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O reinado do “mágico”

Com uma vitória apertadíssima, Netanyahu faz jus à fama de superar todos os obstáculos, mas enfrentará uma oposição mais consolidada e uma nação dividida

Por Julia Braun, de Jerusalém
Atualizado em 30 jul 2020, 19h50 - Publicado em 12 abr 2019, 07h00

Ao sair vitorioso de uma disputa superacirrada, que lhe dará o quinto mandato como primeiro-ministro, Benjamin Neta­nyahu, chamado de “mágico” por seu eleitorado, confirmou a fama de político habilidosíssimo, capaz de virar a seu favor as situações mais espinhosas. Ao longo da campanha, Netanyahu enfrentou três processos por corrupção — dois deles envolvendo pagamentos e concessão de favores a meios de comunicação em troca de cobertura favorável na imprensa —, acusações de racismo e críticas ferozes por sustentar uma política cada vez mais truculenta contra os palestinos. Nada colou — ao menos por enquanto.

A votação foi tão apertada que na noite de terça-feira 9, fechadas as urnas, Netanyahu — em meio a confetes e abraçado à mulher, Sara — e seu principal adversário, o general Benjamin Gantz, ex-chefe do Estado-­Maior do Exército, proclamaram-se vitoriosos. Na manhã seguinte, porém, o placar de fato deu empate aos partidos dos dois candidatos: do total de 120 assentos no Knesset, o Parlamento israelense, o Likud do primeiro-­ministro levou 35 e o Azul e Branco de Gantz, outros 35. A diferença a favor de Bibi, como o premiê é chamado, veio da coalizão praticamente certa com duas legendas ultraortodoxas e de direita, Shas e Judaísmo Unido da Torá, com oito cadeiras cada uma, o que lhe garante maioria parlamentar. “É essencial para Netanyahu que sua base no Knesset ­esteja realmente comprometida a apoiá-lo na travessia de um difícil período de investigações e processos na Justiça”, diz Shmuel Rosner, analista do israelense The Jewish People Policy Institute (JPPI).

Em relação aos processos, cuja investigação se arrasta há anos e que envolvem inclusive Sara, a reação de Netanyahu sempre foi negar tudo e, à moda do amigo Donald Trump e de outros líderes abaixo do Equador, acusar a mídia de promover uma “caça às bruxas”. A data da primeira audiência ainda não foi definida, mas o Ministério da Justiça já anunciou que aceitará a abertura de inquérito. Durante a campanha, o Likud exibiu outdoors com provocações a alguns dos principais jornalistas de Israel, enquanto o próprio primeiro-ministro batia na tecla de que é “vítima de perseguição” por parte da promotoria e dos juízes. Agora, a já aventada proposta de instituir o foro privilegiado no país ganha mais chance de vingar no novo Parlamento.

Apoiado em bons resultados na economia e na segurança interna, questão crucial em Israel, Netanyahu burilou à exaustão a imagem de único político capaz de governar o país com mão firme, convencendo seu eleitorado, majoritariamente à direita, a fechar os olhos para enroscos com a Justiça. “Ele conseguiu, ao longo dos anos, bloquear a ascensão de potenciais rivais dentro de seu partido e nas legendas aliadas”, diz o professor de ciência política Gideon Rahat, da Universidade Hebraica de Jerusalém. “Fez com que as pessoas acreditassem que pode ser corrupto, pode não ser tão bom para o país, mas não existe ninguém para tomar seu lugar.”

O discurso teve repercussão positiva entre os eleitores mais velhos que votam desde sempre na direita, mas também entre os jovens. Robbiai Levankand, de 27 anos, estudante de química da Universidade de Jerusalém, votou em Netanyahu e acha “muito cedo” para dizer se ele é mesmo culpado de corrupção. “Por ser quem é, o premiê recebe tratamento diferente e é alvo de investigações mais duras”, disse a VEJA, ressaltando que “o país vai bem, temos segurança contra os inimigos e estamos nos aproximando de outros países, inclusive o Brasil”.

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EMPATE - O opositor Benjamin Gantz: ele também levou 35 assentos (Menahem Kahana/AFP)

As manifestações de apreço vindas de aliados externos contribuíram bastante para insuflar a imagem do primeiro-ministro como líder indispensável com relevância no cenário mundial. Pouco antes da eleição, Netanyahu visitou Washington e recebeu de presente de Trump uma declaração assinada que reconhece o direito de Israel às Colinas de Golã, território sírio capturado na Guerra dos Seis Dias e desde então considerado sob ocupação por organismos internacionais. No embalo desse endosso, prometeu anexar também partes da Cisjordânia — o território reservado à Palestina se as duas partes algum dia chegarem a um acordo. Logo depois, deslocou-se até Moscou para uma cerimônia em que Vladimir Putin entregou os restos mortais, recuperados na Síria, de um soldado israelense desaparecido há 37 anos. O anúncio de Jair Bolsonaro, em visita oficial ao país, da abertura de um escritório comercial em Jerusalém decepcionou, por ser menos que a embaixada prometida, mas teve efeito eleitoral positivo para Netanyahu.

Embora tenha saído fortalecido da votação, os próximos anos não serão fáceis para o primeiro-ministro. Seu xará, Benjamin “Benny” Gantz, mostrou-se um adversário poderoso, tanto pelo atrativo de ser “novo na política” — além de ser militar, uma categoria admirada no país — quanto pelo fato de posicionar-se nominalmente no centro, mas com nítida inclinação para a direita moderada. No meio dos dois candidatos, a população árabe-­israelense nem saiu de casa para votar — o comparecimento foi de meros 46%, bem abaixo dos 63,5% registrados em 2015 (quando Netanyahu fez circular o boato de que os árabes estavam indo em massa às urnas, o que tirou os judeus israelenses de casa e lhe garantiu a vitória).

O Likud também foi acusado de suprimir ainda mais o voto árabe ao instalar 1 300 câmeras ocultas nas salas de votação de árabes israelenses. A desculpa adotada foi evitar a fraude generalizada dos eleitores. Algumas declarações ruins feitas pelo premiê ao longo dos anos, sobretudo quanto aos palestinos e árabes, também incomodaram parte do eleitorado israelense, principalmente em relação à sua aliança com o partido de extrema direita Otzma Yehudit, cujo líder foi impedido de concorrer nas eleições por incitar o racismo e insinuar que os árabes deveriam ser expulsos de Israel.

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COLINAS DE GOLÃ - O apoio de Trump ao reconhecimento do território impulsionou a campanha do Likud (Ammar Awad/Reuters)

“Netanyahu só se preocupa com segurança, deixando de lado aspectos relevantes como educação e questões sociais”, queixou-se a VEJA a estudante Mona, de 20 anos, que se define como árabe, entende que nenhum partido a representa de fato e não foi votar. “Bibi divide as pessoas”, afirma Bar, de 29 anos, estudante de matemática, igualmente israelense de ascendência árabe, que também prefere não declarar o sobrenome. “Ele nunca foi primeiro-­ministro de todo o povo de Israel e não respeita quem pensa diferente.”

Ao celebrar a vitória, Netanyahu prometeu: “Este será um governo de direita, mas eu pretendo ser o primeiro-ministro de todo Israel, direita e esquerda, judeus e não judeus”. Pouca gente acreditou. A reeleição tem uma mensagem: manter Israel onde está agora, engajado na onda conservadora que varre o planeta (a ponto de ignorar as críticas e receber com honras os líderes extremistas da Polônia e da Hungria) e, claro, indiferente às negociações de paz com os palestinos.

Publicado em VEJA de 17 de abril de 2019, edição nº 2630

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