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Uma pitada centrista na política externa israelense

Especialista americano avalia as eleições de 22 de janeiro e prevê mudanças, especialmente que diz respeito ao diálogo com os palestinos. Ele também faz um apelo aos países sul-americanos para que não mais colaborem com o Irã

Por Cecília Araújo
2 fev 2013, 07h23

Autor do best seller The Case for Israel (2003), o analista político americano Alan Dershowitz, que é judeu, define o país como “um dos principais defensores dos direitos humanos no mundo” e critica a estratégia dos terroristas do Hamas de “expor seus civis à morte a fim de ser projetar como vítimas”. Em entrevista ao site de VEJA, o professor de Direito em Harvard também avalia o apoio dado pelos israelenses ao partido centrista Yesh Atid – do ex-apresentador de telejornal e novato político Yair Lapid – nas eleições de 22 de janeiro e as consequências dessa escolha para a política externa do país.

O especialista americano destaca que a perda de força da extrema-direita israelense fortalece a democracia. Para ele, o premiê reeleito Benjamin Netanyahu e Lapid têm muito em comum. “Ambos são seculares, pragmáticos e têm opiniões fortes”, descreve. Dershowitz considera que Netanyahu deve formar uma coalizão mais disposta a fazer concessões, para facilitar o diálogo com a Autoridade Palestina de Mahmoud Abbas, apesar das constantes ameaças do Hamas. Por outro lado, Israel deve unir forças com os Estados Unidos a fim de enfrentar de forma mais incisiva outras forças jihadistas que se espalham pela região, do Norte da África ao Oriente Médio.

Dershowitz faz ainda um apelo aos países sul-americanos, especialmente Venezuela e Argentina, para que deixem de colaborar com os discursos “mentirosos” dos iranianos. Nesta semana, Cristina Kirchner anunciou que formará juntamente com o Irã uma “comissão da verdade” para investigar um atentado contra um centro judaico ocorrido na Argentina em 1994. O ataque deixou 85 mortos, e oito iranianos são acusados pela Interpol de envolvimento no crime. Com a participação de Teerã nas investigações, teme-se que os suspeitos possam sair incólumes. Confira a entrevista a seguir:

Especial: Israel x Palestina: dos dois lados do muro

O que levou Netanyahu a perder apoio entre os eleitores israelenses? As últimas eleições parlamentares em Israel representaram menos uma perda de apoio de Netanyahu, e mais um ganho de apoio do partido centrista Yesh Atid (Há Futuro). O resultado reflete uma redução significativa da influência dos políticos radicais, de ambos os lados, e um movimento saudável em direção ao centro, ao secularismo e à democracia. É verdade que as atenções agora estão voltadas para Yair Lapid, mas sua capacidade de liderança ainda será colocada à prova. O mundo vai observá-lo com cuidado para ver se ele realmente seria capaz de ser primeiro-ministro um dia. Por ora, Netanyahu não deve encontrar grandes dificuldades em conseguir uma coalizão ampla o suficiente para formar um novo governo.

Nesse contexto, Netanyahu e Lapid devem se mostrar como aliados ou adversários? Na verdade, eles têm muito em comum. Ambos são seculares, pragmáticos e têm opiniões fortes, além de serem preparados para assumir compromissos. Netanyahu sem dúvidas tem mais em comum com Lapid do que com políticos da extrema-direita israelense, inclusive o chanceler Avigdor Lieberman, que é um ideólogo. Acredito que as chances de Netanyahu e Lapid se tornarem aliados é muito grande, embora cada um não deixe de ser uma ameaça à liderança de outro. Em Israel, os parceiros políticos costumam ser adversários em certo sentido. Esta é a natureza do sistema político israelense.

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A forma de Israel lidar com o conflito com os palestinos deve ter uma nova cara nos próximos quatro anos? A aliança de Netanyahu, provavelmente de caráter centrista e mais disposta a fazer concessões, deve colaborar para a retomada das negociações com os palestinos. Netanyahu já se mostrou disposto a negociar com a Autoridade Palestina sem pré-condições e até a aceitar uma espécie de estado palestino provisório enquanto o diálogo se desenrola. Nesse contexto, Lapid será uma figura importante para mostrar ao mundo que Israel de fato está aberto para fazer uma oferta séria aos árabes da Cisjordânia. Este me parece um ótimo momento para o diálogo, considerando que os palestinos já conseguiram um pequeno reconhecimento nas Nações Unidas. Em Israel, a maioria da população apoia um processo de paz, desde que a sua segurança seja garantida. E a reeleição de Obama também é um incentivo para que os EUA levem os dois lados a negociar. Agora, grande parte da responsabilidade está sobre Mahmoud Abbas. Resta saber se ele conseguirá se sentar à mesa de negociação sem pré-condições.

O analista político americano Alan Dershowitz
O analista político americano Alan Dershowitz (VEJA)

Depois de tantos fracassos, por que as negociações dariam certo desta vez? Claro que o Hamas ainda é um obstáculo enorme, já que o grupo terrorista não reconhece o direito de Israel de existir e continua insistindo na violência. Porém, acredito que uma solução para a Cisjordânia pode ser encontrada. E, assim que as negociações começarem, Israel deve parar a construção de assentamentos em qualquer área que possa fazer parte de um futuro estado palestino na região. Até agora, os extremistas de ambos os lados não permitiram que isso ocorresse. Mas espero que essas pessoas se tornem marginalizadas em Israel e entre os palestinos, dando espaço para os centristas negociarem a paz. Netanyahu e Abbas são potenciais parceiros, e Obama pode ser um bom mediador. Estou confiante de que veremos uma relação muito mais próxima entre Israel e EUA nos próximos anos.

