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O corredor autoritário

Financiada pelo dinheiro do petróleo, a “revolução bolivariana”, liderada pelo venezuelano Hugo Chávez, expandiu o populismo na América Latina - e evidenciou a fragilidade da liderança brasileira na região

Por Álvaro Vargas Llosa
26 set 2013, 07h24

UM PROJETO DE DESESTABILIZAÇÃO

12 de março de 2008

Principal patrocinador político e financeiro das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), o então presidente venezuelano Hugo Chávez (1954-2013) disparou uma série de ameaças contra o governo de Álvaro Uribe depois que este ordenou um ataque aéreo contra um acampamento dos terroristas instalado na selva equatoriana. No bombardeio, acabou morto o segundo nome na hierarquia da organização, Raúl Reyes, de quem o líder venezuelano era amigo. Todo o barulho feito por Chávez em cima do episódio, destacou VEJA, tinha um só objetivo: promover uma escalada militar na região. Os avanços da Colômbia na guerra contra o narcoterrorismo minavam o projeto de desestabilização dos governos democráticos do continente alimentado por Chávez.

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TRECHO: “Sob a fachada da solidariedade bolivariana, Chávez busca estabelecer relações de dependência com os vizinhos. Na Bolívia, ele financiou a carreira de seu clone, Evo Morales. Rafael Correa é grato pelo petróleo equatoriano que a Venezuela refina a preços camaradas. (…) Chávez identifica na Colômbia o maior obstáculo a seu plano de expansão da revolução bolivariana, especialmente na América do Sul. O país é uma democracia, usufrui economia próspera e se tornou aliado-chave dos Estados Unidos. (…) A Colômbia é exatamente o contrário de tudo aquilo que Chávez acredita e defende.”

• Leia a reportagem na íntegra

Com a chegada de Hugo Chávez ao poder, nasceu a nova variante do autoritarismo latino-americano. Conhecida como “revolução bolivariana” e “socialismo do século XX”, ela tem quatro características: a revolução como pretexto para derrubar as instituições republicanas; a receita energética, sistema que, em vez de aumentar a produção das riquezas do subsolo, as descapitaliza e malbarata na conquista de clientelas eleitorais; a compra de in-fluên-cias externas para estender seu modelo aos muitos países que optaram pela via razoável; e, por último, a intenção de fazer da China um salva-vidas internacional que resolva todos os seus problemas.

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Durante alguns anos, a sorte pareceu sorrir para o populismo de Venezuela, Equador, Bolívia, aliados íntimos, e Argentina, um amigo próximo. Isso se deveu à bonança das commodities e ao uso de ingressos fiscais extraordinários (1,4 bilhão de dólares desde 1999 na Venezuela) para melhorar a qualidade de vida de uma ampla clientela social e política no curto prazo.

A Venezuela viu o preço do petróleo subir de 8 dólares o barril para três dígitos e utilizou 1 de cada 4 dólares das vendas do gigante petrolífero PDVSA para fazer populismo. A Bolívia, graças ao gás, que só requeria abrir as válvulas, viu sua arrecadação fiscal triplicar em sete anos (os Estados Unidos precisaram de quarenta anos para triplicar a sua). Assim como a Venezuela, a Bolívia pôs parte dessa bonança a serviço do populismo. Alguns países populistas, como a Argentina, registraram nesses anos, graças à soja e aos grãos, taxas de crescimento econômico de 8% em média. Não estranha, portanto, que, nos anos que precederam o fim da bolha mundial, nesses países da esquerda carnívora se registrasse uma queda da pobreza.

Mas a miragem acabou. A elevação meteórica dos gastos públicos, o aumento artificial da demanda, as expropriações e o ambiente agressivo contra o capital, a insegurança jurídica permanente e a retórica antiempresarial incendiária, tudo isso no contexto de uma ofensiva contra a democracia, só poderiam conduzir aos resultados que vemos hoje: inflação, desequilíbrio das finanças do estado, descapitalização da economia, taxas de crescimento muito fracas e muita corrupção.

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A produção de petróleo da Venezuela passou de 3,5 milhões de barris diários para 2,6 milhões. O Equador produz 40 000 barris a menos por dia e a Bolívia viu evaporar metade das reservas de gás natural, equivalentes a 4% de seu PIB, em parte desde a nacionalização. A arrecadação fiscal desses países já não consegue financiar seu populismo.

O investimento privado foi a pique e, com ele, a taxa de investimento geral. Na Bolívia, hoje, a principal fonte de investimento é o estado: o investimento público é muito superior ao investimento privado nacional, que não chega a 5% do PIB, e ao estrangeiro. No Equador, o valor do investimento estrangeiro acumulado caiu 40% durante o atual governo. A economia argentina, com escassíssimo investimento externo, cresceu apenas 2% no total em 2012. Para compensar a fuga de capitais e a queda acelerada das reservas, a Argentina estabeleceu controles que não eram vistos na América Latina desde Salvador Allende no Chile. O resultado de tudo isso é o sofrimento dos proletários e o fortalecimento dos grupos de poder próximos dos governos: no caso da Venezuela, a “boliburguesia”.

Mas as consequências do populismo “bolivariano” não são apenas as que estes povos padecem. Elas atingiram também a região em seu conjunto. Eu diria que foram três.

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Primeiro, a submissão política de vários governos dependentes do petróleo venezuelano, o que se refletiu nos organismos hemisféricos, a começar pela Organização dos Estados Americanos, onde a influência chavista foi desproporcional. A aliança entre Venezuela e Cuba controlou a política exterior de dezoito países por meio do mecanismo Petrocaribe, que permite ao Caribe e à América Central adquirir petróleo muito barato, e da Alba (Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América).

A segunda consequência: tornou-se muito difícil para as nações em melhor situação, como as da Aliança do Pacífico (México, Chile, Colômbia e Peru), exportar seu modelo para a região. Agora que o boom das matérias-primas terminou, as implicações são evidentes: muitos países da região não estão preparados para o que vem aí. Isso para não mencionar que a batalha pela democracia liberal sofreu um retrocesso.

A terceira consequência: a fragilidade da liderança do Brasil na América Latina (por sua vez, o vazio deixado pelo país ajudou a facilitar a projeção excessiva dos “bolivarianos”). Lamentavelmente, a potência sul-americana não quis assumir a liderança para promover um consenso regional sobre as benesses da democracia, da economia de mercado e da globalização. Brasília preferiu deixar que os países governados pela esquerda radical tivessem a iniciativa regional. Agora é tarde porque o Brasil se desacelerou economicamente e perdeu parte do brilho internacional que tinha.

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Como outras modas autoritárias, a dos “bolivarianos” passará. Mas sua contribuição para o subdesenvolvimento de vários países não deve ser esquecida.

Álvaro Vargas Llosa, peruano, é escritor e jornalista, autor de numerosos livros sobre economia política. Foi nomeado Jovem Líder Global pelo Fórum Econômico de Davos e eleito pela revista Foreign Policy um dos cinquenta intelectuais mais influentes da Ibero-América em 2012

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