Atuais protestos contra o governo relembram 'Revolução Laranja' de meados dos anos 2000. Inquietações no país, contudo, têm origem muito mais remota
Por Diego Braga Norte
8 dez 2013, 08h58
Sua planície outrora coberta por florestas não é o que se pode chamar de local pacato, e a história da Ucrânia registra invasões durante um período de mais de mil anos. Saqueadores mongóis foram sucedidos por lituanos, seguidos por rutênios, poloneses e tártaros. Depois vieram os russos, o comunismo, a fome e a opressão que durou d��cadas. A história da Ucrânia ao longo do século XX é uma sucessão de tragédias.
Depois de um brevíssimo período de independência (1917 – 1921), o país foi invadido em 1922 pela Rússia e anexado para formar a URSS. Nos anos 30, mais de sete milhões de pessoas morreram de fome em decorrência de uma medida do ditador soviético Josef Stalin, que bloqueou o acesso da Ucrânia à comida em represália à resistência dos ucranianos em aderir à sua proposta de coletivização agrícola.
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Depois, durante a II Guerra Mundial, o país foi invadido por nazistas e palco de muitas batalhas violentas. Em seu livro Pós-Guerra, Uma História da Europa desde 1945, o historiador Tony Judt explica que “os ucranianos, em particular depois de 1941, de tudo fizeram para se beneficiar da ocupação alemã, na busca da tão esperada independência, e as regiões do leste da Galícia e do oeste da Ucrânia registraram sangrento conflito civil entre ucranianos e poloneses, tanto sob o patrocínio da guerrilha antinazista quanto da antissoviética. (…) Ucranianos lutaram ao lado da Wehrmacht, contra a Wehrmacht, contra o Exército Vermelho e entre si, dependendo do momento e do local”.
Em 1946, logo após do fim da guerra, o país estava destroçado e, com safras deficientes, passaria por outro longo período de fome até se recuperar. Durante a Guerra Fria, a Ucrânia era o mais importante dos países soviéticos depois da própria Rússia e, por isso, era acompanhada atentamente pelos comunistas – dos mais de 10 milhões de pessoas conduzidas para morte nos Gulags siberianos (campos de concentração comunista), mais de 20% eram ucranianos.
Com o colapso do comunismo em 1991, Leonid Kravchuk – ativo membro da burocracia comunista e ex-secretário de ‘Questões Ideológicas’ do partido na Ucrânia – fez uma leitura rápida da situação e, num passe de mágica, abandonou a foice e o martelo para se transformar no primeiro presidente da Ucrânia independente.
Como todas as empresas eram estatais, o país deu início a um processo de privatização e, assim como aconteceu em outros ex-membros da URSS, a antiga oligarquia comunista dominante foi beneficiada. Com isso, boa parte das grandes empresas ucranianas está nas mãos de ex-políticos e empresários ligados a Moscou. Em 2004, a Kryvorizhstal era uma das maiores usinas de aço do mundo – com 42 mil empregados e lucro bruto anual de 300 milhões de dólares -, e foi posta à venda, tardiamente. Ninguém em Kiev se surpreendeu com a notícia de que o comprador era Viktor Pinchuk, um dos empresários mais ricos do país e genro do então presidente da Ucrânia, o também comunista convertido Leonid Kuchma – um títere acusado de corrupção e comandado pelos russos.
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Ucrânia
Revolução Laranja – Em dezembro de 2004, ucranianos foram às ruas para protestar contra as eleições fraudadas que deram a vitória a Viktor Yanukovich (sim, o mesmo mandatário atual). De origem russa, ele era o homem de confiança do presidente Kuchma. Os manifestantes queriam que Viktor Yushchenko, um político reformador e favorável à aproximação com o Ocidente, fosse declarado vitorioso – um episódio de sua campanha ficou bastante conhecido: o envenenamento por uma substância chamada dioxina, que lhe causou sérios problemas de saúde e lhe desfigurou o rosto.
Apenas treze anos após a independência, a pesada mão de Moscou ainda se projetava sobre Kiev e os ucranianos não perdoavam os russos pelas barbáries e arbitrariedades do passado. Também não toleravam a imposição do idioma russo e, é claro, o desastre de Chernobyl. Em 26 de abril de 1986, um dos reatores da usina nuclear de Chernobyl explodiu, liberando na atmosfera uma carga radioativa mais de cem vezes superior à provocada em Hiroshima e Nagasaki, somadas. Além dos trinta operários mortos no local, aproximadamente 30 000 ucranianos viriam a morrer em consequência de problemas causados pela exposição à radiação da usina russa.
Os ucranianos sustentavam que o serviço secreto russo era responsável pela fraude eleitoral de 2004 e foram às ruas vestidos de laranja – a cor do partido de Yushchenko. Os protestos forçaram uma recontagem de votos e Yushchenko venceu. Depois dele, em 2010, Viktor Yanukovch disputou um apertadíssimo segundo turno com Yulia Tymoshenko (ex-primeira-ministra, a das tranças) e elegeu-se – desta vez sem fraude.
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Dias atrás, Yanukovich viajou à China e deixou seu país em crise, numa aparente manobra para esperar ‘abaixar a poeira’ em Kiev após sua criticada recusa em assinar o acordo com a UE. Sua manobra parece ter dado resultado, pois o governo, o povo descontente e oposição já estão dialogando. Yanukovich ocupará a presidência até 2015 e até lá os ucranianos têm de aprender a lidar com a democracia recém-adquirida. E sobre a atual situação do país, cabe pegar emprestada uma frase da ucraniana mais famosa do Brasil, a escritora Clarice Lispector: ‘Passei a vida tentando corrigir os erros que cometi na minha ânsia de acertar’.
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