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‘Ser mãe por barriga de aluguel foi uma verdadeira saga. Valeu a pena’

A advogada Renata Mofsovich, 40 anos, conta o drama vivido até poder, enfim, abraçar suas gêmeas em plena pandemia na Ucrânia

Por Luiz Felipe Castro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
2 ago 2020, 08h00

Eu e meu marido, Leandro, estamos juntos há dez anos. Já no início do relacionamento decidimos que queríamos ter filhos e passamos um ano tentando da maneira convencional. Sem sucesso, buscamos um especialista para saber o que estava acontecendo. Foi quando levei meu primeiro grande baque ao descobrir que uma série de miomas, tumores benignos no útero, me impediam de engravidar. Me recompus e parti para o caminho seguinte, o de cirurgias e tratamentos de fertilização – foram 18 tentativas em sete anos. Gastamos rios de dinheiro e tivemos um desgaste emocional enorme com todas essas frustrações. Ser mãe sempre foi meu sonho. Minha avó materna tem 17 filhos e a paterna tem 13. Como eu explicaria a uma família tão “fértil” que eu não poderia ter filhos? Em uma das primeiras consultas, ouvi uma frase que me persegue desde então: com frieza desumana, um médico me disse que, no meu caso, ser mãe seria como chegar ao topo do Monte Everest, ou seja, algo muito improvável. Aquilo me destruiu, foi um soco no estômago.

Pintou, então, um último recurso. Um colega leu numa revista sobre o processo de maternidade de substituição e comentou com meu marido, que repassou a ideia a mim. No início, fiquei irritada, até um pouco ofendida, porque sempre tive aquele sonho romântico do barrigão, de passar pela gestação. Algumas sessões de terapia, porém, me fizeram refletir. A popular “barriga de aluguel” é um acordo no qual uma mulher aceita gestar o filho de outra pessoa. O procedimento é feito por meio de reprodução assistida, no qual os embriões do pai e da mãe, gerados em laboratório, são implantados no útero de outra mulher, mantendo, portanto, a genética dos pais biológicos. No Brasil, assim como na maioria dos países, a prática envolvendo compensação financeira é proibida. Aqui, apenas parentes ou amigas podem ceder o útero, de forma altruísta – opção que parecia um pouco confusa na minha cabeça. Em algumas nações, porém, a barriga de aluguel é legalizada. Hoje, uma das referências mundiais é a Ucrânia – que passou a ser o meu Everest.

Sei que há um debate ético e denúncias sobre exploração de mulheres, mas conhecemos a clínica anteriormente e não vimos nada nesse sentido. Encaramos como um processo honesto e humano entre uma um casal que sonha em ter filhos, mas não consegue, e uma mulher que aceita carregar este bebê em troca de ajuda financeira — no caso, uma quantia suficiente parar comprar uma casa na Ucrânia. Decidi encarar o desafio e todas as suas questões burocráticas, como o processo de envio dos nossos embriões do Brasil para a Ucrânia, que demandou autorizações de três países para não passar pelo raio X. Mas a saga ainda estava longe de terminar. Várias tentativas de implantação deram errado e duas mulheres desistiram de gerar meus bebês – a primeira pois o marido havia arrumado um bom emprego e a segunda pois não queria carregar gêmeos. Conseguimos uma terceira barriga, que precisou de duas tentativas, até dar certo. Recebemos a notícia por e-mail e foi inacreditável. Mas, de repente, surge a pandemia, o último e mais dramático capítulo desta novela. Começaram a surgir notícias de centenas de bebês de aluguel “presos” na Ucrânia, com seus pais impedidos de irem buscá-los, e essas cenas nos apavoraram.

Ao longo de meses, a Ucrânia se manteve muito rígida sobre o fechamento de fronteiras e chegamos a planejar rotas alternativas, como entrar a pé, via Bielorrússia, uma loucura que outros casais chegaram a fazer. A Embaixada, porém, nos deu todo o apoio e concedeu uma autorização especial. Era o fim de uma batalha de sete anos e mais de 1 milhão de reais investidos desde o primeiro tratamento. Surgiram novos perrengues, como problemas de conexão do voo e a necessidade de cumprir 14 dias de quarentena em uma casa alugada em Kiev e ainda baixar um aplicativo, todo em ucraniano, com um GPS para monitorar nossos passos. Três dias antes de cumprirmos o isolamento obrigatório, fomos avisados de que nossas pequenas haviam nascido. Para poder buscá-las, tivemos de fazer um teste de Covid e ainda um raio-X no pulmão. Eis que detectaram um problema no meu exame pulmonar (era apenas uma cicatriz) e fui proibida de entrar no hospital. Meu marido, então, foi sozinho conhecer as meninas e eu fiquei chorando inconsolável por dois dias, trancada em um apartamento do outro lado do mundo. Demorou uma eternidade, mas a novela teve final feliz. As bebês tiveram alta e eu pude, enfim, buscá-las na porta do hospital. Ter Joana e Esther em meus braços foi uma emoção indescritível, nos abraçamos e choramos muito. Ainda faltam questões burocráticas para podermos retornar à nossa casa em São Paulo, mas cada lágrima derramada nesta saga valeu a pena. Aquele médico estava certo: ser mãe foi, de fato, tão intenso e gratificante como alcançar o topo do Everest.

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