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Os Sardinhas: movimento antipopulista leva milhares às ruas da Itália

Grupo lota rapidamente espaços públicos para se opor a Matteo Salvini e seu séquito de populistas, mas recusa-se a atuar como partido

Por Amanda Péchy Atualizado em 30 jul 2020, 19h33 - Publicado em 19 dez 2019, 07h30

As vie e piazze italianas ganharam uma cara diferente nos últimos meses. Milhares de pessoas em Módena, Florença, Milão, Turim e Roma se amontoam hermeticamente em lugares públicos para combater o nacionalismo e o populismo do partido de extrema-direita Liga e seu líder, Matteo Salvini. Sem lemas, bandeiras ou partidos, o grupo se define apenas por um símbolo: chamam-se “Sardinhas”, porque objetivo é apinhar a Itália como um cardume para não ser ignorado.

O movimento reuniu no sábado 14, 100.000 pessoas na Piazza San Giovanni, em Roma, de acordo com os organizadores. Foi a maior das seis grandes demonstrações que os Sardinhas já realizaram. Outras três estão previstas para esta sexta-feira, 20, em Aosta, Cremona e Pádua. “Estamos cansados desta política de berros. Nos preocupamos com o aumento do ódio, da violência verbal e do racismo”, diz Francesco Cro, um dos líderes dos Sardinhas em Roma.

A velocidade vertiginosa com que as pessoas se juntam ao cardume pode ser verificada no Facebook, rede social especialmente usada para a convocação dos encontros. A página oficial do movimento, “6.000 Sardinhas”, já recebeu quase 250.000 likes, enquanto alguns grupos regionais, como o de Verona, já chegam a 20.000 membros, no que parece um respiro de ar fresco em meio à onda populista que varreu o mundo nos últimos anos.

Mas quando tudo começou, em novembro passado, as expectativas não chegavam nem perto desses números.

No dia 14 daquele mês, Salvini e seus parceiros de coalizão, o pequeno e raivoso Irmãos da Itália e o Forza Italia de Silvio Berlusconi, deveriam lançar sua campanha para a eleição regional de 2020 em Emilia-Romagna. O evento seria em uma arena esportiva em Bolonha. Preocupado com o fortalecimento do líder nacionalista, o ambientalista Mattia Santori enviou uma mensagem urgente a três amigos, pedindo que se encontrassem para bolar uma maneira de fazer frente aos populistas.

Santori, o engenheiro Roberto Morotti, a fisioterapeuta Giulia Trappoloni e a comunicadora Andrea Garreffa decidiram fazer um contra-comício na Piazza Maggiore, em Bolonha, usando o Facebook para divulgar o evento. Os quatro esperavam reunir, no mínimo, 6.000 pessoas para ultrapassar a concentração de apoiadores de Salvini, limitada à capacidade de 5.700 indivíduos da arena esportiva. Em vez disso, mais de 15.000 pessoas compareceram.

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Enquanto a coalizão de direita segue com sua campanha, mais Sardinhas aparecem em outras cidades de Emilia-Romagna, espalhando-se pela Itália e até na França e na Bélgica. Zombando do movimento, Salvini escreveu no Twitter que prefere gatinhos porque “eles comem sardinhas quando estão com fome”.

Mas o político já não está mais tão seguro: em uma pesquisa feita em novembro, 40% dos italianos disseram que o grupo é agora o “inimigo mais perigoso” de Salvini. “Os Sardinhas já reduziram o impacto midiático de Salvini, pondo em xeque seu discurso de que é o único capaz de reunir grandes multidões”, diz Salvatore Vassallo, professor de ciência política da Universidade de Bolonha. Para ele, o movimento também sacudiu os indecisos, fazendo pessoas que não costumam votar refletirem.

Antes de ser expulso do governo em agosto, depois de sua tentativa fracassada de derrubar uma coalizão com o Movimento Cinco Estrelas (M5S) e convocar novas eleições, retirando o apoio do Liga, a principal conquista de Salvini quando estava no cargo foram suas medidas draconianas anti-imigração, sintetizadas no “Decreto sicurezza”, que inclui o fechamento de portos marítimos para refugiados.

Mesmo assim, seu partido perdeu pouca força, com cerca de 33% das intenções de voto para a próxima eleição geral na Itália. “Salvini conseguiu uma base ampla politizando os sentimentos anti-imigração e anti-União Europeia, decorrentes da profunda crise econômica”, diz Elena Calandri, professora do Departamento de Ciência Política da Universidade de Pádua. 

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Agora, seu maior objetivo é conquistar com o Liga as eleições de 26 de janeiro do ano que vem em Emilia-Romagna, considerada uma das “regiões vermelhas”, governada pela esquerda ou centro-esquerda desde a II Guerra Mundial. Seria uma repetição da façanha na Umbria, que em outubro escolheu pela primeira vez na história um governo de direita com 57% dos votos.

Enquanto isso, os Sardinhas vão continuar seus esforços para consolidar uma oposição ao Liga de Salvini. Misturando motes históricos, como a canção associada à esquerda Bella Ciao, com a moderna mobilização por meio das redes, o movimento é marcado pela não-violência, leveza, bom-humor e muitos peixinhos coloridos. 

“O populismo vence quando as pessoas se deixam levar pelo medo, ignorância, incompetência, respostas fáceis para problemas complicados. Queremos acender a luz novamente, para mostrar que não vamos ficar parados e assistir tudo isso acontecer”, diz Cecilia Borotto, organizadora da manifestação em Pádua na sexta-feira, 20.

O grupo tem potencial de ser um novo e revigorado M5S, que também começou com protestos populares em massa em 2007. Mas com ideário completamente distinto. Algumas pesquisas já mostram que os Sardinhas seriam capazes de capturar 17% dos votos em uma eleição geral – só que os envolvidos refutam a ideia de formar um novo partido.

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“Mas não por isso somos anti-políticos, pelo contrário. Queremos reunir as pessoas, fazer com que participem e se interessem pela Res Publica, a coisa pública, que pertence a todos e cada um de nós”, completa Borotto. De qualquer forma, com os Sardinhas, o mar não está para peixe para o populismo na Itália.

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