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Uma nova visão para a Índia

Ex-ministro indiano da Defesa e das Relações Exteriores defende que novo governo de Narendra Modi deve priorizar relações estratégicas com Japão e EUA, mas não deve dar as costas para Rússia e China

Por Jaswant Singh*
5 jun 2014, 07h52

Nova Délhi – O partido Bharatiya Janata Party (BJP, na sigla em inglês), liderado por Narendra Modi, conquistou a maioria absoluta, (é a primeira vez, nos últimos 30 anos, que um partido vence sozinho as eleições legislativas) reduzindo a nada o anteriormente dominante Partido do Congresso que ganhou apenas 44 dos 543 assentos na câmara baixa do Parlamento indiano. Embora a economia instável da Índia tenha sido o tema predominante durante a campanha, a vitória de Modi implica também em uma transformação significativa frente à política exterior do país. Resumindo, uma época de imprecisão e hesitação, beirando a paralisia, com a Aliança Progressista Unida (UPA, na sigla em inglês), liderada pelo Partido do Congresso, chegou ao fim.

Não são poucos os desafios externos que o novo governo da Índia enfrenta. Desde que assumiu suas funções em 2004, a UPA perdeu a estabilidade positiva na segurança nacional e a posição em política externa conseguida pelo governo anterior do BJP, negligenciando importantes parcerias que se esforçavam em trabalhar juntas eficazmente diante de crônicos conflitos internos. Por exemplo, a Frente de Esquerda liderada pelos comunistas, parte da UPA, frustrou a implementação do transcendental acordo nuclear civil com os Estados Unidos e minou consistentemente a criação de um projeto de lei de responsabilidade nuclear equilibrada. De fato, esse projeto de lei continua ainda definhando – uma situação que Modi deveria corrigir de imediato.

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Com sua maioria parlamentar decisiva (282 lugares, além de outros 50 nas mãos seus aliados), o BJP tem o mandato em que Modi precisa impulsionar uma agenda de política exterior ousada e criativa. A questão é se Modi vai usar seu capital político de maneira efetiva para avançar com os interesses da Índia. Mesmo que adote uma postura internacional mais enfática, o governo do Modi deve evitar recuar a uma postura não alinhada e a uma afirmação muito passional de “autonomia estratégica”. Em vez disso, deve seguir a tendência global de parcerias econômicas e de segurança.

A diplomacia econômica, sem dúvida, terá um papel central nos esforços de Modi. Afinal de contas, a proeminência internacional da Índia está baseada, em grande parte, em seu potencial econômico. Entre as principais prioridades da Índia, deveriam figurar medidas para fortalecer suas relações na vizinhança imediata. Modi já destacou a necessidade de se fazer da Associação Sul-asiática para a Cooperação Regional (SAARC, em Inglês) um “corpo vivo”, em vez do grupo moribundo que existia sob o regime do Partido do Congresso.

Com este fim, os partidos importantes devem abandonar as habituais disputas e desenhar medidas geradoras de confiança. Provavelmente essa lógica tenha sido o motivo para que Modi tomasse a decisão de convidar líderes da SAARC – incluindo Nawaz Sharif do Paquistão – para testemunhar a sua posse como primeiro-ministro. Para avançar nesse sentido, Modi deveria esforçar-se para expandir os laços de comércio regional e promover conexões interpessoais. Certamente, o desenvolvimento e a cooperação econômica serão impossíveis sem uma paz sustentada – e não será fácil de conseguir em uma região assolada por tensões profundas, inclusive entre a Índia e o Paquistão, assim como a ameaça do terrorismo patrocinado pelo Estado. Para piorar, a Índia e a China estão presas em uma disputa de fronteira de longa data. Se acrescentarmos a isso a turbulência no Oriente Médio – agravado pela retirada dos Estados Unidos do Iraque e Afeganistão – a situação de segurança da Índia não contribui de imediato à harmonia e cooperação.

