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Razões para desconfiar dos vídeos de despedida de Alepo

Os ativistas que aparecem nas imagens dramáticas que viralizaram na semana passada são coniventes com as atrocidades cometidas por terroristas

Por Leonardo Coutinho Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 22 dez 2016, 15h43 - Publicado em 21 dez 2016, 15h22

Na semana passada, uma série de vídeos postados nas redes sociais por ativistas e “jornalistas” em atividade na Síria pautou a cobertura da retomada de Alepo pelas forças regulares do governo sírio. Nos últimos meses, a cidade foi alvo de bombardeios massivos coordenados pela Síria com o apoio da Rússia.

Quando o leste da cidade, que ainda era mantido sob controle da Jabhat Fateh al-Sham (grupo rebelde afiliado à rede terrorista Al Qaeda), foi tomado pelas forças leais ao ditador Bashar Assad, começaram a aparecer vídeos com mensagens em tom de despedida feitos por ativistas locais. Alguns deles gravaram o que diziam ser suas últimas palavras e descreviam o cenário de horror em que Alepo se converteria depois que os insurgentes fossem vencidos.

Os personagens dos vídeos que ganharam destaques em emissoras com alcance global como a americana CNN e a britânica BBC e foram objetos de longas reportagens publicadas por publicações de prestígio como o The New York Times são, na verdade, um subproduto das guerras modernas: os “jornalistas cidadãos”.

Um artigo do jornal inglês The Independent, assinado pelo veterano em coberturas de guerra Patrick Cockburn, autor de diversos livros sobre conflitos na região e um dos primeiros jornalistas a alertar para a ascensão do grupo terrorista Estado Islâmico, classificou os tais vídeos como “propaganda de guerra”.

Cockburn lembra que os jornalistas independentes que tentam cobrir a guerra de perto costumam sequestrados ou mortos. Alguns foram decapitados diante das câmeras para terem a sua execução divulgada como parte da mensagem brutal das organizações terroristas.

O jornalista irlandês afirma, também, que em Alepo não há profissionais independentes em ação. “Os jihadistas expulsaram os jornalistas e os substituíram por ‘ativistas’ altamente comprometidos com sua causa.” Eles se dizem “jornalistas cidadãos”, mas seria mais correto considerá-los parte do esforço de guerra dos grupos radicais.

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É melhor ter algum registro do que acontece em cidades como Alepo, onde a população civil de fato sofre com os ataques do próprio governo que deveria protegê-la, do que não ter nenhum, mas não se pode assumir tudo como verdadeiro.

De forma voluntária ou não, os “jornalistas-cidadãos” fazem o jogo dos rebeldes — que, no caso do leste de Alepo, impunham sua própria forma de tirania sobre a população civil. O leste de Alepo era há quatro anos ocupada por jihadistas. Sob o jugo dos combatentes, vigorava a mais radical das leituras da sharia, a lei islâmica. O simples fato de “jornalistas do povo” atuarem sob essas regras significa um certo nível de cumplicidade com os terroristas.

Uma consulta às páginas pessoais no Facebook ou Twitter de cada um dos autores dos vídeos de despedida permite confirmar a suspeita de que os vídeos que viralizaram na semana passada não são relatos isentos de correspondentes de guerra, mas algo muito próximo do que pode ser definido como “propaganda de guerra”.

Dois dos ativistas que gravaram os vídeos de despedida são Lina Shamy e o americano Bilal Abdul Kareem. Diante da falta de jornalistas na área, diversos meios de comunicação ocidentais recorrem à dupla como fonte de informação.

Por conveniência ou negligência, os veículos de comunicação que apresentam Lina Shamy como fonte confiável omitem as posições políticas da ativista, que em suas postagens revela simpatia pelos jihadistas, além de ignorar toda e qualquer violação cometida por parte dos rebeldes e terroristas sunitas. Pela internet, ela se dedica a atacar o regime sírio, e os seus aliados Rússia e Irã.

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Reprodução da página de Facebook da ativista Lina Shamy na qual ela lamenta a morte do terrorista Zahran Alloush. O extremista pregou o extermínio de membros da etnia alauíta
Reprodução da página de Facebook da ativista Lina Shamy na qual ela lamenta a morte do terrorista Zahran Alloush. O extremista pregou o extermínio de membros da etnia alauita (Reprodução)

Em 2015, Lina Shamy publicou em sua conta do Facebook uma foto e um texto lamentando a morte em combate do líder terrorista Zahran Alloush, que fazia parte da organização Jaysh al-Islam.

Alloush convocou publicamente o genocídio alauítas – a mesma vertente do islamismo da qual faz parte o ditador Bashar Assad. Seus seguidores promovem execuções sumárias e as mais diversas atrocidades, que jamais foram denunciadas por Lina Shamy e seus colegas ativistas.

Bilal Abdul Kareem, outro ativista que aparece nos vídeos e que também é usado como fonte de informação  por alguns veículos de informação estrangeiros, mantém um site pessoal no qual faz elogios à Frente al-Nusra, um grupo terrorista egresso da Al Qaeda.

É fato que Assad e seu regime são responsáveis por crimes contra a humanidade. As tropas leais ao seu regime cometem inúmeras violações às leis internacionais, entre as quais o uso de armas químicas. Mas os rebeldes e militantes islâmicos também colecionam uma vasta lista de atrocidades.

Para Patrick Cockburn, “não há nada de errado ou surpreendente no fato de a oposição síria demonizar seus inimigos e esconder notícias negativas sobre si mesma. A oposição iraquiana fez a mesma coisa em 2003 e a oposição da Líbia em 2011. Grave mesmo é a maneira pela qual a mídia ocidental se deixou transformar em um canal para propaganda para um dos lados neste conflito selvagem”.

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QUEM SÃO OS “ATIVISTAS”

Lina Shamy, "ativista síria"

Lina Shamy

“Este pode ser meu último vídeo”

Apresenta-se como jornalista. Faz postagens contra o regime Sírio e seus aliados. Declara apoio aberto à “revolução” (o que, no contexto do leste de Alepo, deve ser entendido como a instalação de uma teocracia islâmica da vertente sunita). Lamentou a morte de um líder terrorista que defendia o extermínio da etnia alauita, a mesma de Bashar al Assad. Fugiu de Alepo depois que as tropas sírias retomaram a cidade.

Bilal Karen, ativista americano na Síria

Bilal Karen

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“Este pode ser minha última comunicação”

Americano convertido ao islamismo, está na Síria desde 2012. Disse ter mudado sua visão sobre os jihadistas depois de conhecê-los de perto. “Conheci muitos combatentes islâmicos respeitáveis”. Defende abertamente a Frente al-Nusra — organização terrorista sunita que atua na Síria e que tem ligações com a Al Qaeda.

Salah Ashkar, ativista sírio

Salah Ashkar

“Em casa esperando o destino inevitável”

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Em seu perfil no Twitter e Facebook, o sírio exibe dezenas de fotos em protestos e manifestações contra o regime de Assad e seus aliados. Nunca critica os abusos cometidos pelas forças rebeldes. Com a reconquista de Aleppo por parte das forças oficiais, ele fugiu para Turquia.

Monter Etaky, ativista sírio

Monther Etaky

“Eu não vou esquece-los se passar para outra vida”.

O sírio, que mantinha relações diretas com os demais “ativistas” que divulgavam informações sobre a guerra, também fugiu do país. Por meio de sua conta no Facebook avisou estar no exterior e em segurança.

 

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