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Líder talibã em diálogos secretos de paz era um impostor

Por The New York Times
23 nov 2010, 09h53

“Não é ele”, disse um diplomata ocidental envolvido nas discussões em Cabul. “E nós demos a ele um monte de dinheiro”

Durante meses, os desdobramentos de conversações secretas entre o talibã e os líderes do Afeganistão para encerrar a guerra pareciam estar cumprindo a promessa, ainda que apenas por causa da participação de um determinado líder da insurgência em uma extremidade da mesa: o mulá Akthtar Mohammad Mansour, um dos maiores comandantes do movimento talibã.

Mas agora, ao que parece, Mansour aparentemente não era Mansour afinal das contas. Em um episódio que poderia ter saído de um romance de espionagem, autoridades dos Estados Unidos e do Afeganistão agora dizem que o homem era um impostor e as discussões de alto nível, conduzidas com o apoio da Otan, parecem ter evoluído pouco.

“Não é ele”, disse um diplomata ocidental envolvido nas discussões em Cabul. “E nós demos a ele um monte de dinheiro.” Autoridades americanas confirmaram na segunda-feira que tinham esperanças de que o afegão era Mansour, ou mesmo um membro da liderança talibã. Autoridades da Otan e do Afeganistão disseram que realizaram três reuniões com o homem, que viajou através da fronteira do Paquistão, onde líderes do talibã buscaram refúgio.

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O falso líder talibã se reuniu até com o presidente Hamid Karzai, depois de viajar a Cabul em um avião da Otan e ser levado ao palácio presidencial, disseram autoridades. O episódio ressalta a natureza incerta e até a bizarra da atmosfera em que líderes americanos e afegãos buscam formas para acabar com a guerra liderada pelos Estados Unidos há nove anos.

Acredita-se que os líderes do talibã estejam escondidos no Paquistão, possivelmente com o apoio do governo, que recebe bilhões de dólares de ajuda americana. Muitos na liderança do talibã, constituída principalmente de clérigos semi-analfabetos da zona rural, nunca foram vistos pessoalmente por autoridades americanas, afegãs e da Otan.

As autoridades americanas dizem que eram céticas desde o início sobre a identidade do homem que dizia ser o mulá Mansour. Sérias dúvidas surgiram depois da terceira reunião, realizada na cidade de Kandahar. Um homem que conhecera Mansour anos antes disse a oficiais afegãos que a pessoa na mesa não se parecia com ele. “Ele disse que não o reconhecia”, disse um líder afegão, que falou sob a condição de anonimato.

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Grandes esperanças – O diplomata ocidental afirmou que o homem recebeu uma soma considerável para participar das conversações – e para convencê-lo a voltar para as próximas. Enquanto a autoridade afegã disse que ainda nutria esperanças de que o homem voltaria para outra rodada de negociações, os Estados Unidos e outras autoridades ocidentais disseram que haviam concluído que o homem em questão não era Mansour.

Não se sabe como os americanos chegaram a essa conclusão – se, por exemplo, foram capazes de identificá-lo por meio de impressões digitais ou outras formas. Ainda recentemente, no mês passado, autoridades americanas e afegãs tinham grandes esperanças nas negociações. Altos funcionários americanos, entre eles o general David H. Petraeus, disseram que as conversas indicavam que os líderes do talibã estavam ao menos dispostos a discutir o fim da guerra.

As autoridades dos EUA disseram que os funcionários de outros governos da Otan ajudaram a facilitar as discussões, fornecendo transporte aéreo e segurança nas estradas para os líderes talibãs provenientes do Paquistão. No mês passado, funcionários da Casa Branca pediram ao New York Times para não divulgar o nome de Mansour em um artigo sobre as negociações de paz.

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Eles estavam preocupados com a chance de que as conversações pudessem ser comprometidas – e a vida de Mansour colocada em risco – caso sua participação fosse divulgada. O Times decidiu não publicar o nome de Mansour, assim como o de dois outros líderes do talibã. O status dos outros dois líderes que estariam envolvidos nas discussões não está claro.

