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Otan se retira a tempo, para não ‘reviver o Iraque’ na Líbia

Aliança internacional acerta ao encerrar a missão no país agora, evitando impor mais um conflito longo e sem propósito, avalia o cientista político Gerald Knaus

Por Nana Queiroz
1 nov 2011, 08h52

“Algumas intervenções colaboraram, sim, para a construção de democracias. Porém, o surgimento democracias reais é, quase sempre, um evento doméstico, que pode ser apoiado por agentes externos, mas nunca criado por eles”

Gerald Knaus

Desde a 0h desta terça-feira, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) considera encerrada sua missão na Líbia – sete meses depois de uma intervenção desastrosa que resultou na morte de centenas de civis e terminou “sem querer”, com a morte de Muamar Kadafi, após o ataque a um comboio do qual não se sabia que o ditador fazia parte. Mas se a atuação da aliança militar é passível de críticas, o tempo determinado para a retirada das forças de segurança, pelo menos, foi acertado. Essa é a opinião do cientista político Gerald Knaus, um dos autores do livro Can Intervention Work? (Intervenções Podem Funcionar?).

Tudo resultado, segundo ele, das “lições” aprendidas pela Otan com as guerras do Iraque e do Afeganistão. “Na década passada, nós tínhamos a terrível ilusão de que, como uma intervenção militar funcionou, os interventores tinham a obrigação moral de ocupar o país e ‘construir um estado’. Felizmente, essa ilusão nunca foi considerada na Líbia. A Otan não quer reviver o desastre do Iraque”, destaca. Em entrevista ao site de VEJA, Knaus enumera outros exemplos que impediram essa recente ocupação de se transformar em mais um longo, caro e fracassado conflito, e aponta que a Síria pode ser o próximo alvo. Confira os principais trechos da conversa:

Aproveitando o título de seu livro, afinal, intervenções internacionais podem funcionar? É preciso fazer uma distinção entre intervenções com o objetivo limitado de acabar com uma crise humanitária e intervenções que pretendem pôr fim a determinado regime e envolvem, normalmente, ocupações de longo prazo, com a construção de um novo estado. As intervenções na Bósnia, em 1995, no Kosovo, em 1999, e agora na Líbia, se encaixam na primeira categoria. Enquanto isso, as recentes operações no Iraque e no Afeganistão fazem parte da segunda. As primeiras podem, sim, ser bem sucedidas e foram em algumas ocasiões, como nos Bálcãs nos anos 1990. Agora, as últimas não contam com um único exemplo de sucesso em toda a história. Construções de nações sob fogo cruzado raramente funcionam. A tragédia da última década foi que os Estados Unidos e alguns de seus aliados esqueceram-se dessa distinção e passaram a sonhar com uma era de imperialismo liberal. Esse sonho se tornou um pesadelo no Afeganistão e no Iraque.

É acertada a decisão da Otan de deixar a Líbia neste momento? Na década passada, nós tínhamos a terrível ilusão de que, como uma intervenção militar funcionou, os interventores também teriam o poder de controlar a pós-intervenção. Ou até que eles tinham a obrigação moral de ocupar o país e “construir um estado”. Felizmente, essa ilusão nunca foi considerada na Líbia. A Otan não quer reviver o Iraque.

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Então, intervenções não podem forçar a democracia nos países? Algumas intervenções colaboraram, sim, para a construção de democracias. Porém, o surgimento de democracias reais é, quase sempre, um evento doméstico, que pode ser apoiado por agentes externos, mas nunca criado por eles. Veja os casos da Tunísia e do Egito. Não foi uma intervenção que trouxe mudança, mas uma oposição corajosa interna.

O senhor poderia dar alguns exemplos de intervenções que colaboraram para a construção de democracias? Após a II Guerra Mundial, Alemanha, Itália e Áustria se beneficiaram da ocupação americana. No entanto, essas foram exceções e não regra. E a razão pela qual os americanos tiveram legitimidade nesses casos é porque eles eram vistos como protetores contra uma ameaça externa (a União Soviética) e não interna. Já nos Bálcãs, a intervenção foi bem-sucedida porque tinha objetivos bem limitados. Até mesmo Slobodan Milosevic (ex-presidente da antiga Iugoslávia, acusado de crimes contra humanidade) continuou no poder por mais um ano, até ser derrubado por seu próprio povo, em 2000. No Iraque e no Afeganistão, por outro lado, tentou-se algo muito mais ambicioso, que falhou. Isso foi importante para lembrar até os países mais poderosos de suas limitações de conhecimento, poder e de legitimidade.

Dica de leitura

Can Intervention Work?

Capa de 'Can Intervencion Work?'
Capa de ‘Can Intervencion Work?’ (VEJA)
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O livro Can Intervention Work?, ou Intervenções Podem Funcionar? (236 páginas, 41 reais), é um olhar ao passado em busca dos fatores que explicam o sucesso ou o fracasso de intervenções militares internacionais.

Autor: KNAUS, GERALD e STEWART, RORY

Editora: W.W. Norton

Por que, com tantos países vivendo surtos de violência durante a Primavera Árabe, o Ocidente optou por agir na Líbia e não em outros lugares, como a Síria ou o Iêmen? Muamar Kadafi estava tão isolado politicamente que era possível acreditar que uma intervenção limitada pudesse dar conta do recado. A Liga Árabe e importantes vizinhos da Líbia, como Egito e Tunísia, também eram a favor da intervenção. Esse suporte também foi essencial. Mas, de fato, o que deu certo na Líbia pode não funcionar em outros lugares.

Nesse contexto, a Síria pode ser o próximo país a enfrentar uma intervenção militar? São casos bem diferentes. Como disse, a Líbia era um país politicamente isolado na região; não é o caso da Síria. Contudo, quanto mais os líderes sírios atirarem em seu próprio povo, mais chances existem desse quadro se modificar. A Liga Árabe se opunha fortemente a um endurecimento com relação à Síria, mas isso está mudando. Tenho sérias dúvidas quanto à capacidade da Otan de fazer algo bom na Síria hoje. O que importa nesse momento é o que os vizinhos podem fazer – e não estou falando de saídas militares – para pressionar o ditador Bashar Assad. É muito pouco provável que a Síria consiga manter seu regime autoritário enquanto o resto da região caminha em direção à democracia. Mas, dado o trauma do Iraque, a Otan faz muito bem em ser cautelosa também neste caso.

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