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Há 50 anos, crise dos Mísseis em Cuba quase detonou uma guerra nuclear

Descoberta pelos Estados Unidos de que os soviéticos instalavam mísseis nucleares na ilha foi o momento de maior tensão da Guerra Fria e quase terminou em catástrofe

Por Duda Teixeira, Nathalia Watkins e Tamara Fisch
6 out 2012, 14h50

As 7 horas da noite de 22 de outubro de 1962, a história aproximou-se do precipício. Em um pronunciamento na televisão, o presidente americano John Fitzgerald Kennedy anunciou que os soviéticos haviam instalado mísseis nucleares em Cuba. O flagrante fora obtido por um avião espião U-2 no dia 14 daquele mês. Era uma ameaça inaceitável, cujo agravamento Kennedy tentou conter com um bloqueio naval a Cuba. Na matemática da Guerra Fria, acreditava-se que a reação a um ataque só teria efeito se fosse imediata. Por isso, o governo americano elevou o nível do alerta nuclear para DEFCON 2, o que, entre outras medidas, fez decolar de suas bases na Europa os aviões B-52 carregados com bombas nucleares e com a proa para Moscou. O mundo nunca esteve tão perto da hecatombe nuclear. Kennedy disse aos membros do seu gabinete de crise que o risco de isso ocorrer chegara a um em três. O impasse durou treze dias, ao fim dos quais as duas superpotências inimigas conseguiram contornar os chamados às armas por meio da diplomacia. Para desilusão dos líderes cubanos, ansiosos por iniciar uma guerra nuclear, Kennedy e o líder soviético Nikita Kruschev chegaram a um acordo. Os russos retiraram as armas da ilha e os americanos se comprometeram a não invadir Cuba e a desmantelar seus mísseis (obsoletos) na Turquia. O episódio teve como saldo a renovação da fórmula de contenção mútua. Três décadas mais tarde, a União Soviética se desintegrou, vítima dos próprios fracassos internos e não de um ataque nuclear externo.

O PERIGO TOMOU CORPO - Nikita Kruschev com o cubano Fidel Castro, em 1960 (à esq); foto feita por avião americano mostra o navio Kasimov levando peças de bombardeiros IL-28 a Cuba, em setembro de 1962; e alguns dos 43 000 soldados soviéticos que desembarcaram marchando na ilha com roupas civis: a instalação do arsenal atômico foi iniciativa dos soviéticos, que tentaram disfarçar a empreitada
O PERIGO TOMOU CORPO – Nikita Kruschev com o cubano Fidel Castro, em 1960 (à esq); foto feita por avião americano mostra o navio Kasimov levando peças de bombardeiros IL-28 a Cuba, em setembro de 1962; e alguns dos 43 000 soldados soviéticos que desembarcaram marchando na ilha com roupas civis: a instalação do arsenal atômico foi iniciativa dos soviéticos, que tentaram disfarçar a empreitada (VEJA)

Os mísseis foram instalados em Cuba para coibir uma invasão americana

MITO – Embora essa tenha sido a desculpa usada, as razões foram outras. Os historiadores descobriram recentemente que a ideia de instalar as armas nucleares na ilha foi dos soviéticos, não dos cubanos. A União Soviética buscava um equilíbrio militar em relação aos Estados Unidos. Os mísseis intercontinentais americanos, capazes de atingir a União Soviética, tinham o triplo do poder destrutivo dos similares dos rivais. O arsenal de médio alcance instalado a 230 quilômetros da Flórida poderia reduzir essa desvantagem. Fidel Castro só aceitou a proposta depois de muita insistência. “Não para aprimorar nossa defesa, mas primordialmente para fortalecer o socialismo no plano internacional”, disse Castro.

Os soviéticos fingiam que os mísseis eram árvores

VERDADE – O plano era anunciar a existência do arsenal no fim de 1962. Para esconderem o projeto, alguns militares soviéticos desembarcaram em Havana vestindo camisas coloridas. Queriam ser confundidos com turistas. Do porto, porém, saíam marchando em filas, tornando o disfarce inócuo. As armas começaram a ser camufladas, com folhas, só depois que os americanos já sabiam de sua existência. Os soviéticos achavam que podiam fazer com que os mísseis de 22 metros de comprimento fossem confundidos com palmeiras. Não deu certo.

