A União Europeia assinou um grande acordo com a Tunísia, prometendo até € 1 bilhão, cerca de R$ 5,36 bilhões, em investimentos. O acordo, fechado no domingo, 16, é um grande impulso para o presidente do país, Kais Saied, que tem se tornado mais autoritário e ajudado a desmantelar a democracia tunisiana nos últimos anos.
A ajuda financeira e os empréstimos são uma moeda de troca por restrições aos migrantes que deixam a costa do país africano em direção à Europa. O processo está acontecendo uma década depois que uma revolução derrubou um ditador de longa data e a Tunísia se tornou a única democracia que emergiu do movimento da Primavera Árabe de 2011.
“Desde 2011, a União Europeia tem apoiado a jornada democrática da Tunísia”, disse Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, após a assinatura do acordo. “É um caminho longo, às vezes difícil. Mas essas dificuldades podem ser superadas.”
Porém, vários legisladores europeus e organizações de direitos humanos alertaram que qualquer acordo que não inclua garantias de direitos humanos seria visto como um endosso às políticas antidemocráticas de Saied. Analistas afirmam que o fato da UE ter assinado o acordo é uma prova de quão desesperados alguns líderes europeus se tornaram para conter a migração.
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“Em resumo, estamos fazendo um acordo com um ditador que é cruel e não confiável”, disse Sophie in ‘t Veld, uma deputada holandesa. “Este acordo não está alinhado com nossos valores, não será eficaz e não foi concluído de forma transparente e democrática.”
Saied chegou ao poder em 2019, após a morte do primeiro presidente eleito democraticamente na Tunísia, Beji Caid Essebsi. Ele teve uma vitória esmagadora depois de se posicionar como um novato político enfrentando uma elite corrupta.
Entretanto, em 2021, os ideais democráticos do presidente foram deixados de lado, quando partiu em uma grande tomada de poder no auge da crise do Covid-19. Na ocasião, ele dissolveu o Parlamento e começou a governar por decreto.
Desde então, Saied reprimiu a liberdade de imprensa e a independência judicial, chegando a se nomear procurador-geral. Em 2022, ele forçou a aprovação de uma nova Constituição que consolidou seu poder e dissolveu todas as últimas esperanças de um governo democrático.
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Além disso, ele também foi acusado de ser o responsável pela onda de racismo contra a comunidade negra no país em meio ao fluxo de migrantes.
Um porta-voz da Comissão Europeia disse que o acordo assinado com a Tunísia é “focado na estabilidade macroeconômica, comércio e investimento, transição de energia verde, contatos interpessoais e migração”. A questão de direitos humanos no país seria abordada, então, por outros canais.
De acordo com dados das Nações Unidas, cerca de 100 mil pessoas cruzaram o Mar Mediterrâneo para chegar à Europa até agora neste ano, a maioria delas desembarcando na Itália. Muitos refugiados fazem a viagem em barcos operados por contrabandistas e sem qualquer segurança. Desde 2015, mais de 23 mil pessoas morreram ou desapareceram enquanto tentavam chegar ao continente europeu, segundo a ONU.
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A questão gera muitos debates e confrontos dentro do bloco europeu. De um lado, estão países receptores como a Itália, que têm visto a chegada de dezenas de milhares de pessoas por ano e pedem ajudar para a reinstalação desses refugiados. Do outro lado estão países como a Hungria e a Polônia que se recusam a cooperar e a aceitar a sua quota de refugiados com o argumento de que devem ter controle sobre quem eles admitem em seu território.
Mesmo com a assinatura do acordo, para que a UE consiga dar esse dinheiro para a Tunísia é necessário obter o apoio do Parlamento Europeu e do Conselho Europeu. Esse processo parece ser mais complicado porque o Parlamento criticou repetidamente o líder tunisiano, chegando a adotar uma resolução em março para expressar preocupação com o que chamou de “discurso racista contra migrantes subsaarianos”.
Esta não é a primeira vez que a UE fecha um acordo com um regime do norte da África acusado de abusos dos direitos humanos para conter a migração. Em 2017, o bloco intermediou um acordo semelhante com a Líbia e anunciou apoio adicional ao país no ano passado.