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O destino de duas indonésias presas por tráfico no Brasil

Desde 2003, país expulsou mulheres de Jacarta detidas em flagrante nos aeroportos do Rio e SP com cocaína escondida em mala e esculturas sacras

Por Felipe Frazão 28 abr 2015, 20h20

Desde que os brasileiros Rodrigo Gularte, executado nesta terça-feira, e Marco Archer Moreira Cardoso, fuzilado em janeiro, foram presos com quilos de cocaína ao entrar na Indonésia, a Justiça brasileira condenou e o governo federal expulsou do país ao menos duas mulheres de Jacarta, capital do arquipélago no Sudeste Asiático, por tráfico internacional de drogas.

Assim como Gularte, elas foram presas em aeroportos como mulas de traficantes. Ao contrário deles, porém, as indonésias cumpriram alguns poucos anos de prisão e depois foram soltas – ambas receberam ordem de expulsão do país. Uma das indonésias teve a pena reduzida pela Justiça, e a outra, sem advogado constituído, foi amparada pela Defensoria Pública da União. Já os brasileiros presos na Indonésia, apesar dos apelos humanitários e diplomáticos, não obtiveram qualquer benefício da lei local e, após anos no corredor da morte, acabaram fuzilados.

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“Fazia do tráfico seu meio de vida” – Evi Sumiarti, de 37 anos, foi detida com cerca de 2,5 quilos de cocaína, em março de 2008. Ela viajaria para Bombaim, na Índia, com conexão em Dubai, nos Emirados Árabes. Mas depois de uma denúncia anônima, foi abordada pelos policiais na fila de check in de um voo da Emirates no Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo. Carregava seis imagens sacras de gesso representando a Santa Ceia. Os santos, ocos, estavam recheados de cocaína em pó.

Presa em flagrante, a indonésia admitiu envolvimento no crime e alegou que traficava para custear o tratamento médico de uma filha, o que não comprovou. Foi condenada a cinco anos e dez meses de prisão pela Justiça Federal. Evi Sumiarti tinha condições financeiras modestas e uma quantidade elevada de carimbos de imigração no passaporte, um indício de que se dedicava ao tráfico internacional. Eram “muitos registros de viagens anteriores sem justificativa”, anotou ministro Jorge Mussi, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que também descartou a hipótese de a indonésia ser uma traficante ocasional. Evi Sumiarti “fazia do tráfico seu meio de vida”, escreveu em sua decisão.

A Defensoria Pública da União, que costuma atuar em casos de estrangeiros presos no país, defendeu os interesses da traficante em todas as instâncias da Justiça. Sem que ela tivesse nenhum tipo de vínculo no país, como residência fixa, tentou fazer com que ela respondesse em liberdade. Depois de ter uma apelação negada pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, recorreu ao STJ e posteriormente ao Supremo Tribunal Federal (STF) na tentativa de diminuir a pena imposta à indonésia e de converter a punição em restrições de liberdade – e não ao regime fechado, mais danoso. Mas a defesa não prosperou.

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“A expressiva quantidade de droga apreendida, cerca de dois quilos e meio, a forma sofisticada de ocultação, em seis imagens sacras de gesso, a existência, no passaporte da paciente, do registro de diversas viagens internacionais, mesmo tendo ela condição financeira modesta, foram considerados pelas Cortes anteriores como indicativos de seu envolvimento significativo com o tráfico de drogas a serviço de grupo criminoso”, votou a ministra do STF Rosa Weber.

Evi cumpriu pena na Penitenciária Feminina da Capital, unidade prisional que reúne estrangeiras presas por tráfico. Em maio de 2013, ela deixou a cadeia, após ter dias da pena descontados por ter trabalhado no cárcere. Antes disso, em abril de 2011, o ministro José Eduardo Cardozo já havia assinado a portaria de expulsão de Evi. Até agora, no entanto, as autoridades não sabem o destino da indonésia. Consultada por meio da Lei de Acesso à Informação, a PF alegou que não poderia confirmar a saída de Evi do país por se tratar de informação pessoal sigilosa.

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“Nada estranho” – Então moradora do Rio de Janeiro, a indonésia Sri Lestari, de 42 anos, foi presa no Aeroporto Internacional do Galeão em março de 2006. Ela levava 8,2 quilos de cocaína, em tijolos escondidos no fundo falso de uma mala. Receberia 1.500 dólares (4.500 reais) para transportar uma encomenda, supostamente roupas e bagagens. O voo tinha como destino a cidade de Frankfurt, na Alemanha. Abordada pelos policiais federais no Galeão, foi presa em flagrante e condenada a quatro anos de prisão em regime fechado. No entanto, ela cumpriu apenas dois anos e quatro meses em regime semiaberto, após ter a pena reduzida pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região.

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A defesa de Sri Lestari alegou que ela não sabia que a mala tinha um fundo falso lotado de cocaína. Um das provas seria que ela reagiu com tranquilidade ao ser abordada pela PF no aeroporto. Os desembargadores acolheram parte da apelação. Para os magistrados, ficou provado que ela agiu como uma “mula” paga por traficantes, que era ré primária e que não havia “indicativos de que se dedicasse ao crime ou participasse de uma organização criminosa”.

Sri Lestari foi expulsa do país pela Polícia Federal, no dia 18 de agosto de 2008, de acordo com dados do Ministério da Justiça obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação. Enquanto ficou presa no Rio, Sri Lestari manteve contato telefônico com o filho Ari, que tem paralisia, com auxílio da Embaixada da Indonésia. Em março de 2009, já em Jacarta, ela deu uma entrevista à seção feminina do jornal indonésio Kompas sobre o período que passou na cadeia no Rio de Janeiro.

Divorciada, Sri Lestari é apresentada como uma costureira e comerciante de roupas que faliu em 2002 após a invasão de produtos chineses no mercado internacional. Ela tinha parceiros comerciais nigerianos, que a ajudavam a exportar roupas e sapatos artesanais para a África e fez dívidas com eles, após dar entrada em uma casa própria. Ela precisava de dinheiro para pagar o tratamento do filho, que adoecia e não movimenta metade do corpo, e quitar suas dívidas.

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“Cercado para animais” – A reportagem conta que uma série de indonésias são usadas como mulas por traficantes, conscientemente ou não. Sri Lestari, natural de Karanganyar, na Java Central, contou ter recebido um telefonema em seu quarto de hotel no Rio. Era o nigeriano de nome Ben, que já conhecia antes e a ajudava a vender roupas na África. Ele seria preso pela polícia da Indonésia por tráfico internacional em dezembro de 2006, em Jacarta. O nigeriano a contratou para transportar a mala (com a droga). Era a segunda vez que Sri Lestari levava uma mala para a Índia a pedido dele, sendo sempre guiada por celular. Ela disse que não havia “nada estranho”: eram roupas de marca, bolsas e brinquedos para crianças. Relatou que, ao ser pega, a polícia teve de usar uma faca para abrir o fundo falso.

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Ao menos dez indonésias foram presas entre 2000 e 2008 no exterior como mulas de traficantes de heroína, cocaína e meta-anfetamina – Sri Lestari era a que transportava a maior quantidade de droga, segundo o jornal.

Na cadeia no Rio, ela aprendeu português para se relacionar com as demais presas. Descreveu a cela, sem teto, como um “cercado para animais” e disse que trabalhou como massagista para as outras detentas. A indonésia manteve um diário na prisão, que agora quer transformar em livro. Ela agora procura emprego em Cullinan, Bogor, cidade localizada ao sul de Jacarta, em Java Ocidental, onde mora e tenta recomeçar a vida.

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