O prefeito-cupido que queria acabar com a solteirice da vila
Temendo extinção da pequena aldeia onde moradores deixaram de casar e ter filhos, Jozef Gajdos fez uma forte campanha em prol do amor - que virou filme
“Estamos organizando um baile, um encontro de solteiros. É verão, quem sabe não conseguimos despertar os seus hormônios e fazer vocês se interessarem uns pelos outros?”
Jozef Gajdos, prefeito da vila de Zemplinske Hamre, em alto-falantes
Dodo Barna guarda duas garrafas de um destilado grego refinado como tesouros preciosos. Elas estão reservadas, explica, para uma noite romântica com “aquela” mulher especial – que ainda não conheceu. Na verdade, ele parece bem mais interessado em gastar seu tempo assistindo a uma boa partida de futebol na TV do que à caça de pretendentes a seu brinde de luxo. Sem se preocupar com sua solteirice, Barna é um típico morador da pequena vila de Zemplinske Hamre, no leste da Eslováquia, onde a solidão é a companhia mais constante. Tudo resultado de anos de comunismo, onde a privacidade não passava de artigo de luxo inatingível. Por isso, quando viram cair o Muro de Berlim, na Alemanha, essas pessoas só queriam ter o prazer de curtir o conforto de suas casas, sem serem obrigadas a compartilhar cada detalhe de sua rotina. Pouco a pouco, acabaram abrindo mão da vida social e, consequentemente, fecharam-se a novos relacionamentos. Sem casamentos nem novas famílias se formando, a população se reduziu: de 2.000 a 1.300 habitantes. O prefeito da cidade, Jozef Gajdos, começou a temer que a aldeia entrasse em extinção. E decidiu atacar de cupido.
Enquanto países como a China começavam a pressionar seus habitantes com rígidas leis de controle de natalidade, Gajdos oferecia incentivos financeiros para maiores de 26 anos que se casassem e tivessem filhos no decorrer de um ano. Ninguém foi recolher o prêmio. Então, o prefeito decidiu adotar uma estratégia mais agressiva. “Estamos organizando um baile, um encontro de solteiros. É verão, e quem sabe não conseguimos despertar os seus hormônios e fazer vocês se interessarem uns pelos outros?”, anunciou, nos alto-falantes da vila. Nessa época, em 2008, a cineasta tcheca Erika Hnikova visitava Zemplinske Hamre. Aos 30 anos e solteira pela primeira vez em muito tempo, ela viu nessa curiosa história o tema para um novo filme, que chamou de The Matchmaking Mayor (O Prefeito Casamenteiro, em tradução livre) e será lançado em DVD no próximo mês.
Comunismo – A realidade vivida em Zemplinske Hamre escancara um problema pelo qual passaram muitos países do Leste Europeu, explica Erika. Após o fim da II Guerra Mundial, ainda como parte da Tchecoslováquia, a Eslováquia foi absorvida pela onda vermelha soviética. Durante os anos de comunismo, o casamento era visto principalmente como uma oportunidade financeira. Com a construção de uma nova família, o jovem casal poderia pleitear uma casa concedida pelo governo, já que não existia mercado imobiliário. “Além disso, muitas pessoas queriam ter famílias, pois elas eram vistas como ‘ilhas de liberdade’, onde se poderia fazer o que se quisesse e dizer o que se pensava sem temer”, lembra a cineasta. “Nesses anos, havia ainda organizações e clubes, e as pessoas trabalhavam juntas para a comunidade. Também existiam locais onde aconteciam bailes toda semana (eram uma espécie de fuga da repressão imposta pelo partido comunista). Depois de 1989, assistimos ao colapso dessas casas culturais. Foi o caso de Zemplinske Hamre. O baile que filmamos foi o único daquele ano inteiro. Eles nem sequer celebram o ano novo juntos. Ficam em casa, assistindo TV”.
O baile – O acordo de separação pacífica entre República Tcheca e Eslováquia em 1993 – apenas três anos após o fim do comunismo – promoveu o advento da vida privada aos dois países. O divórcio e a opção por estilos de vida que não incluíam o casamento cresceram consideravelmente. Em Zemplinske Hamre, os habitantes aderiram a um ritmo caseiro e egocentrista, centrado em seus trabalhos, religiões e projetos pessoais. É o caso de Janco Ogurcak, um mecânico que dialoga muito melhor com o motor de seus carros do que com mulheres, mas não dispensa uma música romântica na hora de trabalhar. Ou Monika Maxova, uma mulher religiosa que vive com a mãe e se alimenta de amores platônicos e filmes românticos.
Para Gajdos, porém, nada disso era suficiente. Casado, paternalista e fã de um longo sermão, o prefeito começou a discursar a cada dois dias sobre as vantagens do casamento e da família enquanto tentava animar os “solteirões” da vila a participar de seu baile. Até mesmo Erika e sua equipe foram vítimas de seus ataques de cupido. “Quando chegou aos ouvidos do prefeito que eu era solteira, ele queria me casar com qualquer homem de Zemplinske Hamre. E depois que eu dei a desculpa de que não podia me relacionar com ninguém dali, pois não haveria onde eu pudesse trabalhar, ele me arrumou também um emprego na TV local”, conta a cineasta, aos risos. “Já o camera e o técnico de som viraram sensações entre as mães da vila, que queriam que eles conhecessem suas filhas.”
Os planos do prefeito, porém, não poderiam ter sido mais frustrados. Além da abordagem agressiva, que foi recebida como ofensa por muitos moradores, o evento amargou uma série de fracassos que foram desde a lista de convidados até a programação da noite. Os pretendentes foram constrangidos em uma série de jogos cafonas e – pior – tiveram de fazer isso diante das mães, que também foram convidadas à festa. Zemplinske Hamre tinha esquecido também como é que se fazia para namorar. Após ver o filme, Gajdos se deu conta do desastre do evento e desistiu de bancar o cupido. No último ano, nenhum anúncio relacionado a casamentos foi ouvido nos alto-falantes. Quanto à Erika, apaixonou-se durante a edição do documentário e, hoje, está em uma relação estável e feliz. “Mas não com um dos pretendentes sugeridos pelo prefeito”, faz questão de ressaltar.
Confira no vídeo abaixo o trailer do filme: