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Jovens afegãs escapam do casamento, mas não do chicote

Por Da Redação
1 jun 2010, 21h13

Por The New York Times

As duas meninas afegãs tinham toda razão para esperar que a lei estivesse do seu lado quando um policial em um bloqueio deteve o ônibus em que viajavam. Disfarçadas com roupas de meninos, as garotas, de 13 e 14 anos, estavam fugindo havia dois dias por caminhos cheios de buracos e por passagens montanhosas para escapar de casamentos forçados e ilegais com homens muito mais velhos, e agora haviam conseguido chegar à província de Herat, relativamente liberal.

Em vez disso, o policial que as identificou com meninas ignorou suas súplicas e sem demora as mandou de volta à sua aldeia remota na província de Ghor. Ali, foram brutalmente chicoteadas em público por fugir de seus maridos. Seus carrascos, que filmaram o abuso, não eram talibãs, mas mulás locais e o antigo senhor de guerra que governa em boa medida o distrito onde vivem as meninas.

Nenhuma das meninas reagiu visivelmente às chicotadas, e depois ambas saíram com a cabeça erguida. Simpatizantes das vítimas enviaram secretamente duas gravações dos açoites à Comissão Independente de Direitos Humanos do Afeganistão, que os divulgou no sábado, depois de tentar, sem êxito, que o governo atuasse na questão.

A terrível experiência das meninas noivas do Afeganistão ilustra uma verdade incômoda. O que seria considerado um delito na maioria dos países, em muitas partes do Afeganistão é um padrão cultural, uma prática que o governo não pôde ou não quis deter. Segundo uma investigação da Unicef, de 2000 a 2008, 43% das mulheres que se casaram tinham menos de 18 anos. Ainda que a Constituição afegã proíba o casamento de meninas menores de 16 anos, os costumes tribais o permite tão logo elas chegam à puberdade – ou mesmo antes. Os chicotes também são ilegais.

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O caso de Khadija Rasoul, de 13 anos, e Basgol Sakhi, de 14, da aldeia Gardan-i-Top, no distrito de Dulina da província de Ghor, no centro do país, foi notável porque as autoridades não fizeram nada para protegê-las, apesar das oportunidades que tiveram. Obrigadas a um intercâmbio marital, no qual se entregou cada menina a um homem mais velho da família da outra, Khadija e Basgol se queixaram depois que seus maridos bateram nelas quanto tentaram resistir à união. Vestidas como meninos, escaparam e conseguiram chegar até a província de Herat, onde seu ônibus foi parado e elas acabaram detidas.

Em Herat há refúgios para mulheres e meninas maltratadas e fugitivas, mas a polícia contatou Fazil Ahad Khan, a quem funcionários da Comissão de Direitos Humanos descrevem como comandante e auto-intitulado guardião moral de seu distrito em Ghor, e devolveram as meninas sob sua custódia. Depois da farsa de um julgamento efetuado por Khan e dirigentes religiosos locais, segundo o relatório dos fatos da Comissão, as meninas foram sentenciadas a quarenta chibatadas.

Fawzia Kofi, famosa legisladora do Parlamento, disse que o caso pode ser impactante, mas está longe de ser o único. �Estou segura que há casos piores e quem nem sequer ficamos sabendo�, disse. �O casamento precoce e o casamento forçado são as duas formas mais comuns de comportamento violento contra mulheres e meninas.�

A Comissão de Direitos Humanos levou as fitas e os resultados de sua investigação ao governador de Ghor, Sayed Iqbal Munib, que criou sua própria comissão de investigação, mas não fez nada e disse que o distrito é muito inseguro para enviar policiais. Uma coalizão de organismos cívicos na província exigiu sua remoção. O ministério do Interior do Afeganistão também não respondeu às exigências da Comissão para que atuasse no caso, de acordo com a presidente do grupo, Sima Samar. Um porta-voz do ministério não retornou os pedidos para que comentasse o assunto.

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Os casamentos forçados de meninas afegãs não se limitam a áreas rurais remotas. Na cidade de Herat, um refúgio financiado pela Unicef e administrado pela Voz da Organização das Mulheres, um organismo afegão, abriga 60 meninas que fugiram de seus casamentos infantis. Uma organização chamada Mulheres para Mulheres Afegãs administra refúgios na capital, Cabul, assim como na província vizinha de Kapisa e na cidade de Mazar-i-Sharif, regiões relativamente liberais para os padrões afegãos, que já receberam 108 meninas fugitivas desde janeiro, segundo sua diretora executiva, Manizha Naderi.

A pobreza é a motivação de muitos casamentos precoces, seja porque o marido com dinheiro paga um alto preço pela noiva ou porque o pai da noiva terá uma filha a menos para alimentar. �Na maior parte dos casos elas são vendidas�, disse Naderi. �E em geral o marido é muitíssimo mais velho.� Naderi afirmou que também é prática comum entre policiais que prendem meninas casadas fugitivas enviá-las de volta à família. �A maioria dos policiais não entende o que está na lei ou simplesmente são contra a lei�, explicou.

No sábado passado, no refúgio de Mulheres para as Mulheres Afegãs, em um local secreto em Cabul, havia quatro meninas casadas fugitivas. Todas tinham apanhado e a maioria chorou ao contar sua experiência. Roshana, que hoje tem 18 anos, nem mesmo sabe porque sua família a entregou a um homem mais velho em Parwan, quando tinha 14. Os golpes eram muito fortes, mas num dado momento seu marido resolver dar a ela veneno de rato misturado à comida. De certa forma, as duas meninas de Ghor estão entre as garotas casadas com sorte. Depois das chibatadas, o mulá local as declarou divorciadas, e elas voltaram para suas próprias famílias.

Dois anos antes, no vizinho distrito de Murhab, duas meninas que haviam sido vendidas a uma mesma família fugiram depois se serem abusadas sexualmente, segundo um relatório da Comissão de Direitos Humanos. Elas se perderam, foram capturadas e devolvidas à força. Seus pais, um deles o mulá da aldeia, as levaram a uma montanha e as mataram.

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