Estaria o crescente sucesso de público do Brasil na Europa, onde a popularidade do presidente Lula é admirada como um milagre, nossa economia um exemplo de resistência e o Rio de Janeiro acabam de ganhar a disputa para hospedar as Olimpíadas de 2016, começando a vencer barreiras nunca antes alcançadas? Em pelo menos um caso, o da França, a pergunta está pedindo para ser respondida. Ainda é cedo para se ter alguma conclusão mais firme, mas o fato é que pode estar acontecendo ali uma importação de tecnologia puramente brasileira na área de usos e costumes políticos.
Se certas coisas que os governos jamais deveriam fazer são feitas no Brasil com a maior tranquilidade, e com excelentes resultados para quem as faz, porque não aproveitar a experiência? O presidente Nicolas Sarkozy, pelo jeito, comprou a ideia. Num episódio que deixaria orgulhosos os professores brasileiros neste tipo de atividade, nomeou logo o próprio filho, Jean Sarkozy, para um dos empregos mais dourados na vasta nebulosa de órgãos públicos que controla a vida na França, seja qual for o partido que está no governo no momento. Nada de sobrinhas, namoradas dos netos, etc. � o presidente, um político que tem a fama de ser impaciente com muita conversa, já foi nomeando o filho mesmo, direto.
O cargo escolhido não é para qualquer um. Trata-se de presidir o organismo que reina sobre o bairro de La Défense, na grande Paris, onde funciona e prospera o maior complexo de edifícios de escritórios de toda a Europa � acima do monumental Canary Wharf, em Londres, e de qualquer concentração parecida que possa haver em São Paulo, por exemplo. São 3,3 milhões de metros quadrados de construção, nos quais operam 2.500 empresas francesas e multinacionais. Trabalham ali 150.000 pessoas (em comparação aos 90.000 de Canary Wharf), no que é a área urbana que oferece mais empregos por metro quadrado da França.
Jean Sarkosy tem 23 anos de idade; está no segundo ano da faculdade de direito, onde já foi reprovado duas vezes, e sua experiência como gestor de empreendimentos urbanos, imobiliários e comerciais com o porte de La Défense, ou com qualquer porte, é inexistente, mesmo porque ainda não teve tempo para construir nada que se pareça com uma carreira profissional. À essas objeções o governo diz que o fato de ser jovem não pode impedir Jean Sarkozy de exercer um cargo importante, e que o fato de ser filho do presidente não pode servir de barreira para que ele assuma, como cidadão, suas responsabilidades no serviço público.
Fica, a partir daí, a questão: qual a diferença disso com o que acontece no Brasil, à parte a circunstância de que a nomeação de Sarkosy Jr. é em francês, e as daqui são em português? Alguma diferença deve haver, especialmente para brasileiros condicionados a ver nos países da Europa uma forma superior de civilização, onde atos de delinquência na vida pública nunca são considerados “a mesma coisa”; não podem ser, pois França, Inglaterra, Itália, etc. “não são o Brasil”, como se diz. De fato não são, mas um caso como o do filho do presidente Sarkozy é tão parecido com o que acontece do nosso lado, mas tão parecido, que só mesmo muita ciência política para explicar a diferença. Depois da globalização, talvez esteja chegando a brasileirização. C’est la vie.
Leia a reportagem completa em VEJA desta semana (na íntegra somente para assinantes).