Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

O czar numa fria: as consequências da prisão de Navalny para Putin

O opositor é condenado a dois anos e oito meses, mas calar sua voz potente pode se tornar um problema maior ainda para o presidente russo

Por Julia Braun Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 5 fev 2021, 12h26 - Publicado em 5 fev 2021, 06h00

Foi com sentimentos mistos que o presidente russo Vladimir Putin viu, na terça-­feira 2, o ativista Alexei Navalny, seu maior inimigo e Voldemort particular (é um nome que Putin não pronuncia), ser condenado a dois anos e oito meses de prisão em uma colônia penal remota. Por um lado, satisfação: Navalny, 44 anos, tão articulado quanto teimoso, passará um tempo longe dos 6 milhões de inscritos em seu canal no YouTube e 2,5 milhões de seguidores no Twitter, justo quando atinge o auge da popularidade. De outro, preocupação: a equipe que o apoia usará as mesmas ferramentas para inflar sua capacidade de levar multidões às ruas contra o governo — agora, definitivamente, como um mártir da causa anticorrupção, condição a que começou a ascender quando, em meados do ano passado, em plena pandemia, foi envenenado e quase morreu. De dentro de um cercado de vidro no tribunal onde ouviu a sentença, Navalny desafiou o czar. “Eles não podem prender o país inteiro e cada vez mais a população se dá conta disso. O momento em que tudo vai desmoronar está próximo”, profetizou. Putin, ainda uma força inabalável na Rússia, deve ter sentido um arrepio.

Navalny mexeu os primeiros pauzinhos para expor a corrupção russa em 2008, tendo como alvo os conglomerados nascidos do desmonte das estatais soviéticas. Ninguém o conhecia. De denúncia em denúncia, entrou para a política, fez barulho, convocou protestos e foi se destacando entre os vários oposicionistas duramente reprimidos pelo Kremlin. Passados cinco anos, 37% dos russos já tinham ouvido falar dele. O governo o prendeu várias vezes, mas sempre por pouco tempo. Sofreu dois atentados com substâncias desconhecidas e, em um deles, perdeu parte da visão, mas foi em frente, denunciando o Rússia Unida, do governo, como “um partido de vigaristas e ladrões” — expressão que virou meme entre os jovens. Ampliando cada vez mais sua capacidade de mobilização popular, o ativista, nos últimos tempos, vinha promovendo a tática do “voto inteligente” — como o Kremlin costuma usar de todos os subterfúgios para barrar as figuras da oposição nas eleições, passou a recomendar que se votasse em qualquer candidato, de qualquer partido, que fosse contra o poder estabelecido.

PROVOCAÇÕES - Navalny no tribunal: “Vladimir, o envenenador de cuecas” -
PROVOCAÇÕES - Navalny no tribunal: “Vladimir, o envenenador de cuecas” – (Moscow City Court/AFP)

Estava nesta cruzada quando foi envenenado, em um vilarejo na Sibéria. Levado ao hospital mais próximo, entrou em coma, e assim foi transportado, em jato particular acionado por ONGs, para Berlim, na Alemanha. Lá se constatou a presença em seu organismo de um agente nervoso exclusivo dos serviços de inteligência russos. Ele se recuperou e voltou — agora, um nome reconhecido por 82% dos russos —, sabendo que seria preso. A acusação: violara os termos da liberdade condicional em um processo por suposta fraude financeira. “Vocês podem explicar como eu poderia ir à polícia informar minha localização se estava em um coma?”, ironizou, no julgamento. “O Kremlin teme a forma como Navalny mostra à população que há caminhos que não incluem Putin no poder”, avalia Ben Noble, especialista em política russa da University College de Londres. “Além disso, ele é mais jovem e carismático do que o atual presidente, o que o torna uma alternativa política e uma ameaça.”

Continua após a publicidade

Pouco antes de regressar, Navalny divulgou o áudio de uma conversa sua com um agente russo, fazendo-se passar por colega espião, em que a tentativa de envenenamento foi confirmada e, pela primeira vez, localizada: a substância teria sido colocada em sua cueca. Nas duas semanas em que passou atrás das grades, aguardando o julgamento, continuou se movimentando. Fez divulgar o documentário sobre uma mansão bilionária de Putin (100 milhões de visualizações no You­Tube). Também convocou a população a ir às ruas em dois fins de semana seguidos — e foi atendido. Multidões enfrentaram o frio, a neve e a truculência policial, de leste a oeste, ao longo dos onze fusos horários russos, com saldo de mais de 10 000 presos. No sábado 23, 120 cidades registraram atos de protesto, no que foi considerado o maior movimento popular de oposição ao governo desde os estertores da finada União Soviética.

Derrubar vinte anos de um regime forte e que ainda acumula 65% de popularidade não será tarefa fácil. “A estratégia é construir uma oposição capaz de, a curto prazo, impedir que o Rússia Unida conquiste maioria nas eleições parlamentares de setembro e enfraquecer a influência de Putin nos governos estaduais”, diz Peter Rut­land, professor da Universidade Wesleyan, nos Estados Unidos. Navalny conta também com a pressão dos governos estrangeiros contra sua prisão. Enquanto isso, cita antigos czares para seguir provocando Putin: “Tivemos Alexandre, o Libertador, e Yarloslav, o Sábio. Agora é a vez de Vladimir, o Envenenador de Cuecas”. Essa briga não acabou.

Publicado em VEJA de 10 de fevereiro de 2021, edição nº 2724

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.