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Por um fio: greve geral aumenta a pressão sobre presidente do Equador

País tem histórico de derrubada de governo por protesto popular, e Lenín Moreno enfrenta esse risco com estado de exceção e toque de recolher

Por Amanda Péchy Atualizado em 30 jul 2020, 19h37 - Publicado em 9 out 2019, 16h34

O Equador, bem no meio do mundo pela geografia, virou centro das atenções com a escalada de protestos no país e por seu histórico de chefes de Estado derrubados por movimentos populares. Nesta quarta-feira, 9, o sexto dia das manifestações contra a política econômica do governo de Lenín Moreno  é marcado por uma greve geral e duas concentrações na capital, Quito, rebatidas com violência pelas tropas militares e policiais. Três marchas ocorrem em Guayaquil, para onde a sede do governo foi transferida, e dezenas de rodovias estão bloqueadas em todo o país.

Tudo isso ocorre em meio ao toque de recolher e à restrição do movimento em áreas próximas a prédios públicos, determinado na terça-feira 8, pelo presidente Moreno após manifestantes terem invadido a Assembleia Nacional, em Quito.

Apesar das impactantes imagens da massa humana nas ruas do centro histórico de Quito, esse quadro não chega a surpreender. O fim dos subsídios aos combustíveis fósseis, decretado por Moreno na quinta-feira 3 com base nas regras do acordo bilionário do país com o Fundo Monetário Internacional (FMI), os preços da gasolina e do diesel subiram 123%. A resposta social era apenas questão de tempo no país andino, onde a maioria indígena historicamente mostrou-se ativa na reação a medidas impopulares adotadas por seus governos.

A instabilidade já é tradição no Equador, que teve 21 Constituições desde 1830 e 14 presidentes desde a redemocratização, em 1979. Apesar de os mandatos terem quatro anos, a média dos efetivamente cumpridos não chega a três anos. Mas há uma constante no caos: o fator indígena.

Na década de 1990, movimentos e sindicatos indígenas se organizaram no país e, desde então, promovem protestos por igualdade de oportunidades e demarcação de terras.  A população indígena esteve presente nas derrocadas de presidentes do Equador como Abdalá Bucaram (1997), Jamil Mahuad (2000) e Lúcio Gutiérrez, que correu para asilar-se na embaixada do Brasil quando forçado pelo Congresso a renunciar, em 2005.

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Indígenas correm da polícia nas proximidades do prédio da Assembleia Nacional, em Quito, durante protesto contra as medidas de austeridade do presidente Lenin Moreno — 08/10/2019 (Ivan Alvarado/Reuters)

Desta vez, a mobilização indígena começou no fim de semana e resultou no bloqueio de dezenas de estradas e em conflitos entre manifestantes e forças de segurança. A reação que começou com uma greve de caminhoneiros tornou-se muito mais ampla. Ao contrário do ex-presidente Rafael Correa, que diante de uma onda de protestos em 2010 esforçou-se para falar em quéchua e para reafirmar que a linha de seu governo seria de integração, Moreno jamais acenou aos mais de 4,5 milhões de indígenas – 25% da população.

Por trás da crise, há uma série de políticas que começaram a ser aplicadas há um ano e meio. Entre 2007 a 2016, Correa aumentou o gasto social para melhorar o acesso da população indígena à saúde e educação públicas. Mas o fim do “boom das commodities”, em 2014, e a queda do preço do petróleo, em 2016, deixaram para Lenín Moreno um Estado oneroso e dolarizado. O aperto nos gastos sociais e os ajustes de tarifas públicas transbordaram nas manifestações.

De acordo com Sierra Freire, professora de ciência política da Pontifícia Universidade Católica do Equador, há uma sistemática redução do aparato público, com demissão em série de funcionários, flexibilização e precarização do trabalho. Além disso, o governo também cancelou dívidas de empresas e bancos e assinou uma série de projetos de mineração na Amazônia, medidas recebidas com duras críticas pela população.

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“Todas essas políticas vêm reduzindo o poder de compra das classes média e baixa e arrastando a população para baixo da linha da pobreza”, afirma Freire. No fim do mandato de Correa, em 2016, 22,5% da população estava abaixo desse limite. Hoje, com Moreno, o índice chega a 37% dos equatorianos, em geral. Mas entre os indígenas, é bem maior: 73%.

