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O que a arrecadação de dinheiro revela sobre o embate entre Trump e Biden

Um debate repleto de insultos pouco mudou o cenário da eleição americana — a não ser para encher ainda mais o cofre da campanha de Biden

Por Ernesto Neves Atualizado em 4 jun 2024, 15h09 - Publicado em 2 out 2020, 06h00
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  • Já faz tempo que os debates das eleições americanas, principalmente às vésperas do voto, pouco contribuem para mudar a ordem das coisas. Mesmo assim, na terça-feira 29 era grande a expectativa do primeiro embate frente a frente de Donald Trump, velha raposa do showbiz, com Joe Biden, autor de memoráveis lapsos de memória e frases desconexas no começo da campanha presidencial americana. Trump usaria sua tarimba de condutor de reality show para engolir Biden? Ou iria Biden, bem preparado, fazer Trump escorregar nas meias verdades e nos excessos verborrágicos? No fim, não deu nem uma coisa, nem outra. Os dois se pegaram desde o primeiro minuto, com o republicano interrompendo toda e qualquer tentativa de discurso do democrata, e este, por sua vez, apelando para uma agressividade inédita, com frases do tipo “Dá para você calar a boca?” e insultos na linha de “palhaço”, “mentiroso” e “bobo”— para espanto dos analistas e dos espectadores, que jamais haviam visto tamanho arranca-­rabo no horário nobre.

    De acordo com pesquisa da rede de TV CBS logo após o debate, 48% acharam que Biden venceu, mais por não confirmar a imagem de “velho gagá” disseminada pela Casa Branca do que pelo que efetivamente falou. “Qualquer desempenho razoável dele surpreende positivamente o eleitor”, diz Karl Rove, que trabalhou como estrategista eleitoral para o ex-­presidente George W. Bush. Dos entrevistados, 41% deram a vitória a Trump, replicando os porcentuais de intenção de voto registrados nos últimos levantamentos. A grande maioria — 69% — considerou o confronto “irritante”.

    Efetivamente, quem mais saiu perdendo na gritaria foi Trump, já que está consistentemente sete ou oito pontos atrás de Biden nas pesquisas e precisava virar a mesa. A seu favor, no entanto, contou a pouca ênfase dada pelo candidato democrata à revelação, feita pelo jornal The New York Times, de que, antes de se eleger, o presidente passou anos registrando prejuízos milionários e esgrimindo manobras fiscais para pagar zero imposto de renda. No ano em que foi eleito e no seguinte, compareceu — com 750 dólares de cada vez. No debate, Trump limitou-se a afirmar sem provas que pagou “milhões e milhões” em tributos e que suas declarações estão sendo auditadas — daí não tê-las aberto ao público, como é costume. E o assunto ficou por isso mesmo. Antes da eleição em 3 de novembro, Trump e Biden têm mais dois debates pela frente, em 15 e 22 de outubro. Diante do desastroso espetáculo do primeiro, a Comissão para Debates Presidenciais avisou que vai impor novas regras — sem especificar quais —, para garantir “uma discussão mais estruturada das questões”.

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    A essa altura da campanha, com menos de 10% de eleitores indecisos, o máximo de resultado que soluços como o debate na TV podem trazer é injetar mais dinheiro no cofre eleitoral de cada um. Nesse quesito, de novo, Biden saiu na frente: enquanto o furdúncio se desenrolava na frente das câmeras, pingaram 4 milhões de dólares em doações para a sua eleição. O candidato democrata comeu poeira em arrecadações durante meses, mas sua virada nas pesquisas, motivada principalmente pela desaprovação geral à maneira como o governo enfrentou a pandemia — dois terços da população a condenam, segundo pesquisa de setembro — e pelos frequentes destemperos verbais de Trump, enquanto Biden permanecia confinado no escritório montado no porão de sua casa em Delaware, fazendo uma ou outra live, inverteu o fluxo das doações (veja no quadro acima).

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    Outro fator de injeção financeira na campanha democrata foi a indicação para vice, em agosto, da senadora Kamala Harris, que circula com desenvoltura entre a elite de Hollywood. Nas 48 horas que se seguiram ao anúncio, 240 000 pessoas enviaram donativos superiores a 200 dólares para a campanha, um recorde. Nascida na Califórnia, Harris utiliza suas conexões no mundo artístico para empreender maratonas de doações on-line. Em uma delas, comandada pelas humoristas Amy Poehler e Maya Rudolph, do Saturday Night Live, foram arrecadados 6 milhões de dólares. “Kamala Harris transita bem tanto entre os americanos que apoiam o discurso de lei e ordem quanto entre os mais progressistas”, diz Thomas Meaney, analista de política internacional. Os esforços têm compensado: em agosto, Biden recebeu 364 milhões de dólares, 150 milhões a mais do que Trump. É um indicador significativo, já que 90% das eleições passadas foram vencidas pelo candidato com mais recursos. Uma exceção foi a derrota de Gerald Ford para Jimmy Carter, em 1976 — o republicano tinha os cofres cheios, mas quem venceu foi o democrata.

    Escaldados com os erros de previsão e com o imponderável Colégio Eleitoral, os analistas não cravam a vitória de Biden, mesmo ele tendo consolidado vantagem sobre o rival nas pesquisas e aparecendo nas bolsas de apostas com 60% de chance de ganhar, além do dinheiro no bolso. O estatístico Nate Silver, do site FiveThirtyEight, aponta que a vantagem de Biden sobre Trump está apertada em Ohio, Michigan, Flórida e Pensilvânia, estados decisivos na hora de contabilizar os votos do Colégio Eleitoral — e lembra que, em 2016, o republicano bateu Hillary Clinton nos quatro. O FiveThirty­Eight calcula que Trump tem 10% de chance de perder no voto popular e ainda assim sair vencedor, como aconteceu na eleição anterior. Tampouco sai da memória dos especialistas o fato de que a dianteira que Biden exibe hoje é semelhante à de Hillary na mesma época há quatro anos e de que a diferença a partir daí foi se estreitando até chegar a dois pontos nas pesquisas de boca de urna — e dar no que deu.

    Publicado em VEJA de 7 de outubro de 2020, edição nº 2707

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