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Voto na Itália: redutos da esquerda estão fragmentados e apáticos

Desconfiança, ceticismo e falta de clareza sobre as propostas e plataformas dos partidos dividem eleitores italianos

Por Nathalia Watkins, de Bolonha
Atualizado em 4 mar 2018, 06h59 - Publicado em 4 mar 2018, 06h59

Bolonha, a capital da rica região da Emília-Romanha, no norte da Itália, é conhecida por três apelidos: La dotta, la grassa e la rossa. La dotta, ou a erudita, por abrigar a universidade que leva o nome da cidade, a mais antiga da Europa, fundada em 1088. La grassa, a gorda, é uma referência à sua culinária, digamos, deliciosamente calórica. O terceiro e último tem duplo sentido: la rossa, ou a vermelha, alude aos telhados vermelhos das construções medievais que contrastam com os tons pastéis do centro histórico, mas também caracteriza de forma caricata a tradicional posição política da cidade.

Bolonha é o bastião comunista do país desde o fim da Segunda Guerra Mundial.  Muitos dos grafites nos pórticos da cidade, que protegem os pedestres do frio no inverno e são uma marca arquitetônica, reverenciam Che Guevara, incitam rebeliões e estão recheados de mensagens como “morte aos ricos”. Mas nem o status de reduto da esquerda se mantém intacto às vésperas das eleições gerais de domingo, 4: poucas manifestações, quase nenhum cartaz e um cenário político fragmentado tornaram o pleito deste ano apático. E ,em tempos de confusão ideológica, a centro-direita avança até entre os bolonheses.

 “A extrema esquerda não tem uma só proposta eficiente para lidar com a crise econômica, apesar de ter os constituintes mais firmes como professors e acadêmicos. Eles estão tentando representar uma sociedade que eles não conhecem ou entendem”, diz a VEJA o cientista politico Marco Valbruzzi, do prestigioso instituto de pesquisa Cattaneo, em Bolonha.

O descolamento da realidade persiste entre os principais partidos políticos, que fizeram campanhas marcadas por propostas vagas, exageradas e, em alguns casos, perigosas. A ascensão de uma terceira via quebrou o bipartidarismo e o populista Movimento Cinco Estrelas (MCE) se beneficiou da sensação de instabilidade econômica que dominou a Itália ao longo da última década.

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O partido antissistema é o mais popular nas últimas pesquisas, publicadas em 16 de fevereiro. Algumas das propostas do movimento fundado há nove anos pelo comediante Bepe Grillo são tão radicais quanto irreais, como, por exemplo, a substituição dos partidos por um tipo de web-democracia na qual os cidadãos poderiam legislar com o clique de um mouse.  “O sentimento de ansiedade econômica e cultural é terreno fértil para a ascensão de extremistas e figuras polarizantes e populistas”, acrescenta Valbruzzi, que também é professor na Universidade de Bolonha.

 A incerteza econômica e a insustentabilidade da política fiscal italiana está no topo das preocupações dos mais jovens. “Não podemos continuar com a ilusão de vivermos a versão italiana do sonho americano, representado por Silvio Berlusconi. Todos querem ser ricos e bem-sucedidos como ele, mas o que urge é o fim do endividamento e uma solução para a questão dos imigrantes”, diz a estudante Pantea Kalantary Rad, de 23 anos, da comuna de Sirmione, na região da Lombardia.

A esudante Pantea Kalantary Rad, de 23 anos, de Sirmione, na região da Lombardia: vou votar pela candidata da esquerda Emma Bonino, a única que tem coragem de defender os imigrantes e a União Europeia (Nathalia Watkins/VEJA)

No domingo, ela votará pela ex-comissária europeia Emma Bonino, apelidada de Hillary Clinton italiana. A candidata de centro-esquerda defende a imigração e o relançamento do projeto europeu. Mas os paralelos com os Estado Unidos terminam aí: as finanças da Itália estão, de fato, distantes da realidade de países mais desenvolvidos. Apesar de ser a terceira economia da zona do euro e representar cerca de 15% do PIB total do bloco, o país possui uma dívida pública de 2,2 trilhões de euros — 132% do PIB, a segunda maior proporção da zona do euro, atrás apenas da Grécia.

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 Berlusconi, o Lula italiano?

Pelas ruas de nomes tão peculiares quanto via Antonio Gramsci e via Stalingrado –intensamente povoadas pelos cerca de 100 mil estudantes da Universidade de Bolonha– também não faltam eleitores do Partido Democrático (PD), do ex-primeiro-ministro Matteo Renzi ou de Silvio Berlusconi, que lidera uma coalizão de centro-direita.

“Ele representa a família tradicional italiana, que vê a imigração como um problema e quer continuidade. Eu votarei pelo PD, pelo empenho que demonstraram em fazer reformas no país, mas não consegui convencer minha mãe, que é professora de francês aposentada, a mudar o voto dela no Força Itália de Berlusconi”, diz o estudante Francesco Diegoli, de 23 anos.

Aos 81 anos, afundado em escândalos que vão desde a condenação por fraudes fiscais até orgias com menores de idade, Berlusconi terá papel central na formação da próxima coalizão — ainda que o nonno italiano esteja impedido de assumir cargos públicos até 2019 por conta de uma versão local da lei da ficha limpa.

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O cientista político Gianfranco Pasquino, da Universidade Johns Hopkins (SAIS) na Europa, explica a situação da Itália com apenas uma pergunta: “No Brasil, afinal, as pessoas não continuam querendo Lula, apesar dos pesares?”.

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