio publicado no Diário Oficial do município em novembro do ano passado, a creche Cantinho do Céu recebe repasses mensais da prefeitura no valor de 47.289 reais e é administrada pelo pastor Edivaldo de Souza, da igreja Assembleia de Deus Ministério Agape do Itaim, que estava nervoso na última quinta-feira com a possibilidade de o local ser interditado pela Defesa Civil.

Em meio ao impasse, os moradores da região tentam se equilibrar entre o alagamento e a falta d’água. O subprefeito de São Miguel Paulista, Adalberto Dias de Sousa, afirma que a redução da pressão por vezes deixa os bairros até dois dias com as torneiras secas. Segundo a Sabesp, regiões distantes dos reservatórios, como Vila Itaim, podem levar mais tempo para ter o serviço retomado. Ao quadro, soma-se mais uma preocupação para essa população carente: os moradores temem a possibilidade de pagar sobretaxa na conta d’água porque terão de limpar suas casas quando a água baixar. “Para nós é melhor que não chova mais”, diz Maria Bela de Oliveira, de 67 anos, que mora há 55 anos no bairro e perdeu a conta de quantos alagamentos já enfrentou.

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