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O caso do vídeo ‘Kony2012’: boa causa ou manipulação?

Vídeo sobre guerrilheiro sanguinário de Uganda é sucesso na internet, mas Invisible Children, ONG que o produziu, é contestada e alvo de críticas

Por Da Redação
9 mar 2012, 07h31

Em apenas 4 dias, quase 39 milhões de pessoas assistiram ao vídeo “Kony 2012” no YouTube, uma campanha divulgada pela organização não governamental Invisible Children (Crianças Invisíveis, em inglês). O vídeo é uma denúncia ao uso de crianças como soldados pelo Exército de Resistência do Senhor (LRA, sigla em inglês), em Uganda. Seu objetivo é sensibilizar a população mundial para ajudar a capturar um criminoso de guerra Joseph Kony e levá-lo ao Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, na Holanda, onde o guerrilheiro é acusado de crimes contra a humanidade desde 2005.

Kony e seus aliados iniciaram sua “missão” no norte de Uganda há mais de 20 anos. Eles lutavam pelos direitos da população acholi, que habita a região, e propugnavam a criação de um “estado bíblico”, apoiando-se numa interpretação sui generis das escrituras, que misturava islamismo, cristianismo e feitiçaria africana, e usava passagens do Pentateuco para justificar mutilações e assassinatos.

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O procurador-geral do TPI, Luis Moreno Ocampo, divulgou pormenores sobre o processo levantado contra Kony: 33 acusações, 12 das quais por crimes contra a humanidade, incluindo homicídio, escravidão, escravidão sexual e estupro. As outras 21 acusações são por crimes de guerra, incluindo assassinato, crueldade contra civis, e alistamento forçado de crianças. O campo afirmou ainda que Kony raptava mulheres para oferecê-las como prêmio aos seus comandantes.

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Embora não haja dúvida quanto ao perfil de Kony – uma figura grotesca e sanguinária – o vídeo não foi acolhido apenas com elogios e o entusiasmo de personagens como Rihanna e o rapper P. Diddy, que publicaram o vídeo em seus perfis oficiais no Twitter. Os objetivos da Invisible Children foram questionados. De forma mais genérica, instituições humanitárias de mesmo perfil são criticadas por seus métodos e visão de mundo.

Em seu site, a entidade de fiscalização de ONGs Charity Navigator dá à Invisible Children apenas duas de quatro estrelas por transparência. Ela já foi descrita como um grupo de pressão, cujo objetivo não seria apenas divulgar uma causa, mas levar o governo americano a se envolver de maneira direta (ou seja, militarmente) na captura de Kony. Foram esses os termos usados pela revista Foreign Affairs num artigo publicado em novembro de 2011. Segundo o texto, a Invisible Children seria uma entre várias instituições que procuram levar os Estados Unidos a escolher um lado no conflito entre a LRA e o governo de Uganda. Tendo em vista essa estratégia, diz a Foreign Affairs, esses grupos “exageram a escala dos raptos e assassinatos da LRA e enfatizam o uso de crianças inocentes como soldados, para retratar Kony – um homem brutal, sem dúvida – como único em sua abjeção. Mas eles raramente se referem às atrocidades do governo ou do Exército Popular de Libertação do Sudão.”

Alguns críticos também alegam que a Invisible Children gasta a maior parte de seu dinheiro com salários e viagens. É certo, contudo, que a ONG opera um centro de acolhimento no norte de Uganda para receber crianças e adolescentes que escaparam das fileiras da LRA.

Diante das críticas, a Invisible Children publicou um comunicado nesta quarta-feira. “Fazemos o nosso melhor para ser os mais inclusivos, transparentes e factuais possível. Nós construímos esta organização tendo em mente a filosofia de ‘ver para crer’, e é por isso que nos baseamos sobretudo no uso de mídias como o vídeo. Nós nunca proclamamos o desejo de ‘salvar a África’. Em vez disso, tentamos inspirar a juventude ocidental a fazer mais do que simplesmente ver.”

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As últimas frases são uma resposta a outro tipo de reação negativa ao vídeo – vindo em boa parte de países africanos. Ela se resume nas observações de Victor Ochen, diretor da African Youth Initiative Network, instituição com sede na cidade de Lira, palco de um dos piores massacres das forças de Kony. “Eles advogam um mecanismo para por fim à guerra que dá mais atenção ao agressor que às vítimas. A campanha para punir um homem não basta. A Invisible Children tem acesso à mídia internacional, mas nenhuma conexão com as pessoas que afirma representar.”

Também não passaram despercebidas as táticas de mobilização usadas no vídeo. São truques espúrios, como mostrar Kony ao lado de Hitler – figura com a qual ele certamente não se equipara, num hipotético “índice da maldade”.

A rápida difusão do vídeo Kony 2012 teve, assim, duas consequências. A primeira, desejada pelos seus criadores, chamar atenção global para um personagem odioso que sem dúvida merece punição. A segunda, inesperada, demonstrar que as causas desposadas por Ongs e grupos similares devem sempre ser acolhidas com uma dose necessária de ceticismo.

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