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‘Sistema eleitoral francês é muito complicado’, diz ex-premiê

Dominique de Villepin - afastado da corrida presidencial recentemente, por falta de apoio político - fala ao site de VEJA sobre os desafios da França e do mundo

Por Cecília Araújo
15 abr 2012, 18h58

Uma semana antes do primeiro turno das eleições presidenciais, a França avança na adoção de novas ações contra o islamismo radical. O conselho de ministros do país aprovou na última quarta-feira um arsenal de medidas para combater o terrorismo, anunciadas pelo presidente Nicolas Sarkozy após os assassinatos cometidos pelo jovem jihadista Mohamed Merah, em Toulouse.

Em entrevista por e-mail ao site de VEJA, o ex-primeiro-ministro francês Dominique de Villepin, em momento raro, apoia a atitude do governo de Sarkozy em sua reação aos atentados e destaca o combate ao terrorismo como um dos maiores desafios da atualidade. “Quando um ataque terrorista arrasa a França, como há algumas semanas, o incidente levanta um questionamento mais amplo, sobre o funcionamento das redes globais, das transferências de fundos obscuras e dos sites que propagam o ódio pela internet”, diz.

Conhecido como o arquirrival do presidente Sarkozy, De Villepin anunciou em dezembro do ano passado que se candidataria à Presidência em 2012. Chegou a iniciar sua campanha, mas, três meses depois, não conseguiu as 500 assinaturas necessárias, de políticos eleitos, para oficializar sua candidatura. “O sistema eleitoral francês é muito complicado”, justifica. Confira a seguir a íntegra da entrevista.

O senhor não conseguiu mais do que 450 assinaturas durante sua campanha eleitoral neste ano. Imagina o motivo? O sistema eleitoral francês é muito complicado. Para se candidatar é preciso ter pelo menos 500 assinaturas de políticos eleitos, locais, e estes estão atualmente muito alheios à política nacional. É uma consequência da desconfiança dos franceses no estado, devido ao amplo controle de apenas dois grandes partidos sobre a vida política francesa. Essa bipolarização não dá espaço ao pluralismo necessário para se obter soluções consistentes aos desafios enfrentados pela França.

Qual candidato o senhor vai apoiar nas eleições do dia 22 de abril? Minha preocupação não é com o dia da votação, mas com os anos que estão por vir. Tenho a convicção de que nosso país só caminhará para frente quando fizer a escolha pela união nacional. Não podemos aceitar que depois das eleições, em uma situação de crise econômica e social como esta, haja vencedores que imponham suas escolhas aos vencidos. É preciso que todos se esforcem para avançar juntos, como a França já mostrou diversas vezes no passado, a exemplo do general (Charles) de Gaulle (presidente francês entre 1959 e 1969).

O senhor fundou o movimento República Solidária, em 2010, e deixou o UMP (União por um Movimento Popular) no ano seguinte. Ainda guarda rancores do antigo partido? Fundei o República Solidária a fim de trazer uma alternativa à política que estava sendo colocada em prática, fazer novas propostas e alertar sobre os riscos. Podemos ver na campanha presidencial deste ano a insatisfação e a desilusão dos eleitores franceses frente à política. É preciso tentar trazer respostas à altura das questões democráticas atuais.

Sarkozy tenta mostrar que as medidas de austeridade tomadas para salvar a França da crise são consistentes no longo prazo, enquanto seu adversário, o socialista François Hollande, defende uma reforma fiscal, com mais impostos para os mais ricos, e promete déficit orçamentário zero até 2017. O mais importante agora é que todos os franceses apoiem medidas emergenciais para recuperar o país – em primeiro lugar, relativas às finanças públicas. Por décadas, a dívida continuou a se acumular, até alcançar 1,7 milhão de euros! Com a crise econômica, a situação ficou insustentável. Essa é uma luta que eu levo comigo por um longo período. Durante meu governo, entre 2005 e 2007, fui o primeiro a fazer um esforço real para reduzir os déficits públicos. Nos próximos anos, esse é um esforço importantíssimo que será exigido pelos franceses. E eu lamento que esta campanha de 2012 não aborde esse tema de forma clara o suficiente.

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O senhor considera Sarkozy um rival? Ao longo dos últimos cinco anos, tive a oportunidade de deixar bem clara a minha oposição a algumas reformas e minha exigência de justiça social. Mas essa luta nunca foi guiada por uma oposição à pessoa de Sarkozy, apenas a uma linha política que não permite responder suficientemente às demandas da França.

De acordo com a revista Time, Sarkozy não terá sua campanha eleitoral “salva” pelos incidentes de Toulouse e Montauban. Diante de eventos como esses, é essencial que o presidente da república defina uma ação firme, o que foi feito. Saúdo também a unidade e a dignidade provadas por toda a classe política francesa nesse momento.

