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O clamor das ruas: os efeitos da onda de protestos contra o governo Netanyahu

Após onze meses de guerra contra o Hamas, morte de seis reféns israelenses desata manifestações

Por Ernesto Neves 7 set 2024, 08h00

Neste quase um ano de guerra na Faixa de Gaza, o governo de Israel vem sendo seguidamente acusado de dar prioridade à aniquilação do Hamas, em detrimento do resgate dos reféns ainda em poder do grupo palestino — resultado da bárbara incursão-surpresa em território israelense que deixou 1 200 mortos e sequestrou mais de 200 pessoas. O próprio primeiro-ministro Benjamin Netanyahu avaliza essa interpretação ao afirmar que acabar com o Hamas é requisito para a recuperação segura dos cativos. A postura inabalável de Netanyahu resistiu até agora a intensas pressões de todos os lados em favor de um acordo. Nos últimos dias, no entanto, o clamor pela volta dos reféns subiu de tom e se tornou ensurdecedor depois que a Força de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês) confirmou o resgate dos corpos de seis deles, todos jovens, aparentemente assassinados à queima-roupa, em um túnel de Rafah, ao sul da Faixa de Gaza. Três estavam nas listas de soltura em negociação.

As autópsias mostraram que Carmel Gat, Eden Yerushalmi, Hersh Goldberg-Polin, Alexander Lobanov, Almog Sarusi e Ori Danino foram executados com vários tiros dois a três dias antes da chegada das tropas. O Hamas confirmou que desde junho seus militantes têm “novas ordens”, não especificadas, para o caso de tropas da IDF se aproximarem dos prisioneiros. A crueldade das execuções horrorizou a população, o que era previsível, mas também teve um efeito inesperado: desencadeou uma revolta geral contra a operação militar em Gaza e uma explosão de protestos contra o governo de Netanyahu. Manifestantes tomaram as ruas de Tel Aviv, Jerusalém, Haifa e outras cidades, em atos que se replicaram ao longo da semana, inflamados por uma greve geral de um dia.

Para parcelas cada vez mais numerosas da sociedade, Netanyahu e a coalizão de extrema direita que o apoia não se empenham em negociar a libertação dos mais de sessenta sequestrados ainda vivos e 35 que se supõe estarem mortos. Acusado de usar a guerra para se manter no poder em um clima de vasta rejeição popular, o primeiro-ministro é prisioneiro da armadilha que criou: negociar o fim dos ataques em Gaza, a esta altura, é praticamente uma admissão de derrota perante os aliados ultradireitistas que o sustentam. “Peço perdão por não tê-­los trazido de volta vivos. O Hamas vai pagar um preço muito alto”, disse em pronunciamento pela TV.

EM GUERRA - Netanyahu: exigências e resistência ao cessar-fogo
EM GUERRA - Netanyahu: exigências e resistência ao cessar-fogo (//Reprodução)

Em meio ao frenético esforço diplomático para se chegar a um cessar-­fogo, Netanyahu, nas últimas semanas, adicionou um ingrediente extra à lista de dificuldades ao exigir que suas tropas permaneçam patrulhando e impedindo o contrabando, por prazo indeterminado, no chamado Corredor Filadélfia, estreita faixa de areia que se estende por 14 quilômetros na fronteira entre Gaza e o Egito — um entrave de dimensão internacional, visto que os egípcios são responsáveis pelo corredor e não aceitam tal ingerência. O Hamas, por sua vez, quer a suspensão definitiva do conflito após uma liberação negociada de reféns, rejeitada pelo primeiro-ministro. “Há uma sensação generalizada de que Netanyahu é incompetente e age por interesse próprio. Os protestos de agora podem ser um momento decisivo para ele”, diz Ori Goldberg, analista político da Universidade Reichman, em Tel Aviv.

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Diante do agravamento da crise, a pressão sobre o governo israelense ganhou novos contornos. O Reino Unido anunciou a suspensão do fornecimento de uma série de equipamentos militares que podem ser usados contra civis (mais de 40 000 morreram em Gaza até agora), medida que afeta a entrega de peças para caças, helicópteros e drones. Nos Estados Unidos, a questão é explorada por Donald Trump, apoiador de Netanyahu, que se apresenta como o único líder com pulso firme para encerrar o conflito.

Na Casa Branca, Joe Biden e, por tabela, Kamala Harris têm de lidar com o vespeiro com mais cuidado, embora Biden, livre da amarra de candidato, esteja mais assertivo: questionado por repórteres se Netanyahu está fazendo tudo o que pode para encerrar a crise, respondeu secamente: “Não”. Na televisão, munido de um mapa para explicar por que o Corredor Filadélfia é “o pulmão do Hamas”, o primeiro-ministro seguiu desafiador: “Ninguém é mais empenhado do que eu em libertar os reféns. Ninguém pode me passar sermão nesse assunto”. Com diplomatas dos Estados Unidos, Egito e Catar preparando uma nova e detalhada proposta de trégua e troca de reféns e a população encostando Netanyahu na parede, as próximas semanas podem, de fato, ser um momento de virada. Para melhor — ou para pior.

Publicado em VEJA de 6 de setembro de 2024, edição nº 2909

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