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O show do poderoso

Jeff Bezos, o bilionário adúltero, publicou tentativa de chantagem que sofreu, envolveu Donald Trump no escândalo e ainda ganhou ares de mocinho da história

Por Maria Clara Vieira Atualizado em 15 fev 2019, 07h00 - Publicado em 15 fev 2019, 07h00

Se alguém duvidava, convenceu-se agora do merecimento da fama que o precede: Jeff Bezos, o dono da Amazon, é implacável e não dá ponto sem nó. O homem de 130 bilhões de dólares começou o ano na incômoda posição de telhado, quando seu romance extraconjugal com a exuberante morena Lauren Sanchez estampou a capa (e onze páginas internas) do National Enquirer, um tabloide de quinta categoria vendido nos caixas de supermercados nos Estados Unidos. Um mês depois, Bezos tornou-se a pedra que espatifou uma tentativa de chantagem por parte da empresa que publica o Enquirer, a American Media (AMI), e espalhou estilhaços na direção de alvos muitas órbitas acima de um mero jornal de fofocas. Um deles resvalou na Arábia Saudita. Outro, afiadíssimo, apontou para Donald Trump, seu público e notório desafeto. “Se, na minha posição, eu não puder resistir a esse tipo de extorsão, quantas pessoas poderão?”, perguntou Bezos, do alto do pódio de mais rico do mundo, dono da empresa mais valiosa do planeta.

O contra-ataque foi disparado na quinta-feira 7, quando Bezos postou no Twitter um convite a seus seguidores para que conhecessem o andamento de suas conversas com a AMI depois que o escândalo estourou, seguido de um link. Quem clicou no link chegou a um texto intitulado “Não, obrigado, sr. Pecker” — referência a David Pecker, dono da AMI —, escrito de próprio punho por Bezos, revisado por um pelotão de advogados e publicado na plataforma Medium. Era bomba em cima de bomba (veja trechos abaixo). Recusando-se a ceder “à chantagem e à extorsão”, Bezos relatou os contatos que manteve, primeiro por meio de advogados, depois diretamente com Dylan Howard, diretor editorial da empresa.

DESAFETO – Trump: primeiro, tuíte irônico sobre “Jeff Bozo”; depois, silêncio (Nicholas Kamm/AFP)

O texto reproduz na íntegra os e-mails que recebeu, sendo o mais incriminador aquele em que a AMI exigia que ele garantisse publicamente não dispor de nenhuma evidência de que a publicação de seu caso amoroso tinha motivação política. Se não fizesse isso, o National Enquirer publicaria dez selfies em seu poder, descritas em seguida — a primeira, tirada “abaixo do cinto” —, além de trocas de mensagens inéditas. Em vez de ceder, Bezos resolveu “virar o galho e ver o que rasteja para fora dele”.

Depois de expor a tentativa de chantagem, ele pôs-se a fazer exatamente o contrário do que era exigido — enfileirou insinuações de que a capa do Enquirer que destacava sua traição teve, sim, motivação política (com o efeito colateral óbvio de vender feito água). Trump, diz, o considera um “inimigo” desde que comprou, em 2013, o influente jornal The Washington Post, que lhe faz oposição cotidiana. Um ponto de especial atrito é a insistência do Post em que se apure o assassinato, em outubro, do jornalista saudita Jamal Kashoggi, colunista da publicação, no qual é cada vez mais evidente o dedo do príncipe Mohammad bin Salman, homem forte da Arábia Saudita e amigo de fé do atual governo americano. Os sauditas também têm seus laços com a AMI, que antes de uma visita do príncipe a Washington publicou uma revista tecendo loas ao “Reino Mágico” — relações essas que Bezos descreve como “particularmente sensíveis”, sem se estender no assunto.

AMIGO DOS AMIGOS - Pecker: o dono do ‘National Enquirer’ revelou em primeira página o caso de Bezos com Lauren (à dir.) para “deixar Trump feliz” (Marion Curtis/Reuters/Marc Royce/Corbis/Getty Images)

O texto não fala expressamente, mas a rede de clientes inteira da Amazon sabe que Pecker, o dono da AMI, é unha e carne com Trump há décadas. Unindo-se a Michael Cohen, advogado e faz-tudo do presidente que foi preso no ano passado, Pecker participou de uma manobra nos meses que antecederam a eleição presidencial para evitar que a ex-coelhinha da Playboy Karen McDougal saísse contando que tinha tido um caso com Trump: o National Enquirer comprou os direitos de exclusividade sobre a história dela por 150 000 dólares — e a engavetou. Em dezembro, a AMI confessou a transação — que pode configurar gasto não declarado de campanha — e livrou-se de punição, desde que não se metesse em nenhuma enrascada por três anos. Promotores federais já estão investigando se o acordo foi rompido.

