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Uma catástrofe geopolítica no Paquistão

ONU alerta para a escassa ajuda humanitária às vitimas das cheias

Por La Vanguardia
18 ago 2010, 18h29

Um dos motivos pelo qual os EUA insistem na guerra do Afeganistão é o temor de um cenário apocalíptico no qual a Al Qaeda consiga controlar o Paquistão e sua bomba nuclear

A ONU lançou ontem um grito de alerta: duas semanas depois do início das inundações no Paquistão, a ajuda é escassa e milhões de pessoas enfrentam o perigo da alta dos preços e de enfermidades mortais. “O dinheiro não chega tão depressa como gostaríamos”, disse Maurizio Giuliano, porta-voz das Nações Unidas.

A catástrofe apresenta uma particularidade que a diferencia de tragédias recentes, como o terremoto do Haiti: as implicações geopolíticas. O Paquistão, que possui a bomba atômica, é um dos países mais instáveis do planeta, refúgio dos talibãs e dos líderes da Al Qaeda que combatem os Estados Unidos e seus aliados no vizinho Afeganistão.

A péssima imagem mundial do Paquistão explica em parte a pouca ressonância na comunidade internacional e entre os doadores privados. A ONU não recolheu nem a metade dos 356 milhões de euros que pediu a seus membros na semana passada. Organizações radicais estabelecidas no país lideraram a resposta em algumas regiões e ameaçam dificultar o envio de ajuda humanitária.

“Os talibãs vêem as inundações como uma imensa oportunidade para recrutar seguidores no Paquistão, mais do que um desastre”, escreveu o jornalista paquistanês Ahmed Rashid. Para Washington, a instabilidade do país, unida ao anti-americanismo de seus habitantes, representa um dos maiores obstáculos na estratégia bélica no Afeganistão. Mas o desastre também representa uma oportunidade para melhorar a imagem em seu aliado mais problemático e obter alguma vantagem diplomática.

“As pessoas no Paquistão verão que, quando há uma crise, não são os chineses que estão ali. Não são os iranianos. Não são outros países. Não é a União Europeia. Quem lidera são sempre os Estados Unidos”, disse na semana passada Richard Holbrooke, representante do governo Obama para o Afeganistão e o Paquistão, em entrevista à televisão.

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Quinze milhões de pessoas foram afetadas pela catástrofe, e seis milhões necessitam de ajuda urgente. Há 3,5 milhões de crianças em risco de contrair doenças mortais, segundo a ONU. Entre 1.300 e 1.600 pessoas morreram. Comparado com desastres como o do Haiti, o número de mortos é baixo, mas a superfície e sobretudo a quantidade de pessoas afetadas, assim como os efeitos de longo prazo, converte a catástrofe em uma das mais graves dos últimos anos.

“Jamais esquecerei a destruição e o sofrimento que vi hoje. Já vi muitos desastres naturais pelo mundo, mas nada como esse”, disse no domingo o secretário-geral da ONU, o coreano Ban Ki Moon, em visita à região.

Uma explicação para a tímida reação internacional é “a psicologia das inundações”, não tão súbitas ou impactantes como um terremoto, segundo explicou, em entrevista à cadeia de rádio americana NPR, Moly Kinder, especialista em Paquistão do Centro de Desenvolvimento Global.

Menino paquistanês aguarda para cozinhar a comida que recebeu como doação em campo de refugiados
Menino paquistanês aguarda para cozinhar a comida que recebeu como doação em campo de refugiados (VEJA)

Ainda que países muçulmanos como Arábia Saudita ou Kuwait tenham enviado ou prometido ajuda para o Paquistão, são outros que encabeçam os resgates. A União Europeia (seus estados-membros mais a Comissão Europeia) ofereceram 84 milhões de euros. Os Estados Unidos ofereceram 76 milhões de dólares. E seus aviões resgataram mais de 4 mil pessoas desde 5 de agosto, segundo o The New York Times.

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A secretária de Estado, Hillary Clinton, deve participar na quinta-feira de reunião da Assembleia Geral da ONU sobre o Paquistão, um aliado próximo de Washington, o que pode explicar a resistência de outros países muçulmanos a socorrer as vítimas das inundações.

Um dos motivos – talvez o principal – pelo qual os Estados Unidos insistem na guerra do Afeganistão é o temor de um cenário apocalíptico, no qual uma vitória do talibã contamine o Paquistão e que os talibãs e a Al Qaeda consigam controlar o país e sua bomba nuclear.

O problema é que, ao mesmo tempo em que o Paquistão é um aliado dos Estados Unidos, também é o principal reduto de seus inimigos. E, como confirmaram documentos americanos sobre a guerra afegã publicado pelos jornais em julho, os próprios serviços secretos paquistaneses colaboram com os talibãs afegãos.

Agora, na ausência de um estado forte, que todavia pode se debilitar ainda mais por causa da crise, os radicais tentam preencher o vazio. “Se alguém tem fome, se alguém tem sede e recebe água, não vai perguntar se a oferta vem de um moderado ou de um extremista”, disse o ministro paquistanês de relações exteriores, Shah Mehmood Qureshi, à BBC. “Temos de ter consciência deste desafio.” A embaixadora americana no Paquistão, Anne Patterson, tratou a preocupação como “exagerada”.

O problema é que as regiões mais afetadas pelas inundações são “as mais pobres e menos alfabetizadas do país, onde prosperam os movimentos extremistas e separatistas”, segundo o jornalista Rashid, um dos especialistas mais influentes e ouvidos pelas autoridades americanas sobre o Paquistão e o Afeganistão. A crise pode reforçar esses movimentos no país, o que terá repercussões do outro lado da fronteira. “Isso significa que a guerra do Afeganistão está a ponto de se tornar ainda mais sangrenta”, acredita Rashid.

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