Desde a última rodada de conversações, que ocorreu há duas semanas, autoridades afegãs e americanas ficaram intrigadas sobre quem seria o homem. Alguns oficiais dizem que homem pode ser simplesmente uma fraude, posando como líder talibã para ganhar dinheiro. Outros dizem que ele pode ser um agente dos insurgentes. “Os talibãs são mais inteligentes que os americanos e nosso próprio serviço de inteligência”, disse um alto funcionário afegão. “Eles estão jogando.”

Jogo duplo – Outros suspeitam que o falso líder talibã pode ter sido despachado pelo serviço secreto paquistanês, conhecido por suas iniciais, ISI. Elementos dentro do ISI sempre fizeram um “jogo duplo” no Afeganistão, tranquilizando os funcionários americanos de que estão buscando ativamente o talibã enquanto, ao mesmo tempo, prestam apoio aos insurgentes. Publicamente, pelo menos, a liderança talibã mantém a posição de que não existem negociações em curso.

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Em recente mensagem aos seus seguidores, o mulá Omar negou que houvesse negociações em qualquer nível. “O inimigo astuto, que tem ocupado nosso país, está tentando, por um lado, expandir suas operações militares e, por outro, quer jogar poeira nos olhos do povo, difundindo rumores de negociação”, disse em sua mensagem. Apesar das declarações, alguns dirigentes do talibã mostraram disposição em negociar a paz com representantes do governo afegão em janeiro.

Naquela época, Abdul Ghani Baradar, então vice-comandante do talibã, foi preso em uma operação conjunta da CIA e do ISI na cidade portuária paquistanesa de Karachi. Embora autoridades dos dois países tenham saudado a prisão como um marco da cooperação entre Estados Unidos e Paquistão, autoridades paquistanesas já indicaram que a prisão de Baradar foi orquestrada porque ele estava envolvido em conversações de paz sem a autorização do ISI.

Líderes afegãos confirmam essa versão. Nem líderes americanos nem afegãos confrontaram o falso Mansour com dúvidas sobre sua identidade. De fato, alguns líderes afegãos ainda mantêm esperanças de que o homem seja, ou pelo menos represente, Mansour – e que voltará em breve. “Foram levantadas dúvidas sobre ele, mas ainda é possível que seja Mansour”, disse o líder afegão, que não quis ser identificado.

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O líder afegão disse que os negociadores pediram ao homem que dizia ser Mansour para voltar com seus colegas, inclusive outros altos líderes do talibã, cujas identidades eles seriam capazes de verificar. As reuniões foram organizadas por um intermediário afegão, com ligações tanto com o governo quanto com os talibãs, informaram autoridades. O líder local disse que americanos e afegãos foram cautelosos sobre a identidade e os motivos do homem que dizia ser Mansour.

Condições moderadas – Mas depois do primeiro encontro, ambos estavam razoavelmente satisfeitos sobre a identidade do homem. Várias medidas foram tomadas para estabelecer sua identidade depois da primeira reunião. Fotos foram mostradas aos presos do talibã que poderiam conhecer Mansour. Eles o identificaram, disse o líder afegão.

Qualquer que seja a identidade do homem, as conversações entre os americanos e o suposto Mansour foram substantivas, disse o líder afegão. O homem que dizia representar o talibã estabeleceu várias condições surpreendentemente moderadas para um acordo de paz: a liderança talibã seria autorizada a voltar ao Afeganistão em segurança, os soldados talibã receberiam ofertas de emprego e os prisioneiros seriam libertados.

Não exigiu, como no passado, a retirada das tropas estrangeiras ou a participação do talibã no governo. Sayed Agha Mohamed Amir, ex-comandante do talibã que afirma ter deixado o grupo insurgente, mas que agiu como intermediário com o movimento no passado, disse em entrevista que não sabia do impostor. Mas disse que a liderança talibã não deu demonstrações de querer participar de negociações. “Sempre que falo com os talibãs eles dizem que nunca aceitarão a paz.”

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