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Paralelamente, o investigador contratado por Bezos para descobrir quem vazou as mensagens de texto ao Enquirer (“Quero beijar você, respirar você, te abraçar apertado”, suspira), Gavin de Becker, número 1 em segurança de celebridades, concluiu sua busca e chegou a alguém “bem conhecido” de Bezos e de Lauren. Com essa fala, Becker praticamente confirmou que o vazador é o principal suspeito, Michael Sanchez, irmão dela — e trumpista de primeira hora. Ele nega, mas admite que frequenta os corredores da AMI e lá ouviu que o tabloide estava preparando uma “reportagem bombástica que iria deixar Trump feliz”. O presidente, indagado se soube com antecedência da investigação do Enquirer — “a mais completa da sua história” —, respondeu que não.

MANOBRA - Cohen: o advogado envolveu o tabloide na compra do silêncio de Karen McDougal (à dir.) sobre encontros com o presidente (Mary Altaffer/AP Photo/Foto/Reprodução)

A picuinha de Trump com Bezos vem de longe, instigada pelo primeiro — o dono da Amazon raramente comentou o assunto. Em seus tuítes, o presidente costuma se referir ao “Amazon Washington Post”, embora o jornal seja propriedade de Bezos, e não do serviço de vendas on-line. Quando o escândalo amoroso explodiu, o incansável Twitter presidencial zombou: “Jeff Bozo foi derrubado por reportagem de um concorrente muito mais precisa do que as do seu jornal lobista”. “Acho que Bezos se importa muito menos com Trump do que Trump com ele”, disse a VEJA David Smith, correspondente em Washington do jornal britânico The Guardian, que acompanha a disputa entre os dois desde o começo e acredita que o presidente age como age porque se ressente de o empresário ser mais rico, bem mais rico, do que ele próprio.

Tivesse ou não objetivos espúrios, a história contada pelo National Enquirer na edição de 10 de janeiro — um dia depois de Bezos e a mulher, MacKenzie, anunciarem no Twitter, sempre ele, que estavam se separando “amigavelmente” — veio repisar a batida questão da falta de privacidade na internet e suas consequências, com um componente extra: justo Bezos? Como alguém nascido e criado no mundo virtual, com domínio total dos algoritmos, pode cair na velha armadilha de postar fotos e textos inapropriados em uma rede social, em um convite ao vazamento? “Certas coisas se tornaram tão naturais que as pessoas se esquecem dos riscos. Abrimos o WhatsApp, enxergamos só nossos contatos e nos sentimos seguros, o que está longe da realidade”, alerta o filósofo Luiz Felipe Pondé. Texto publicado, Bezos segue a vida no silêncio habitual. Não apareceu mais em público com Lauren, descendente de mexicanos que já foi apresentadora de TV e é dona de uma empresa que aluga helicópteros para filmagens aéreas (ela mesma pilota as máquinas). O temor inicial de que o escândalo abalasse as ações da Amazon não se confirmou. E Jeff Bezos, o marido adúltero, adquiriu certa aura de herói. Trump deve estar se roendo.


O blog da discórdia

Em um texto de 2 000 palavras, Jeff Bezos escancarou uma chantagem e insinuou os motivos por trás dela. Eis alguns dos principais trechos

A denúncia
“Claro que não quero que as fotos apareçam, tampouco vou participar da prática costumeira deles de chantagem, troca de favores, ataques políticos e corrupção.”

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A extorsão
“Eles divulgarão as fotos íntimas se (…) não declararmos publicamente que ‘não temos conhecimento ou base para sugerir que a reportagem (…) é politicamente motivada ou influenciada por forças políticas’.”

As forças ocultas
“É inevitável que pessoas poderosas que são alvo da cobertura do Washington Post concluam erroneamente que sou seu inimigo. O presidente Trump é uma dessas pessoas.”

O ângulo saudita
“A cobertura essencial e implacável do Post do assassinato do colunista Jamal Kashoggi é, sem dúvida, impopular em certos círculos.”

 

Publicado em VEJA de 20 de fevereiro de 2019, edição nº 2622

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