Como enfrentar os desafios de nosso tempo, como o terrorismo e as questões ambientais? Esses desafios têm um ponto em comum, por serem ao mesmo tempo locais e globais. Quando um ataque terrorista arrasa a França, como há algumas semanas em Toulouse e Montauban, o incidente levanta um questionamento mais amplo, sobre o funcionamento das redes globais, das transferências de fundos obscuras e dos sites que propagam o ódio pela internet. O mesmo acontece com o meio ambiente. O exemplo da Floresta Amazônica mostra que sua preservação é uma luta local com apostas concretas e imediatas para os habitantes da região, mas também um desafio de amplitude mundial no quadro do aquecimento global. Por isso a resposta a todos esses desafios, inclusive a promoção das Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (conjunto de metas pactuadas pelos países-membros da ONU), passa por uma governança global mais intensa e eficaz. Dentro de todos os domínios, a cooperação internacional pode fazer diferença.

O senhor veio ao Brasil participar do Fórum Mundial de Sustentabilidade. Qual foi sua contribuição? No início do século, houve uma tomada de consciência da situação de emergência ambiental e seguimos o caminho do progresso e do diálogo. Mas hoje estou incomodado em ver os riscos de regresso e bloqueio em todas as tentativas de negociações internacionais, como Copenhague ou Cancun. Por isso iniciativas como o Fórum são tão importantes. Estou feliz em ter participado e levantado a questão da necessidade de que os governantes do mundo todo enfrentem os desafios do desenvolvimento sustentável ao longo do século XXI.

Um cronista do jornal britânico The Independent cita a França como um país “profundamente racista”. O senhor concorda? Falar isso é conhecer mal a história da França, um país que sempre foi acolhedor e culturalmente diverso. Mas é verdade que a sociedade francesa também é atravessada por medo e dúvidas. Esta é essencialmente uma resposta à globalização, que é vista como um ataque contra um estilo de vida e uma identidade, que implica em deslocamentos e perda de empregos. O medo dos imigrantes ou do Islã é a expressão desse medo maior. Por isso, é preciso responder a esse medo dos franceses sem fomentar o ódio. Ou seja, retomar um espaço para a França no mundo quer dizer mostrar aquilo que podemos ganhar com a globalização e como podemos evitar uma eventual instabilidade.

Em 2003, o senhor se opôs ao então presidente francês Jacques Chirac ao se posicionar contra a Guerra do Iraque promovida pelos Estados Unidos. Nós sabíamos que não poderíamos impedir a Guerra do Iraque, mas nosso desafio era evitar um conflito muito maior e incontrolável entre o Ocidente e o mundo muçulmano, como consequência da guerra. Ao mesmo tempo, precisávamos preservar a legitimidade das Nações Unidas, lembrando que o direito deve prevalecer sobre a lógica da força. A visão neoconservadora de mudar o regime e impor a democracia através das armas era ingênua e perigosa naquela época. Hoje, vemos que a situação no Iraque após a saída dos soldados está longe de ser normalizada. A Al Qaeda está mais forte do que nunca ali.

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É possível combater o terrorismo sem guerra? A ideia de uma guerra contra o terrorismo é um dos grandes erros estratégicos da última década. Simplesmente porque é uma forma de dar legitimidade e visibilidade aos terroristas. São eles que acreditam que estão em guerra contra nós. Nós sabemos que eles são criminosos que perseguem objetivos condenáveis muitas vezes longe de suas justificativas políticas. O terrorismo deve ser combatido por meios políticos, de inteligência, de justiça e de cooperação financeira, com a coordenação das ações dos estados de direito do mundo inteiro. Desta maneira já tivemos grandes sucessos em desmantelar redes terroristas, seja qual for a ideologia que alegam ter.

Também em 2003, o senhor organizou uma operação secreta de libertação de Ingrid Betancourt na Colômbia. Por que a estratégia não deu certo? A França respondeu a uma demanda humanitária e nossos esforços para liberar os reféns foram mal interpretados, e as informações, manipuladas. O importante é que as vítimas foram libertadas de toda forma, alguns anos mais tarde.

O senhor se arrepende de algo que tenha feito durante o mandato de primeiro-ministro na França, como o Contrato Primeiro Emprego, que suscitou grandes manifestações e greves de estudantes? Essa reforma tinha como objetivo dar acesso aos jovens a um primeiro emprego, que era uma das maiores fragilidades sociais da França na época. Cerca de um a cada quatro estudantes estavam desempregados – houve uma onda de pedidos pelos empregadores de que os jovens tivessem experiência prévia mesmo para seu primeiro emprego. Mas a reforma não só foi incompreendida por alguns, como também objeto da instrumentalização política. Por isso, teve que ser retirada. Infelizmente, hoje a situação dos jovens não mudou e nada foi feito para resolver a situação. É um grande desastre.

As acusações que o senhor recebeu no caso Clearstream (por ligação a uma campanha difamatória contra Sarkozy) prejudicaram de alguma forma sua carreira política? Fui vítima de acusações caluniosas, mas pude provar minha inocência na Justiça francesa. É isso que conta.

O senhor publicou no passado uma obra sobre a epopeia napoleônica. O senhor se compara a Napoleão Bonaparte de alguma maneira? Sempre fui apaixonado pela História e for por isso que me interessei pelo destino de Napoleão Bonaparte. Não faço dele um herói ou um modelo, mas explico sua trajetória numa Europa e numa França repletas de mudanças radicais. Se não aprendemos com as lições do passado, não somos capazes de enfrentar os desafios do presente.

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