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O personalismo de Chávez

Por Manuela Franceschini
14 ago 2010, 13h50

“Chávez mostrou boa vontade com Santos, mas não podemos esquecer que ele também mostrou boa vontade quando Obama assumiu”

Ricardo Gualda é especialista em Venezuela e pesquisador da Universidade de Columbia, em Nova York. Ele aponta um cenário incerto diante do “jogo do xadrez político, de declarações” mantido pelos presidentes Chávez e Santos nos últimos dias. Sobre a retomada econômica, pondera: “Precisamos ver em que medida isso não é apenas uma questão circunstancial política”. Para Gualda, o governo personalista de Chávez torna a situação imprevisível. Os dois países, apesar de muito próximos culturalmente, apresentam discordâncias irreversíveis. “Chávez é centralizador, nacionalista, socialista, e a Colômbia não concorda com isso”, diz.

O que muda para os dois países com a reaproximação?

Precisamos ver em que medida isso não é apenas uma questão circunstancial política. Do ponto de vista institucional e estrutural, os problemas entre os dois continuam os mesmos – as Farc continuam agindo, a forte aliança colombiana com os Estados Unidos permanece. O que existe de novidade é o imponderável, que é a relação pessoal entre Santos e Chávez, o jogo do xadrez político, de declarações. A tendência é que o nível estrutural mude pouco. Chávez mostrou uma certa boa vontade com a figura pessoal de Santos, mas não podemos esquecer que ele também mostrou boa vontade quando Obama assumiu. Chávez tem divergências ideológicas e geopolíticas com a linha do governo da Colômbia – tanto com Santos quanto com Uribe. O socialismo bolivariano do Chávez é incompatível com a Colômbia, mas é inviável que eles fiquem rompidos diplomaticamente. É um absurdo, foi uma coisa calculada pelo Chávez, que sabia que a posse de um novo presidente estava por vir e que essa seria a solução. O rompimento foi personalista e o entendimento também.

Então essa amizade corre riscos de não se manter por muito tempo?

O governo Chávez é muito personalista e atravessa um momento de dificuldades e crises internas e externas. Fica difícil saber com que humor Chávez acordou. Se Santos resolve falar de novo das Farc, por exemplo, tudo pode mudar. No lado colombiano, também é difícil dizer o que vai acontecer. Não se sabe em que medida Santos vai tentar inovar. É um governo conciliador, mas que prometeu manter os mesmos pilares de segurança democrática de Uribe. De todo modo, os dois países são muito próximos culturalmente, mas incompatíveis politicamente. Eles seguem caminhos diferentes – Chávez é centralizador, nacionalista, socialista, e a Colômbia não concorda com isso.

Os dois países ainda são dependentes economicamente?

Já foram mais. Até 2005, eles estavam muito vinculados economicamente. A Venezuela exportava para a Colômbia, que por sua vez supria grande parte dos produtos agrícolas e industriais básicos do país de Chávez. A Colômbia sofreu muito economicamente por causa da crise entre os dois. O desemprego no governo vinha caindo e quando Chávez congelou as relações, no ano passado, o nível subiu muito. Os dois sempre dependeram um do outro, como exportador e importador. A Colômbia agora exporta muito para países asiáticos, para o Brasil, porque teve que buscar outros mercados. É difícil para o Brasil entender esse raciocínio pelo tamanho do país e porque estamos muito distantes culturalmente dos nossos vizinhos. Mas nos demais países da América Latina, a relação entre os vizinhos é muito diferente, é mais próxima e horizontal. Colômbia e Venezuela fizeram a independência juntos, têm os mesmos heróis. Há laços econômicos, culturais, políticos.

A retomada de relações é imediata no âmbito econômico?

Na Venezuela, o sistema de distribuição de alimentos e remédio, produtos que a Colômbia exporta, é feito pelo governo. Se o governo decreta que não vai mais importar, há um congelamento imediato, e ele tem esse controle pelo câmbio, pelas fronteiras. No caso de um descongelamento, em teoria é imediato, mas não se sabe se as empresas de abastecimento vão voltar a importar da Colômbia, ou se manterão os parceiros atuais.

Isso pode prejudicar o Brasil?

Depende do setor. Alimentos e produtos básicos podem sentir um pouco o impacto. Nada grave, porque o mercado entre Venezuela e Brasil vem crescendo muito nos últimos anos. Há um esforço de Chávez em se aproximar do Brasil e da China, que são quem investe no país com linhas de financiamento. Da última vez que Lula foi à Venezuela, foi com os bolsos cheio de dinheiro do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES). A Venezuela está em recessão desde 2008. China, Brasil, Argentina, Peru, são parceiros colombianos que só crescem. A Venezuela está decrescendo, então a demanda é muito mais baixa. De qualquer maneira, a política venezuelana de longo prazo de aproximação com o Brasil e o Mercosul é a grande prioridade. Não teria sentido romper com a Comunidade Andina e com a Colômbia e tentar agora um realinhamento completo. A única condição para que isso aconteça é o Mercosul definitivamente esnobar a Venezuela e recusar seu ingresso. Mas não acredito que isso vá acontecer, a situação se manterá em banho-maria por um bom tempo.

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