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Para sobreviver ao novo sistema, cubano sem emprego vai ter de roubar ou cair no mercado negro, afirmam analistas

Na tentativa de aliviar um estado inchado, Raúl Castro obriga mais de um milhão de trabalhadores a buscar emprego num setor privado praticamente inexistente

Por Cecília Araújo
10 nov 2010, 10h39

Obrigados se transformar em empreendedores de uma hora para outra, os cubanos não sabem trabalhar por conta própria – e, pior ainda, não têm dinheiro para abrir um negócio e desenvolver uma nova carreira fora do funcionalismo

Sob a justificativa de “atualizar o modelo socialista”, o ditador cubano Raúl Castro tem submetido Cuba a uma série de ajustes econômicos. Em setembro, por exemplo, anunciou que pretendia demitir mais de 1 milhão de funcionários dos empregos públicos até 2011 – mais de 10% da população economicamente ativa de Cuba. Na terça-feira, Raúl divulgou um novo plano de reformas para a economia cubana, com mais propostas que podem ser adotadas até o ano que vem. A necessidade de mudanças é evidente: em Cuba, as inchadas empresas estatais amargam uma grave crise econômica, uma catástrofe num país onde o estado controla mais de 90% da economia. Como de costume na ilha, porém, quem deve pagar o pato nessa transformação é, mais uma vez, a população cubana.

Raúl já avisou que pretende acabar com as empresas estatais não rentáveis, reduzir suas despesas sociais e estimular empresas privadas. O governo também anunciou que permitirá atividades econômicas privadas em quase 180 profissões – de palhaço a jardineiro, de barbeiro a relojoeiro. Embora essa abertura sinalize uma possível evolução para um país retrógrado como Cuba, a transição deverá deixar muitos cubanos abandonados à própria sorte. “Estamos falando de centenas de milhares de pessoas que precisam agora procurar emprego em um setor privado praticamente inexistente. E apenas um quarto delas terá acesso às permissões do estado”, lamenta Juan Carlos Hidalgo, coordenador de um projeto para a América Latina do Instituto Cato.

Atualmente, há cerca de 143.000 pequenos empresários em Cuba, a maioria remanescente de um experimento anterior, realizado na década de 1990, como reação à crise que afetou o país após a derrocada da União Soviética. O salário médio mensal no país não passa de 20 dólares. Uma vez inseridos nesse restrito mercado privado, os funcionários demitidos pelo governo ainda terão que pagar impostos – que podem variar entre 10 e 40% do salário bruto que receberem. Obrigados se transformar em empreendedores de uma hora para outra (e num país onde a atividade econômica privada é escassa), esses trabalhadores não têm conhecimento sobre o assunto – e, pior ainda, não têm dinheiro para abrir um negócio e desenvolver uma nova carreira.

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“Muitas dessas pessoas vão fracassar e apelar para o mercado negro”, alerta o especialista em assuntos cubanos da Universidade de Miami Jaime Suchlicki. Ele explica que uma adaptação exigiria muito tempo e esforço – além, é claro, de planejamento, o que não acontecerá no caso da atual transformação. Para os especialistas, a reforma proposta por Raúl Castro seria positiva se houvesse uma infraestrutura adequada para ajudar os cubanos: bancos suficientes para emprestar dinheiro e organizações e universidades aptas a treiná-los. “Mas o que o governo cubano está fazendo é apenas demitir pessoas. Para sobreviver, parte da população vai ter que roubar ou tentar buscar ajuda com parentes e amigos que moram fora. Há muita incerteza e medo entre eles”, lamenta Suchlicki.

Sistema insustentável – Apesar de dar os primeiros passos na direção do livre mercado, a ditadura cubana ainda hesita em propor mudanças econômicas reais. “Esse movimento está longe de ser uma tentativa de se instaurar o capitalismo em Cuba ou de colocar em prática algo parecido ao que fez a China”, avalia Suchlicki. Enquanto o gigante asiático se abriu para investimentos internacionais, permitindo a propriedade privada, empréstimos significativos de bancos e negócios com corporações internacionais, Cuba ainda está estagnada. O país depende da Venezuela, que manda petróleo ao país para ser revendido, além de receber ajuda do Irã, da China e da Rússia. “Enquanto outros governos continuarem a emprestar dinheiro ao país, o governo vai se manter assim, vai continuar com seu modelo”, afirma o professor.

Conforme os especialistas, a população tem consciência de que o sistema cubano é insustentável e querem mudanças – algo que o próprio Fidel Castro chegou a admitir, em setembro, quando disse que o modelo econômico de Cuba não funciona mais. Por outro lado, depois de cinco décadas de controle total do governo, a reação dos cubanos à reforma pode ser surpreendente. “Grande parte dos trabalhadores não quer sair do emprego público, por não saber como conseguir clientes ou ganhar dinheiro sem ajuda do governo. Não ficaria surpreso se, mesmo em meio à crise, muitos cubanos prefiram a segurança do emprego público”, explica Hidalgo. Retrato de uma população que se sente perdida – a maioria dos cubanos não conhece as alternativas, não entende como a economia funciona e tem medo de não conseguir garantir seu salário.

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