Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

Macron piscou primeiro

O presidente da França não se pronunciou, mas seu governo adiou o aumento da gasolina, combustível para os furiosos protestos no país

Por Maria Clara Vieira
Atualizado em 7 dez 2018, 07h00 - Publicado em 7 dez 2018, 07h00

Novato nos meandros da vida pública, o presidente da França, Emmanuel Macron, ex-banqueiro de 40 anos que ganhou a Presidência em 2017 justamente por não ser da panelinha política tradicional, aprendeu a duras penas o que todos os governos antes dele já sabiam: franceses, quando vão às ruas em massa para protestar ou reivindicar, só arredam pé ao ser atendidos. Por três sábados seguidos, a França estremeceu sob os passos, os gritos e a raiva de uma mobilização popular que teve como ponto de partida um cronograma de elevação gradual do preço dos combustíveis. Na quarta-feira 5, Macron capitulou: os aumentos, cujo início estava previsto para janeiro, serão suspensos por um ano. “Os eleitores votaram em Macron achando que ele iria mudar as coisas, e isso não aconteceu. Pelo contrário, ele ganhou fama de presidente dos ricos. Agora, com a popularidade muito baixa, seguiu a tradição de fazer concessões antes de a situação ficar insustentável”, analisa o historiador Robert Gildea, da Universidade de Oxford.

Embora evidentemente tenha aprovado o recuo, Macron continuou como esteve desde o começo dos protestos: calado e distante da grita popular. Quem anunciou o adiamento do cronograma de aumentos foi o primeiro-­ministro, Édouard Philippe. “Nenhum imposto é mais importante que a unidade da nação. Teríamos de ser cegos e surdos para não ver e ouvir a insatisfação”, disse ele ao término de uma sessão a portas fechadas do Parlamento. Na reunião, viu-se posto contra a parede pela oposição à direita e à esquerda, que, atiçada pela perspectiva de ganhar eleitores, não para de questionar a reação do governo ao movimento popular.

Sempre mudo, o presidente limitou-se a percorrer, de cara fechada e cercado de seguranças, pontos de Paris afetados pela marcha do dia 1º, a mais violenta até agora. Sob a fumaça de gás lacrimogêneo e jatos de água lançados pela polícia, manifestantes — e vândalos que sempre tiram partido dessas situações — puseram fogo em carros, quebraram vitrines de lojas de luxo e depredaram monumentos. Quando a poeira baixou em volta do Arco do Triunfo, uma pichação dizia: “Cortamos cabeças por menos do que isso”. Pois bem. Como se sabe, a guilhotina é uma invenção francesa.

Há dúvidas se o adiamento da alta de preços, que também se aplica à implantação de inspeção mais rigorosa de veículos e à elevação do custo da eletricidade, vai contentar os insatisfeitos — gente do interior e dos subúrbios franceses que vê sua renda estagnada (os reajustes têm sido de 1% ou menos), a economia desacelerada (a taxa de crescimento anual é de 1,8%) e o desemprego alto (na faixa dos 9%, embora tenha caído 1 ponto no governo Macron). Para piorar a indignação das classes média e baixa, uma das primeiras medidas do presidente para estimular os negócios foi cortar impostos dos mais ricos e das grandes indústrias. “O imposto da gasolina é só o começo”, fulminou Tony Roussel, que, em Marselha, fala pelo movimento nascido e criado nas redes sociais e sem líderes conhecidos.

Philippe tentou marcar uma reunião — a primeira iniciativa do gênero — com integrantes mais moderados dos “coletes amarelos”, assim chamados por usarem o equipamento de segurança obrigatório nos carros. Acabou cancelando o encontro depois que dois dos que haviam aceitado o convite disseram ter recebido ameaças de morte. Não se sabe até que ponto Macron está disposto a sacrificar reformas que considera essenciais para estimular uma economia em marcha lenta e, ao mesmo tempo, fazer avançar uma causa pela qual tem especial apreço: reduzir as emissões poluentes (daí a alta dos combustíveis) e promover formas de energia limpa.

Continua após a publicidade

Analistas colocam a revolta na França no mesmo campo minado de descontentamento popular que varre boa parte da Europa e os Estados Unidos, fomentado por camadas da população alijadas dos grandes centros (e ressentidas de sua pujança), preocupadas com a queda de seu poder aquisitivo e decepcionadas com os políticos tradicionais. “Esta angústia social pode ser notada em toda parte”, observa o historiador Marc Lazar, do Sciences Po, instituto de ciências sociais em Paris.

Unida no descontentamento, a revolta francesa difere, porém, das demais pelo que ela não tem: relação com a direita, aversão a imigrantes e agenda nacionalista, entre outros fatores. Sua força vem da raiva e da decepção, que não dão sinais de se abater. “Não queremos migalhas. Queremos a baguete inteira”, desafiou na TV outro porta-­voz dos protestos, Benjamin Cauchy. No meio da semana passada foram os estudantes que saíram às ruas e queimaram carros em vários pontos da França. O sábado 8 dirá se o movimento dos “coletes amarelos” tem combustível para seguir nas ruas.

Publicado em VEJA de 12 de dezembro de 2018, edição nº 2612

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

O Brasil está mudando. O tempo todo.

Acompanhe por VEJA.

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.