Em seus livros The Case For Israel e The Case For Peace, o senhor defende a posição de Israel no conflito e uma solução pacífica com os palestinos. Por outro lado, é um grande apoiador de medidas extremas tomadas pelo governo israelense, como a última ofensiva contra Gaza, no ano passado. Nenhum país na história mundial jamais recebeu ameaça semelhante à que recebe Israel. E nenhum outro país jamais teve um melhor registro de respeitar os direitos humanos. Somos o país que melhor protege os civis, mesmo inimigos. Desde 1929, Israel enfrenta ameaças terroristas gravíssimas e, nesse período, matou menos civis árabes do que a Síria nos últimos meses ou do que a Jordânia em um único mês, durante o chamado “Setembro Negro” (em 1970, milhares de pessoas foram mortas, em sua maioria civis, durante confrontos entre o governo jordaniano e organizações guerrilheiras palestinas). Nenhuma Suprema Corte fez mais do que a de Israel para restringir o abuso militar. Desafio qualquer pessoa a citar um só país que sofra ameaças semelhantes às de Israel e que tenha melhores registros de respeito aos direitos humanos. Simplesmente não há.

Um dos argumentos dos críticos de Israel é que o número de baixas entre civis palestinos costuma ser muito maior do que o de israelenses. Há uma explicação muito clara para isso. O Hamas constrói bunkers debaixo da terra, mas não permite que os palestinos se protejam ali. Os terroristas expõem os civis à morte enquanto eles próprios se escondem. Já Israel gasta milhões de dólares construindo abrigos para proteger todos os israelenses. Deliberadamente, os membros do Hamas disparam seus mísseis de áreas habitadas, atraindo uma retaliação no mesmo local. Eles querem que civis morram, esse é o seu plano. Assim, se projetam como vítimas para a comunidade internacional. É o que eu chamo de “estratégia do bebê morto”. Se o Hamas de fato quisesse diminuir as baixas entre os palestinos, bastaria lançar seus misseis de áreas não habitadas, construir bunkers para todos e deixar de se esconder entre os civis.

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Então, a ofensiva aérea Pilar de Defesa, que deixou 175 palestinos mortos, foi um sucesso? Foi uma ação muito eficiente do governo israelense, combinada com a operação de defesa Domo de Ferro (sistema antimísseis). Israel conseguiu mandar uma mensagem muito poderosa aos terroristas, de que pode combater os ataques do Hamas e também conter seus mísseis. Mas, atualmente, a maior ameaça para Israel não vem de Gaza, mas sim do Líbano, do Irã e agora da Síria, com a possibilidade do uso de armas químicas pelos jihadistas. O foco de Israel nos próximos anos será nesses países.

Israel realmente considera a possibilidade de atacar o Irã este ano? É uma possibilidade real, embora outras formas de intimidação já tenham sido adotadas, como sanções e isolamento diplomático. A não ser que o Irã dê um passo para trás, acredito que neste ano veremos uma “intrusão” maior, por parte de Israel e dos EUA, para frustrar as tentativas do país de desenvolver armas nucleares. Obama já demonstrou seu apoio ao governo israelense nesse sentido. A América do Sul também tem um papel importante nessa história. Há relatos de que parte do urânio importado pelo Irã vem de fontes em países como Venezuela e Argentina. Isso faz com que as relações de Israel e EUA com esses países fiquem mais tensas. Faço um apelo aos sul-americanos para que não estreitem relações com os iranianos.

Como o senhor recebeu o recente anúncio de que Argentina e Irã vão formar juntos uma “comissão da verdade”? Essa foi uma notícia muito decepcionante. É como se a Argentina convidasse um assassino para se sentar como jurado em seu próprio processo. Essa comissão é projetada para produzir mentiras. E isso vai prejudicar a imagem da Argentina na comunidade internacional, ao mesmo tempo em que encoraja o Irã em seu caminho perigoso .

Outro perigo parece vir do norte da África. De que forma os últimos acontecimentos no Mali afetam Israel? O que está ocorrendo no Mali apenas mostra o quão perigosa é a vizinhança de Israel. E esse contexto torna mais difícil uma solução pacífica com os palestinos. O país é rodeado por ameaças terroristas, especialmente suicidas. E quando estamos lidando com países preparados para matar seu próprio povo e morrer para trazer ruína e destruição para outros povos é muito difícil saber a melhor forma de responder a essa ameaça. Por isso é tão importante que Israel e EUA fortaleçam seus laços. A ameaça jihadista traz riscos não apenas aos judeus, mas também aos cristãos que vivem na África e no Oriente Médio, vítimas do racismo que nutre as tendências radicais de alguns islâmicos. Uma reação de Israel a esse perigo seria se entregar, já que há muito mais muçulmanos no mundo do que judeus, abdicando de proteger a democracia no Oriente Médio. Outra forma de lidar com a situação é lutar contra ela, como os EUA vêm fazendo e, pela primeira vez na história moderna, a França também.

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