Ao decidir não atacar a ilha, Kennedy evitou um conflito nuclear

VERDADE – Ao ver as fotos aéreas das instalações de mísseis em Cuba, John Kennedy ouviu de seus conselheiros que tinha duas alternativas. A primeira, apoiada pela maioria dos membros do Comitê Executivo do Conselho Nacional de Defesa (ExComm), era invadir a ilha e destruir o arsenal soviético. O secretário de Defesa, Robert McNamara, se opunha ao ataque. A segunda opção era conformar-se com a existência de um arsenal atômico inimigo no quintal de casa. Kennedy criou uma terceira via. Ele abriu espaço para negociar com os russos, mas com um prazo bem definido. Paralelamente, por sugestão do procurador-geral Robert Kennedy, seu irmão, ordenou um bloqueio naval. Todos os barcos que se aproximassem da ilha seriam vistoriados. Com a medida, catorze navios com armas retornaram à União Soviética. Kennedy definiu que, se as bombas já em solo cubano não fossem retiradas até 28 de outubro, um ataque ocorreria nas 48 horas seguintes. Os soviéticos respeitaram o ultimato. Em troca receberam o compromisso público de Kennedy de não interferir em Cuba e a promessa, mantida em segredo, de retirar os mísseis americanos instalados na Turquia. Se Kennedy tivesse acatado a primeira recomendação de seus conselheiros, os oficiais soviéticos em Cuba teriam revidado com mísseis táticos nucleares, pois não precisavam de autorização de Moscou para dispará-los no caso de uma invasão.

AMEAÇA NO AR - Abrigo nuclear para uma família de cinco pessoas, à esquerda; Kennedy em frente aos lançadores de mísseis Honest John, em Fort Stewart, na Geórgia; e protesto de mulheres pela paz, em Nova York: a aprovação do presidente subiu de 63% para 74% após o fim da ameaça em Cuba
AMEAÇA NO AR – Abrigo nuclear para uma família de cinco pessoas, à esquerda; Kennedy em frente aos lançadores de mísseis Honest John, em Fort Stewart, na Geórgia; e protesto de mulheres pela paz, em Nova York: a aprovação do presidente subiu de 63% para 74% após o fim da ameaça em Cuba (VEJA)
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O mundo esteve à beira da destruição

VERDADE – Em 1963, John Kennedy contou em um discurso o que aconteceria se houvesse um conflito nuclear. “Poderia matar 300 milhões de americanos, europeus e russos, assim como inúmeros outros. Os sobreviventes, como disse o presidente Kruschev, invejariam os mortos. Pois eles herdariam um mundo devastado por explosões, veneno e fogo, cujos horrores hoje nem sequer somos capazes de imaginar.” Segundo a teoria do “inverno nuclear”, criada nos anos 1980, as explosões levantariam nuvens de poeira e material radioativo. O material bloquearia a luz do sol e poderia causar a extinção da vida no planeta.

Já no fim do impasse, Fidel propôs disparar os mísseis contra os EUA

VERDADE – Em 26 de outubro, Kruschev enviou uma carta a Kennedy cogitando retirar os mísseis. No mesmo dia, Fidel enviou uma mensagem ao soviético em que sugeria duas saídas para a crise, nenhuma delas pacífica. “A primeira e mais provável é um ataque aéreo contra certos objetivos, com a missão limitada de destruí-los. A segunda, menos provável mas possível, é uma invasão completa (dos Estados Unidos).”

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Che Guevara queria se salvar, abandonando os cubanos à própria sorte

VERDADE – Para o argentino, os cubanos estavam dispostos a morrer pelo socialismo. “É o exemplo tremendo de um povo disposto ao autossacrifício nuclear, para que suas cinzas sirvam de alicerce para uma nova sociedade”, disse Che. Ele e os demais membros do governo, no entanto, planejavam se abrigar em bunkers instalados na embaixada soviética, na casa de Fidel Castro e em uma caverna perto de Havana.