Um futuro mais pacífico e próspero exigirá uma visão estratégica clara e credível de Modi, incluindo uma abordagem de tolerância zero para os terroristas e seus patrocinadores. Ao mesmo tempo, com a retirada dos EUA do Oriente Médio, a Índia deve assumir a responsabilidade de garantir a segurança dos seus interesses na região, tais como o criar uma marinha para proteger as suas rotas marítimas de comércio de energia. Essa necessidade é um dos fatores de ligação entre Índia e Japão. Como muitos estrategistas indianos têm observado, o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, pode representar o tipo de líder autoconfiante e decidido em que Modi aspira converter-se. Um maior investimento e cooperação na área de defesa com o Japão lhe dará o impulso tão necessário à política da Índia, que poderia ser ainda mais produtiva com a implementação de projetos há muito planejados, com Bangladesh, Mianmar e Tailândia, como a construção de infraestruturas de estradas e caminhos marítimos que fortalecessem as relações comerciais.

Um compromisso com a Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN, sigla em Inglês) – algo que o governo anterior sempre se opôs- também deve se tornar uma prioridade, ao menos para garantir a estabilidade regional. A incorporação da Índia ao acordo de Associação Econômica Integral liderada por seis países e a ASEAN foi um passo na direção certa, mas ainda há muito a ser feito. Contudo, a parceria mais importante da Índia continua sendo com os EUA. O problema é que o ex-primeiro-ministro Manmohan Singh não parecia reconhecer esse fato, levando a um crescente fosso que custou caro à Índia. A relação de Modi com os Estados Unidos tampouco foi inteiramente positiva, uma vez que as autoridades americanas lhe negaram um visto, após a morte de muitos muçulmanos durante os motins acontecidos em 2002, no estado de Gujarat, onde era governador.

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Dada a importância econômica e estratégica da relação bilateral, Modi deve revigorar os laços e deve fazê-lo rapidamente. Para começar, deve trabalhar junto com os Estados Unidos para tratar de questões comerciais e econômicas, entre elas as preocupações americanas com respeito às fracas proteções de propriedade intelectual na Índia e os temores dentro da indústria de tecnologia de informação sobre a reforma de imigração proposta pelos EUA. O êxito dependerá de paciência e vontade de ambos os lados se comprometerem, tudo isso respaldado por medidas destinadas a fortalecer a confiança. Por sua vez, a Índia poderia iniciar reformas fiscais realistas, como a eliminação da política de preços de transferência e a tributação retroativa.

O desafio final de Modi, em matéria de política externa, é a Rússia – outro país que o governo anterior ignorou. Modi agora deve avaliar que tipo de relação ele pode esperar, em termos razoáveis, com a administração cada vez mais agressiva de Vladimir Putin, embora se saiba que não há interesse por parte da Índia, ter o presidente russo considerando a China como único parceiro estratégico potencial da Rússia na Ásia. Uma maneira de avaliar a relação da Índia com a Rússia -bem como com os EUA e até mesmo com Israel – é permitir maior investimento estrangeiro em indústrias nacionais de defesa, incluindo mais iniciativas de coprodução. Na verdade, de acordo com o ex-subsecretário de defesa americano Ashton Carter, uma cooperação militar mais forte e uma maior transferência tecnológica é a estratégia mais eficaz para aprofundar os laços entre os Estados Unidos e Índia. Por que não adotar a mesma estratégia para fortalecer as relações da Índia com a Alemanha, França, Grã-Bretanha e Japão?

Modi, sem dúvida, enfrenta grandes desafios no terreno da política externa. Mas, com uma visão clara e confiante, além de políticas destinadas a melhorar a credibilidade, ele tem a rara oportunidade de colocar a Índia firmemente no caminho da paz e da prosperidade.

*Jaswant Singh, ex-ministro das Finanças, de Relações Exteriores e de Defesa indiano, autor de “Jinnah: India, Partition, Independence” (Jinnah: Índia, Partição, Independência) e “India At Risk: Mistakes, Misconceptions And Misadventures Of Security Policy” (Índia em Risco: Erros, Equívocos e Desventuras da Política de Segurança), ambos sem tradução no Brasil.

© Project Syndicate, 2014

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(Tradução: Roseli Honório)

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