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Mesmo sem Kadafi, Líbia estará longe de uma democracia

Desavenças entre próprios rebeldes levantam incertezas sobre o futuro do país

Por Cecília Araújo
22 ago 2011, 12h45

“Uma vez que o objetivo de derrubar o ditador for alcançado, o que unifica os rebeldes se tornará muito pouco, e mantê-los unidos, quase impossível. A força rebelde é composta por entidades diferentes e com interesses conflitantes”

Kamran Bokhari, especialista em Oriente Médio da empresa de consultoria em inteligência Stratfor

A ditadura de 42 anos de Muamar Kadafi na Líbia se aproxima do fim. Nesta segunda-feira, após seis meses de fortes enfrentamentos, os rebeldes líbios romperam o anel de segurança militar do coronel e invadiram a capital Trípoli. Desde domingo à noite, os insurgentes estão nas ruas comemorando vitórias, como o controle de 95% da cidade e a prisão de Seif al-Islam, o porta-voz do regime, filho de Kadafi e considerado o sucessor natural do pai. Sem Kadafi, o futuro da Líbia é incerto, mas os desafios imediatos do país logo após a queda do ditador já são conhecidos: a forte rivalidade tribal, a divisão leste-oeste, a incoerente liderança rebelde e a ausência de uma “sociedade civil”.

Diferentemente da Tunísia e do Egito – em que o regime militar ainda persiste mesmo depois das revoluções populares que derrubaram respectivamente Zine El Abidine Ben Ali e Hosni Mubarak do poder -, na Líbia o regime se resume à figura de Kadafi, principalmente porque ele nunca permitiu a formação de uma instituição militar autônoma. “Isso explica por que os militares se dividiram tão cedo e por que vimos a metade ocidental do país se tornar efetivamente um território rebelde”, explica ao site de VEJA Kamran Bokhari, especialista em Oriente Médio da empresa de consultoria em inteligência Stratfor. Segundo ele, é grande a possibilidade de os rebeldes se voltarem uns contra os outros. “Uma vez que o objetivo de derrubar o ditador for alcançado, o que unifica os rebeldes se tornará muito pouco, e mantê-los unidos, quase impossível. A força rebelde é composta por entidades diferentes e com interesses conflitantes”, enfatiza.

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Leia também: Líbia, as fissuras de uma sociedade tribal e sem instituições

Assombrada pela falta de planejamento no Iraque após a derrubada de Saddam Hussein, que deixou o país muito tempo vagando sem rumo nem comandante, a comunidade internacional exortou o Conselho Nacional de Transição (CNT) da Líbia a garantir o futuro democrático do país. Em um comunicado na noite de domingo, o presidente americano Barack Obama pediu ao grupo que busque uma transição “justa e inclusiva”. Porém, tal transição não é tão simples em uma sociedade dividida por profundas rivalidades e sem experiência anterior de democracia. Assim, a divisão do poder no novo governo pode se tornar o gatilho para um conflito entre os próprios opositores, salienta Bokhari. “Uma guerra civil não será necessariamente uma consequência da queda do regime, mas a realidade não permite muito otimismo.” O CNT, porém, diz estar ciente dos desafios que tem à frente e possuir um projeto para colocar em prática um processo político que conduza o país às eleições democráticas.

O problema é que – como no Iraque em 2003 – não existe na Líbia uma figura da oposição reconhecida ou um grupo que transcenda as rivalidades tribais, regionais e sectárias – se Kadafi conseguiu sobreviver por tanto tempo foi por ter quebrado todas as bases de poder das maiores e mais influentes tribos do país. A partir da renúncia do ditador, o nome mais cotado para assumir o poder é o do presidente do CNT, Mustafa Abdel Jalil. Entretanto, o grupo é muito heterogêneo e pouco coeso, composto por ex-ministros do governo e membros da oposição de longa data, que defendem as visões mais diversas. Ex-ministro da Justiça, Abdel Jalil renunciou ao cargo em fevereiro, quando o regime começou a recorrer à violenta repressão contra os manifestantes. Nem por isso, como outros ex-membros do círculo íntimo de Kadafi, ele deixará de ser visto com desconfiança entre os próprios insurgentes. O primeiro-ministro dos rebeldes Mahmoud Jibril e o acadêmico opositor Ali Tarhouni também seriam cotados – mas sofrem das mesmas fraquezas. “A capacidade de qualquer um deles em emergir como um líder aceitável para todas as forças rebeldes permanece obscuro”, pontua Bokhari.

Infográfico Mapa da Líbia
Infográfico Mapa da Líbia (VEJA)
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Por ser um país bastante extenso – 1,75 milhões de quilômetros quadrados -, a Líbia conta com diversos espaços subgovernados, reivindicados por revoltosos e mais recentemente por grupos islâmicos que professam fidelidade à Al Qaeda. Kadafi já enfrentou uma série de problemas com os extremistas, especialmente com o Grupo Islâmico de Combate da Líbia, originalmente simpatizante da Al Qaeda. Cidades no leste da Líbia tornaram-se conhecidas por fornecer combatentes à insurgência no Iraque, embora a liderança rebelde insista que Kadafi exagerou a ameaça do extremismo islâmico para seus próprios fins. Por isso, qualquer colapso da autoridade no país pode trazer implicações sombrias para seus vizinhos – especialmente o Egito e a Tunísia, já que o país tem sido uma fonte de trabalho para milhões de outros norte-africanos.

Leia na coluna De Nova York, por Caio Blinder:

“Para enfatizar um ponto: na Líbia é vitória do conceito de intervenção humanitária. Não sabemos exatamente o que vem pela frente, mas sem esta intervenção poderia ter ocorrido um banho de sangue em Bengazi praticado pelos kadafistas.”

Leia no blog de Reinaldo Azevedo:

“A queda de um déspota asqueroso como Kadafi é, em si, uma boa notícia. Posto o fato no conjunto da obra, aí é preciso aguardar. Os ditos rebeldes não são exatamente paladinos da justiça e da liberdade. E há evidências disso. O regime que se seguirá ao de kadafi será mesmo democrático?”

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