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Zona do euro aposta no ‘jeito alemão’ para contornar a crise

Países em recessão estão trocando governos fracassados por tecnocratas que, com pacotes de austeridade, prometem um controle rígido das contas públicas

Por Gabriela Loureiro
27 dez 2011, 07h46

“É como se uma pessoa estivesse se afogando (UE) e, em vez de jogar uma boia, você (Alemanha) ficasse dizendo ‘eu te falei para se matricular em uma aula de natação'”

Reginaldo Nogueira, coordenador de relações internacionais do Ibmec

Em mais uma tentativa extrema de amenizar a crise financeira sem precedentes da União Europeia (UE), o Banco Central Europeu (BCE) lançou uma nova linha de crédito, no último dia 21, que permite aos bancos da zona do euro receber empréstimos de quase meio trilhão de euros. A iniciativa mais ousada da história do BCE é vista como um voto de confiança à nova tendência que começou a se desenhar no continente este ano e que, ao que tudo indica, ganhará força em 2012: governos à moda alemã. Isso significa mais austeridade, disciplina orçamentária e controle das contas públicas – a receita de sucesso que permitiu à Alemanha continuar crescendo mesmo após a recessão de 2008, e tornar-se o único país capaz de segurar as pontas da UE neste momento. Na Grécia, de longe o país mais problemático, George Papandreou foi obrigado a entregar o cargo de primeiro-ministro ao tecnocrata Lucas Papademos, que adotou um pacote de medidas impopulares para reduzir o déficit e mostrar aos credores estrangeiros que as finanças podem entrar nos eixos. A mesma história se repetiu na Itália, que trocou o premiê bonachão Silvio Berlusconi pelo economista Mario Monti, apelidado pelos próprios italianos de “mais alemão do que os alemães”. Na Espanha, nem foi necessária a renúncia de José Luiz Rodríguez Zapatero, porque a população deu vitória esmagadora ao conservador Mariano Rajoy nas urnas.

“Certamente, essas transformações mostram a consciência da absoluta necessidade de se adotar um novo tipo de política fiscal, que os alemães já adotam”, destaca ao site de VEJA o cientista político Christian Lohbauer. Cientes – e orgulhosos – disso, os alemães exaltam essa influência que inegavelmente exercem sobre a Europa atualmente. Principalmente porque sua austeridade e obsessão por regras, que sempre foram motivo de piada para as outras nações, agora estão sendo imitadas ao pé da letra. “A Alemanha, admirada e invejada por seu modelo de sucesso, virou um modelo para a Europa com a crise do euro. O continente está se tornando mais alemão à medida em que os países começam a levar a sério a disciplina fiscal”, escreveu no início de dezembro a revista alemã Der Spiegel.

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Mas, ao mesmo tempo em faz o “elogio da nação”, a publicação reconhece que o jeito alemão de governar também reacende ressentimentos e preconceitos históricos. Um exemplo são os protestos na Grécia, nos quais manifestantes exibem cartazes com a figura da chanceler alemã, Angela Merkel, em um uniforme do Exército Nazista ou suásticas formadas a partir das estrelas do símbolo da UE. Além disso, há a eterna rivalidade franco-germânica, que precisa ser abafada em prol de todo o projeto de unificação. O abraço de Angela Merkel e do presidente francês Nicolas Sarkozy lembra o simbólico Tratado de Elysée, assinado em 1963 pelo chanceler alemão Konrad Adenauer e pelo presidente francês Charles de Gaulle, um acordo de amizade e cooperação que cicatrizaria as feridas da II Guerra Mundial diante da necessidade de alinhamento entre os dois países em um momento de crise – exatamente como agora. A cooperação serviu como base para a integração europeia naquela época, e é por isso que França e Alemanha insistem nesta tecla agora, à beira do abismo.

