O indesejado amigo do presidente
Os protestos contra uma premiação a Bolsonaro nos EUA são resultado das diatribes nas redes sociais, a arte aprimorada por Donald Trump
Todos os anos, em setembro, Nova York, como sede da ONU, amarga um desfile de ditadores, cleptocratas vitalícios e genocidas vocacionais. Eles circulam pela metrópole com tanta proteção, presos a veículos blindados, que mal percebem os protestos convocados por dissidentes e exilados. Manda a etiqueta política que se tolere de tudo — esse padrão foi rompido uma única vez, recentemente, em 1995, quando o então prefeito, o republicano Rudolph Giuliani, pediu a saída do líder palestino Yasser Arafat do Lincoln Center, com a Nona Sinfonia de Beethoven prestes a começar.
O presidente Jair Bolsonaro esbarrou na ira de outro prefeito, o democrata Bill de Blasio, que foi ao Twitter para espinafrar a presença do brasileiro numa noite de gala no Museu Americano de História Natural, na qual receberia o título de Pessoa do Ano concedido pela Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos. Bolsonaro desistiu da viagem. Em entrevista ao programa de Luciana Gimenez, ele resumiu a ópera: “Ir para sua casa para ser maltratado eu não vou”. De Blasio, candidato a candidato à Presidência dos EUA, apesar da popularidade no chão, celebrou quando soube da desistência: “Seu ódio não é bem-vindo aqui”. Costura-se, agora, uma visita de Bolsonaro ao Texas.
Há, por trás da pressão que encurralou o presidente, o feitiço virando contra o feiticeiro. Tendo se aliado a Donald Trump, que governa por meio de tuítes, num moto-perpétuo de insultos e conflagração, Bolsonaro experimentou do veneno. Os diretores do Museu de História Natural receberam mensagens ácidas reclamando da postura torta de Bolsonaro em relação ao meio ambiente e aos índios. A Glaad, entidade pioneira na defesa da comunidade LGBT, entrou na briga. “Nos bastidores, fizemos sucessivos contatos com o museu”, disse a VEJA Zeke Stokes, diretor de programas da Glaad. “Explicamos as posições extremistas de Bolsonaro e sua retórica violenta.” A ONG procurou também patrocinadores do evento: a companhia aérea Delta, o jornal Financial Times e a consultoria Bain & Company, que acabaram se desligando da homenagem. Outro adversário da visita foi o senador estadual Brad Hoylman. Militante gay, ele deflagrou um abaixo-assinado eletrônico que já passa de 78 000 adesões.
“Não temos nada contra a Câmara de Comércio”, afirma Stokes. “Nosso problema é com o tributo a Bolsonaro.” Com tantos protestos, a gala foi transferida do Museu de História Natural para o hotel Marriott, mas sem Bolsonaro. Continua com inúmeros patrocinadores, como Itaú, Bradesco, Morgan Stanley e Citigroup, mas suas marcas sumiram da página da internet que anuncia o evento. A vida de Bolsonaro para além do alto escalão dos EUA está dura mesmo. Em março, quando se encontrou com Donald Trump na Casa Branca, foi recebido com protestos: “Not him”.
Publicado em VEJA de 15 de maio de 2019, edição nº 2634
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