Manifestantes saem às ruas para se opor ao fim dos subsídios aos preços dos combustíveis em Quito — 08/10/2019 (Carlos Garcia Rawlins/Reuters)

Superbigodes

Diante da massa contrária a suas políticas públicas, o presidente do Equador desloca a responsabilidade totalmente ao ser antecessor, Correa, a quem acusa de maquinar a desestabilização de seu governo junto ao líder venezuelano Nicolás Maduro. As manifestações, para ele, são uma “tentativa de golpe de Estado”. “Não é coincidência que Correa [e aliados] tenham viajado ao mesmo tempo, há poucas semanas, à Venezuela”, disse na segunda-feira 7.

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Sete países latino-americanos, dentre os quais o Brasil, respaldaram Moreno e reiteraram suas suspeitas de que o regime de Maduro está por traz dos protestos populares, com o objetivo de desestabilizar o Equador. De Bruxelas, onde vive em exílio voluntário, Correa negou a iniciativa e chamou seus acusadores de “mentirosos”.

Para Javier Coronel, professor da Faculdade de Ciências Políticas na Universidade Casa Grande, de Guayaquil, a declaração pode ser uma estratégia de defesa: “São afirmações feitas com os fundamentos do próprio presidente Moreno”, diz. Se o líder equatoriano tem informações do serviço de inteligência que comprovem suas declarações, ainda não as compartilhou.

Maquinações ou não, Maduro deve estar esfregando as mãos diante da deterioração do governo de centro-direita do Equador. Nesta terça-feira 8, Diosdado Cabello, presidente da Assembleia Constituinte da Venezuela, rebateu com desdém que, ultimamente, “tem havido uma brisa bolivariana” que viaja para os países da região. Na véspera Maduro tentara ser ainda mais irônico. 

“O presidente Lenín Moreno saiu a dizer que é culpa minha o que está passando lá no Equador, que eu mexo os meus bigodes e tombo os governos”, afirmou o venezuelano, rindo. “Eu estou pensando qual o próximo governo vou derrubar com os bigodes. Não sou superman, eu sou o superbigodes.”

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Manifestante agita bandeira equatoriana em cima de uma escultura metálica no centro de Quito —08/10/2019 (Ivan Alvarado
/Reuters)

 

Observador da região desde muito antes dos tempos do bolivarianismo, Peter Hakim, presidente emérito do Diálogo Interamericano, de Washington, avalia que, de fato, os apoiadores de Correa podem estar se beneficiando dos protestos contra Moreno, com a esperança de ver seu líder novamente na Presidência do Equador. Mas as manifestações têm razões claras, ligadas às condições de vida dos equatorianos, e são movidas por indígenas naturalmente muito insistentes.

Quanto à inferência da Venezuela, Hakim não vê argumento. “Maduro não é inspiração para ninguém. Não é Hugo Chávez”, afirma, referindo-se ao líder bolivariano morto em 2013.

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Sem volta atrás na eliminação dos subsídios aos preços dos combustíveis fósseis, resta a Moreno enfrentar, de Guayaquil, o movimento popular para evitar o aprofundamento da crise política e até mesmo o fim de seu mandato. O presidente deve fazer um chamado ao diálogo, convidando líderes sociais a encontrar uma solução”, receita Mario Cuvi, decano da Faculdade de Direito e Governança da Universidade Ecotec, de Guayaquil.

A questão é que, nos seis dias de conflitos nas ruas, a violência escalou. Há dois civis mortos, 73 pessoas feridas (inclusive 59 militares) e 570 detidos, a maioria deles por atos de vandalismo. Enquanto isso, vigora o estado de exceção no país, em que o governo pode suspender ou limitar direitos básicos, como a livre circulação, e impor censura prévia à imprensa.

Se o presidente escolher o caminho da força, pode acabar integrando a lista de outros presidentes que deixaram o governo mais cedo, como Bucaram, Mahuad e Gutiérrez. “O governo de Moreno já é muito fraco, está perdendo apoio até das Forças Armadas. Se ele não se corrigir de alguma forma, é muito provável que tenha que deixar suas funções”, analisa a professora Freire.

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