Sarkozy e Merkel precisaram vencer as implicâncias pessoais para liderar a UE
Sarkozy e Merkel precisaram vencer as implicâncias pessoais para liderar a UE (VEJA)

Receio – Contudo, por estarem em situação muito mais tranquila do que os outros, os alemães olham com certo receio para os demais países, inclusive a França, porque sabem que podem ser obrigados a pagar a conta pela sobrevivência do euro. “É como se uma pessoa estivesse se afogando (UE) e, em vez de jogar uma boia, você (Alemanha) ficasse dizendo ‘eu te falei para se matricular em uma aula de natação'”, exemplifica o coordenador de relações internacionais e professor de economia do Instituto Brasileiro de Mercados de Capitais (Ibmec), Reginaldo Nogueira. Esse medo tem fundamento. Se a Alemanha expandiu a sua malha industrial e é hoje o segundo maior exportador do mundo (atrás somente da China), foi principalmente graças a sua austeridade fiscal e à grande competitividade de sua industria sob a doutrina do ordoliberalismo.

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Trata-se de uma vertente do liberalismo que defende uma forte regulamentação da economia, mas somente para garantir que esta seja eficiente e livre de distorções e privilégios. É mais uma amostra de Gründlichkeit, palavra que reúne diversos significados descreve muito bem o “espírito” da nação: esmero, foco e meticulosidade. A arrogância também tem espaço na definição. Os alemães não se fazem de rogados em propalar que possuem o melhor modelo econômico da Europa. A própria Merkel, conhecida pelo estilo discreto, já deixou escapar declarações nesse tom e chegou a dizer até que “infelizmente” não existem mais “Euckens” no mundo – uma referência a Walter Eucken, o principal teórico do ordoliberalismo. “Os alemães sabem dos sacrifícios que a austeridade demanda e se ressentem das diferenças culturais que tornam aceitável a não-austeridade”, afirma Lohbauer.

Faixa de protesto em frente à sede do Banco Central Europeu em Frankfurt pede: “Evolução já” (VEJA)

Futuro – Dominante – e também encurralada – a Alemanha está diante de uma bifurcação que leva a dois caminhos sombrios. Responsável por 30% do Produto Interno Bruto (PIB) europeu e dona de uma economia diversificada e produtiva, se aceitar carregar a UE nas costas poderá ver sua inflação dobrar. Mas, se virar as costas para se preocupar com o próprio umbigo, verá o sonho europeu escorrer pelo ralo. O problema é que a palavra “inflação” causa arrepios na espinha dos alemães. “Os alemães viveram a hiperinflação em 1923 e a associam ao caldo de cultura que favoreceu o crescimento do nazismo”, explica o cientista político. Depois da II Guerra Mundial, com o país esfacelado, a Alemanha voltou à estabilidade graças a uma combinação de livre competição e moeda estável. “Por muitas décadas o marco alemão foi símbolo de austeridade e inflação controlada”, diz Lohbauer. Ao mesmo tempo, o país não pode abrir mão do projeto da União Europeia, ressalta o especialista: “A Alemanha apostou todas as suas fichas na UE, porque historicamente todas as vezes que rejeitou a Europa, provou de uma guerra devastadora.”

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É por isso que o sabor da supremacia é amargo para Merkel. Ela – filha de um pastor luterano, criada no comunismo da Alemanha Oriental durante a Guerra Fria, primeira mulher a alcançar o cargo de chanceler da Alemanha – tem o futuro da União Europeia nas mãos. Mas também carrega o fardo de ser a eterna responsável caso tudo dê errado. “Merkel apostou no único caminho, que é o da integração. Se ela cair, pelo menos a decisão foi para manter a estrutura institucional europeia intacta”, diz Lohbauer. Internamente, porém, sua estratégia deixou os alemães insatisfeitos: 55% da população está pouco ou nada feliz com a forma como a chanceler está administrando a crise da dívida, segundo pesquisa recente. Parte do eleitorado ela certamente já perdeu. E pela frente o que se vê é mais pressão dos mercados, principalmente no próximo semestre, salienta o professor Reginaldo Nogueira. A paz para Merkel se mostra distante. É como disse Bill Clinton em sua campanha eleitoral em 1992: It’s the economy, stupid (“É a economia, estúpido”).

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