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Promotor boliviano revela como Evo Morales manipula a Justiça de seu país

Exilado no Brasil desde março de 2014, Marcelo Soza diz que o governo da Bolívia coordena a abertura de processos judiciais para perseguir opositores

Por Leonardo Coutinho Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 30 jul 2020, 21h29 - Publicado em 8 jul 2015, 21h46

O promotor boliviano Marcelo Ricardo Soza Alvares está refugiado no Brasil desde abril do ano passado. Ao desembarcar no país, ele entregou ao Comitê Nacional para os refugiados (Conare), órgão subordinado ao Ministério da Justiça, um documento de 25 páginas em que relata em detalhes como o governo da Bolívia, sob o comando do presidente Evo Morales, transformou o Poder Judiciário do país em um instrumento de perseguição política.

Soza diz no documento ter descoberto que o irmão do vice-presidente Álvaro Garcia Linera está por trás de um atentado a bomba contra a residência do arcebispo de Santa Cruz de La Sierra, episódio usado como justificativa para o governo da Bolívia colocar em prática uma ação militar que resultou na morte de três pessoas.

Segundo Soza, “Raul Garcia Linera participou de quase toda a investigação. O vice-presidente conhecia em detalhes tudo o que acontecia, porque seu irmão o informava. No decurso da investigação e frequentes reuniões em que estive com Raul Garcia Linera, confirmaram-se as informações que eu recebia dos investigadores, no sentido de que tanto o processo de infiltração junto ao suposto grupo terrorista, o atentado contra a casa do Cardeal e a própria operação militar no Hotel Las Américas foram coordenadas pelo irmão do vice-presidente”.

O promotor de justiça garante que o governo, além de ter criado uma falsa trama de atentado, usou o episódio para executar e torturar três pessoas, para em seguida ter motivo para indiciar seus opositores, como membros de uma suposta célula terrorista. Um dos acusados é Alejandro Melgar, que está preso na Uruguai há três anos a pedido do governo boliviano. “No decorrer da investigação, uma série de novos fatos descobertos colocavam em xeque a afirmação da polícia boliviana de que teria ocorrido um confronto armado, com fogo cruzado e explosivos, no hotel. As fotografias do local que foram tiradas pela própria polícia revelaram sinais evidentes de tortura das vítimas e tratamento cruel e desumano”, escreveu Soza.

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No documento entregue às autoridades brasileiras, o boliviano afirma que sabe “como poucos a maneira com que os juízes e procuradores na Bolívia são manipulados”. Ele sustenta que “se um juiz ou procurador decide resistir às ordens, são simplesmente demitidos, processados criminalmente e condenados à morte civil no exercício de sua profissão.”

De Brasília, onde vive desde que chegou ao Brasil, o Soza concedeu a seguinte entrevista a VEJA:

Promotor boliviano Marcelo Sosa
Promotor boliviano Marcelo Sosa (VEJA)

Há independência de poderes na Bolívia? A Justiça na Bolívia é manipulada pelo Poder Executivo, que a usa para processar as pessoas que não compartilham a ideologia política do overno, que representam uma ameaça ou que emitem opiniões contrárias. Em suma, podemos dizer que, na Bolívia, o governo usa a Justiça para justificar todos os abusos.

O senhor pode dar um exemplo? O Caso Terrorismo, que começou com a explosão de uma bomba na casa do Cardeal de Santa Cruz, um dia antes da operação no Hotel Las Americas (quando um grupamento de elite das Forças Armadas invadiu o local e matou três pessoas que depois foram acusadas de fazer parte de uma célula terrorista), é o mais visível. Durante meu trabalho de investigação, eu constatei que nunca houve um confronto armado entre o grupo acusado de terrorismo e as forças policiais, como me foi relatado pelos oficiais do governo e é sustentado oficialmente até hoje. O que aconteceu naquela noite, em Santa Cruz, foi a execução de três estrangeiros e a tortura de outros dois.

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Como o governo manipulou a investigação? Convocações e outras ações de informação foram-me negadas. A polícia, sob o Ministério do Governo, direcionou totalmente a investigação para ocultar a verdade. Foi-me negado investigar a morte de cidadãos estrangeiros e negaram-me acesso à lista dos nomes dos policiais que participaram da operação. As gravações das câmeras de segurança do hotel foram apagadas e eu fui impedido de interrogar os hospedes, entre os quais havia militares venezuelanos. Estes são alguns dos elementos que impediram uma investigação transparente. Pedi meu afastamento do caso, mas isso também me foi negado sob ameaça de processo disciplinar, devido ao volume de informações que eu sabia sobre as irregularidades deste caso.

O senhor aceitou continuar fazendo parte da estratégia do governo? Sim, mas como consequência da sinalização de que eu não concordava, fabricou-se um processo contra mim, como estratégia de desqualificação para me desmoralizar caso revelasse a farsa do governo. Me acusaram de crimes que eram cometidos por eles para desviar a atenção da sociedade.

Com base em que o senhor denunciou o advogado Alejandro Melgar, que está preso no Uruguai desde 2012? Ele é um dos réus do Caso Terrorismo. De acordo com relatos policiais, foi ele quem comprou as passagens aéreas para o suposto grupo terrorista que veio da Europa para a Bolívia. Há também muitos outros elementos de prova, como correspondência eletrônica entre o líder do grupo e este cidadão, com o objetivo de esconder suas identidades. Reitero que todas essas informações me foram entregues pela polícia e órgãos de governo.

Quem coordenou essa operação por trás da investigação? Raul Garcia Linera, irmão do vice-presidente Álvaro Garcia Linera, foi quem montou uma rede de extorsão para se beneficiar economicamente e politicamente com este caso. Ele comprou testemunhas e montou provas, assim como no caso dos investigados pelo pretenso atentado, para me perseguir. Eu tive que sair do país para preservar a minha vida e integridade física.

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