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Pela França no coração da Europa

Para Javier Solana, ex-secretário-geral da Otan, a Europa precisa da França quando o medo, o ódio e a rejeição aos diferentes se propagam. E a França precisa da Europa para reafirmar seu papel de líder e potência no palco global

Por Javier Solana*
27 jul 2014, 08h04

A França não deveria temer a união política na Europa ainda que tenha que renunciar parte de sua soberania. Ao contrário, ela deve ser um dos líderes desse esforço

MADRI – A Europa precisa de uma França orgulhosa, bem-sucedida e capaz de superar o seu desânimo e pessimismo. Precisamos do grande país que foi e será, a França que inspirou o mundo inteiro com seus valores, cultura e revolução. Alain Peyrefitte, o acadêmico, político e confidente de Charles de Gaulle, disse que “sem a Europa, a França não será nada”; mas, sem a França, a Europa também, não seria nada.

Neste ano de celebrações, vale a pena refletir sobre o futuro da França. Em 14 de julho, feriado nacional da França, que este ano marca o 225º aniversário da Tomada da Bastilha; nessa ocasião vimos soldados argelinos desfilarem pelos Champs-Élysées pela primeira vez desde a guerra da Argélia pela independência, com a transcendência histórica e simbólica que o ato implica. Este ano também marca os cem anos da eclosão da I Guerra Mundial e 25 anos da queda do muro de Berlim que abriu o caminho para a reunificação alemã.

A Europa mudou muito desde então. Vinte e cinco anos atrás, a França e a República Federal da Alemanha (como a Itália e a Grã-Bretanha) tinham populações semelhantes, de aproximadamente 60 milhões de habitantes. A reunificação alemã somou mais de 16 milhões de novos cidadãos procedentes da antiga Alemanha Oriental, fazendo que, desde então e até hoje, a Alemanha seja o país mais populoso da União Europeia (UE).

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Objetivamente isso causou o desequilíbrio do eixo Franco-Alemão no bloco. Para evitar que o desiquilíbrio tivesse consequências políticas negativas, a Alemanha aceitou ser sub-representada com a ponderação do voto, um desequilíbrio por si só, não corrigido até o Tratado de Lisboa que entrou em vigor em 2009. No entanto, ao longo do tempo e em um processo acentuado pela recente crise econômica, o tamanho e o poder econômico podem significar que a Alemanha acabou por definir os ritmos da construção europeia, tornando-se ponto claro de referência para moldar a política sobre as questões mais importantes que a UE enfrenta.

Mas a lógica da construção europeia requer que a França complemente a Alemanha – somando-se a outros grandes países da UE como a Itália, Espanha, Grã-Bretanha e Polônia. Com efeito, a Europa de hoje já não é caso de dois países – se é que foi alguma vez – como 30 anos atrás. Mas, para muitos dos Estados-membros da UE, a França continua sendo um modelo. Então, quando a França sofre, a Europa sofre. A cura da Europa e a cura França são duas partes da mesma equação, com as mesmas incógnitas.

A França, por sua própria relevância, peso histórico e bagagem cultural é um país que desconfia das mudanças que ocorrem ao seu redor – como se o seu próprio peso como nação a impedisse de levantar voo e olhar mais além dos horizontes. No entanto, nenhum país hoje pode manter-se isolado do mundo globalizado, domá-lo ou liderá-lo sozinho. Por isso a França deve olhar novamente para a Europa, que por sua vez, precisa tanto da França e da Alemanha equilibradas para avançar.

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A França ainda arrasta o peso das consequências de votar “não” no referendo da proposta da Constituição Europeia – aquele claramente não foi o seu melhor momento. Dez anos se passaram, e a França hoje não deveria temer a união política na Europa ainda que tenha que renunciar parte de sua soberania. Ao contrário, a França deve ser um dos líderes desse esforço, contribuindo com sua voz e condição central como um país que está entre o norte e o sul da Europa e agir como um modelo para muitos outros países em questões sociais.

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Assim como a Alemanha deu um passo à frente ao renunciar o marco em favor do euro, a França deve sair dos velhos esquemas do clássico Estado-nação. Com o tempo, a preponderância econômica alemã se traduziu em maior poder político, tornando-se cada vez mais importante para completar com o ponto de vista único da França, especialmente tendo em conta o progresso imparável de hoje que se move para integração econômica, o que conduzirá a contento de todos a uma maior integração política.

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A França conta com uma sólida base econômica que lhe proporciona meios adequados para enfrentar as reformas que precisa urgentemente. Sua renda per capita é superior aos 30.000 euros (90.000 reais) anuais, e tem um Estado de bem-estar forte além de uma sociedade culta. No entanto, seu crescimento do PIB está estagnado. A Europa e o mundo não podem permitir que a França dinâmica sucumba à França estática, que se opõe a todas as mudanças. Um exemplo, a cooperação da França na criação de um mercado europeu comum de energia, para a Espanha, é crucial. Com efeito, esta relação pode ser extremamente benéfica tanto para a França e toda a Europa.

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A França deve considerar a Europa como considera ela própria. Os valores republicanos franceses encontram sua melhor expressão no que representa a União Europeia. A liberdade, a igualdade e a fraternidade são inimigas das visões nacionalistas, extremistas e eurofóbicas que têm desventurado a Europa de hoje. Estas visões sombrias devem se esvanecer com o compromisso da França com a integração, o Estado de Direito e o secularismo.

A França assumiu compromissos internacionais importantes recentemente, que todos devem agradecer, com a esperança de que o despertar político, econômico e social do país continue. O caminho da modernização não deveria retroceder, especialmente agora, quando as forças políticas que exploram o medo, o ódio e a rejeição aos diferentes estão em ascensão, traindo valores republicanos. Este é o momento em que a França, juntamente com os demais europeus, deve superar o pessimismo, o desânimo e a desconfiança.

*Javier Solana foi oficial-chefe da União Europeia para Relações Exteriores e Política de Segurança. Secretário-geral da Otan e chanceler da Espanha. Atualmente, ele é presidente do Centro para Economia e Geopolítica e associado da Brookings Institution.

© Project Syndicate, 2014

(Tradução: Roseli Honório)

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