Um projeto de lei para declarar o papel de jornal um produto de “interesse público” deve chegar ao Congresso nesta sexta-feira. A medida proposta pela presidente argentina restringiria a oferta do material aos dois principais jornais da oposição. O Congresso possivelmente votará o texto na semana que vem. O objetivo de Cristina é aumentar o controle do estado sobre o preço, a distribuição e a comercialização do insumo produzido pela empresa Papel Prensa, cujos acionistas são, além do governo, La Nación e Clarín – os dois diários mais influentes do país e os que mais criticam o governo.
A oposição argentina começou a articular uma estratégia comum para resistir ao projeto. O deputado Óscar Aguad, da União Cívica Radical (UCR), de centro, alertou que “declarar o papel como algo de interesse público é um passo prévio à desapropriação”. A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) criticou a medida, considerando-a inconstitucional. A Associação Internacional de Radiodifusão (AIR) advertiu ainda que a regulação “poderia converter-se num instrumento a mais de controle e pressão sobre os meios escritos, como já acontece com o uso abusivo da publicidade oficial e como ocorreria se entrasse em vigor a Lei de Meios Audiovisuais” – sancionada em outubro de 2009 e que impõe limites à concentração de meios audiovisuais na Argentina.
A UCR, a Coalizão Cívica, de centro-esquerda; e o Proposta Republicana (PRO), de centro-direita, anunciaram que mobilizarão seus parlamentares para derrubar qualquer tentativa do governo de aprovar um projeto que imponha controles sobre a produção de papel.
Contradições – Desde que a presidente argentina Cristina Kirchner anunciou uma investigação sobre supostas manobras de grupos jornalísticos para se apoderar da Papel Prensa – a maior fornecedora de papel para os jornais no país – a oposição e os acusados usam todas as estratégias possíveis para se defenderem. Para eles, as denúncias feitas pelo governo seriam “uma história trágica que volta entre contradições e falsidades”, segundo o Clarín, e uma “ofensiva contra os meios”, de acordo com o La Nación.
Tanto o Clarín como o La Nación destacaram nesta sexta-feira discursos contraditórios entre Cristina Kirchner e Lidia Papaleo, viúva do último proprietário da Papel Prensa – o banqueiro David Graiver (suposto financiador do grupo guerrilheiro Montoneros nos anos 70). De acordo com os jornais, Papaleo teria declarado na quinta-feira, em tribunal, que em novembro de 1976 assinou a venda das ações da Papel Prensa em liberdade e negou que, enquanto presa, seus torturadores a tenham interrogado sobre a empresa.
O depoimento da viúva de David Graiver também não traria nenhuma denúncia contra o presidente do Clarín, Héctor Magnetto, ou o diretor do La Nación, Bartolomé Mitre – o que derrubaria o discurso do governo de que Papaleo teria sido forçada a vender suas ações após ser torturada e ameaçada de morte por Magnetto, além de generais da ditadura.
Na quinta-feira, a Justiça argentina começou a analisar a denúncia de Cristina, que também indicava supostos vínculos entre os veículos de comunicação e a ditadura no país (1976-1983). A estratégia do governo foi mostrar que o Clarín e o La Nación – além do extinto jornal La Razón – adquiriram a Papel Prensa no início da ditadura militar, em 1976, após os donos da fábrica serem torturados.