MEDO E SACRIFÍCIO - Americanos assistem ao discurso em que o presidente John Kennedy anuncia a existência de mísseis nucleares em Cuba, em 1962 (à esq.), e a primeira-dama Jackie com o filho John Jr. Ela não queria ser levada para um lugar seguro com os filhos sem o marido
MEDO E SACRIFÍCIO – Americanos assistem ao discurso em que o presidente John Kennedy anuncia a existência de mísseis nucleares em Cuba, em 1962 (à esq.), e a primeira-dama Jackie com o filho John Jr. Ela não queria ser levada para um lugar seguro com os filhos sem o marido (VEJA)

Jacqueline Kennedy ofereceu-se para morrer ao lado do marido

VERDADE – Quando descobriu que os soviéticos instalavam mísseis em Cuba, a primeira-dama americana implorou ao presidente que não a mandasse para um lugar seguro. “Eu quero morrer com você, e as crianças também”, disse ela.

O governo brasileiro ajudou a negociar uma saída para o impasse

MITO – Kennedy de fato solicitou ao presidente João Goulart que conversasse com Fidel. Em 25 de outubro, porém, dias após ter votado a favor do bloqueio naval contra Cuba na Organização dos Estados Americanos (OEA), o governo brasileiro deu um passo atrás. Jango pediu garantias aos americanos de que não invadiriam a ilha e se declarou publicamente contra as sanções. Leonel Brizola, cunhado de Jango, eleito deputado pelo estado da Guanabara, disse que as fotos feitas pelos aviões U-2 eram falsas e fez discursos raivosos contra os Estados Unidos. No fim, Kennedy e Kruschev se entenderam sem precisar da ajuda brasileira.

Depois da crise, a Casa Branca e o Kremlin instalaram o “telefone vermelho”, uma linha direta entre os presidentes das duas potências, para facilitar a solução de impasses futuros

EM TERMOS – A lentidão nas comunicações ficou evidente ao longo de outubro de 1962. Para falar com Kruschev, o presidente americano enviava mensagens ao embaixador soviético em Washington por meio de seu irmão Bob Kennedy. As mensagens eram codificadas e enviadas a Moscou por telegrama. Quando precisavam agilizar o processo, os líderes dos dois países faziam discursos nas rádios com recados para os rivais. Depois do impasse em Cuba, americanos e soviéticos começaram a usar o teletipo, um precursor dos aparelhos de fax. A linha telefônica direta e exclusiva foi utilizada somente a partir dos anos 70. Foi por meio dela que o presidente russo Vladimir Putin se tornou o primeiro chefe de estado a expressar condolências a George W. Bush pelos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001.

Sabe-se mais sobre os bastidores da crise nos EUA do que na União Soviética

VERDADE – Por um ano e quatro meses, as reuniões no Salão Oval e no gabinete da Casa Branca, além de conversas telefônicas, foram gravadas a pedido de John Kennedy. Os equipamentos ficavam no porão da Casa Branca e o presidente os ligava ou desligava por meio de botões escondidos nas duas salas. Ao todo, 248 horas de conversas foram gravadas desde julho de 1962. O conteúdo dos arquivos passou a ser revelado a partir de 1993. No mês passado, um livro do historiador Ted Widmer revelou as últimas 45 horas de gravações. Do lado dos russos, há relatos esparsos de oficiais que participaram de encontros na União Soviética com os cubanos, algumas cartas, telegramas e memorandos de reuniões.

Especialistas consultados: Christian Ostermann (Centro Wilson), Robert Jervis (Universidade Colúmbia), Timothy J. McKeown (Universidade da Carolina do Norte), Graham Allison (Universidade Harvard), Konstantin Khudoley (Universidade de São Petersburgo), Boris Martynov (Universidade de Relações Internacionais de Moscou), Boris Shiriaev (Universidade Estadual de São Petersburgo), Bruno Borges (PUC-Rio), o historiador Chris Pocock e Sarah Lichtman (Faculdade Parsons).

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