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Geopolítica das vacinas: direita contra a China, esquerda com a Rússia

Como as decisões políticas estão interferindo na distribuição de imunizantes contra o novo coronavírus

Por Da Redação Atualizado em 16 dez 2020, 13h50 - Publicado em 16 dez 2020, 13h33

Ao menos um quinto da população mundial pode não ter acesso a uma vacina contra a Covid-19 até 2022, de acordo com um estudo que destaca que os países ricos já reservaram mais da metade das doses a princípio disponíveis para 2021.

Entra em jogo o que é possivelmente a maior disputa geopolítica desde a corrida espacial: a corrida pela vacina. 

A corrida para disponibilizar um imunizante e tentar frear a pandemia que já matou mais de 1,6 milhão de pessoas no mundo levou os países ricos a assegurarem quantidades suficientes para suas populações, assinando contratos com vários fabricantes, e investindo verbas governamentais em pesquisas.

Alguns, como Estados Unidos, Reino Unido e Emirados Árabes Unidos, já iniciaram as campanhas de imunização.

Em suma, os países que receberem vacinas primeiro, podem ser os primeiros a abandonar lockdowns, reabrir completamente comércios e retomar suas economias. Aqueles que controlarem as melhores vacinas, terão o poder de negociação.

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Desta maneira, as nações ricas, que representam apenas 14% da população mundial, reservaram mais da metade das doses de vacinas com produção prevista para o próximo ano, de acordo com pesquisadores da Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health. 

O risco é de que os países pobres fiquem para trás. Mesmo que todos os fabricantes consigam desenvolver vacinas seguras e eficazes, atingindo o nível máximo de produção, o estudo calcula que “ao menos um quinto da população não terá acesso às vacinas até 2022”.

O estudo considera que até 40% das vacinas dos principais fabricantes podem estar disponíveis para os países de baixa e média renda, mas acrescenta que isto dependerá de como os países ricos distribuirão suas compras.

A candidata da Pfizer, por exemplo – a primeira a solicitar autorização de uso de emergência –, foi comprada por Canadá, União Europeia, Israel, Japão, Espanha, Suíça, Reino Unido, Estados Unidos e Equador. Isso equivale a cerca de 600 milhões de doses do medicamento, quase metade do total que todos os fabricantes afirmam poder produzir até o final de 2021.

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Os países com capacidade interna de desenvolvimento de vacinas foram os primeiros a garantir grandes negócios. Aqueles com capacidade de fabricação, como Índia e Brasil, fizeram acordos de fabricação para garantir as compras antecipadas: indianos garantiram 1,17 doses por pessoa, enquanto brasileiros têm 0,93.

Mas os países de baixa renda sem capacidade de fabricação, ou de conduzir testes clínicos, foram deixados de fora do processo de negociação, tornando-se completamente dependentes da COVAX (aliança coliderada pela OMS para desenvolver e distribuir uma vacina acessível), ou de acordos diretos com países como a China, que espalha seus tentáculos sobretudo na América Latina e na África.

A estratégia chinesa não mira os Estados Unidos e o Ocidente, que já tem suas demandas quase inteiramente garantidas, mas áreas onde Pequim pode exercer sua influência. 

Avanço chinês

A China tem grandes esperanças em sua vacina, sobretudo para sua reputação, fortemente prejudicada após omitir o surto inicial de Covid-19 na cidade de Wuhan. Ao garantir o imunizante a países mais pobres como um “bem público”, com financiamentos em condições favoráveis para compra de vacinas, o país asiático também se distancia do Ocidente, que promete vacinar primeiro sua população, depois vender o restante por lucro.

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Letras miúdas dos empréstimos, no entanto, mostram que, se quem pegou empréstimo da China não pagar, uma companhia estatal chinesa pode assumir infraestruturas estratégicas, segundo o portal de política internacional GZero.

Os empréstimos foram oferecidos para quase todos os países da América Latina para compra de vacinas e, além disso, Pequim prometeu prioridade de suprimentos para África e Filipinas. 

“Uma coisa boa sobre a China é que você não precisa implorar, você não precisa suplicar. Uma coisa ruim sobre os países ocidentais é que é sempre sobre o lucro, lucro, lucro”, disse o presidente filipino, Rodrigo Duterte, em sinal de agradecimento. 

Na região América Latina e Caribe, a situação é alarmante, com 472.868 mortos e 14.104.251 infectados, segundo dados da terça-feira, 15. O país mais afetado é o Brasil, segundo do mundo com mais mortes. 

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Em uma postura contrária à adotada pelas Filipinas, a Anvisa afirmou na segunda-feira que a China usa critérios “que não são transparentes” para conseguir a aprovação emergencial de sua vacina contra a Covid-19, a CoronaVac, que está na fase final de testes no Brasil. Também advertiu sobre “a potencial influência de questões relacionadas à geopolítica”.

Produzida pelo laboratório privado chinês Sinovac juntamente com o Instituto Butantan de São Paulo, a CoronaVac tem sido alvo de tentativas de desprestígio por parte do presidente Jair Bolsonaro, que a vê como uma ferramenta tanto do governador de São Paulo, João Doria, quanto do regime comunista chinês.

Em entrevista à AFP, Yanzhong Huang, pesquisador de saúde global do Council on Foreign Relations, afirmou que “não há dúvidas de que a China está praticando diplomacia com vacinas em um esforço para reparar sua imagem manchada”. 

“Também se transformou em uma ferramenta para aumentar a influência global chinesa e resolver questões geopolíticas”, disse. 

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Alinhado quase que automaticamente aos Estados Unidos, o governo Bolsonaro se opõe firmemente à “vacina chinesa”, preferindo a americana ou alguma europeia. Ao mesmo tempo, vizinhos de esquerda, como Argentina e México, indicaram preferência à vacina Sputnik V, produzida pela Rússia e já em processo de aplicação no país. 

Em um editorial no British Medical Journal, Jason Schwartz, da Yale School of Public Health, destaca ainda que os desafios logísticos que algumas vacinas apresentam, como a necessidade de injetar duas doses ou de conservação a temperaturas muito reduzidas, serão grandes obstáculos para muitos países.

“Os desafios logísticos do programa mundial de vacinação contra Covid-19 serão no mínimo tão difíceis quanto os desafios científicos no momento de desenvolver rapidamente uma vacina eficaz”. Para isso, a participação das potências, sobretudo os Estados Unidos, seria “inestimável” na coordenação para disponibilizar as vacinas a todo o mundo, o que “ajudaria a acabar com esta crise global de saúde devastadora”.

Apesar da sensação de luz no fim do túnel, ainda há muitas incógnitas em relação às vacinas contra a Covid-19. O CEO da AstraZeneca, Pascal Soriot, disse que ainda não está claro quanto tempo essa proteção vai durar, mas disse suspeitar que pode ser de apenas um ano, sendo ecoado pelo presidente-executivo da BioNTech, Ugur Sahin.

Também é possível que muitas pessoas rejeitem a imunização: um estudo feito em junho com 13.000 pessoas em 19 países mostrou que mais de um quarto dos entrevistados não tomaria uma vacina segura e eficaz. Embora a vacina possa não ser duradoura, as políticas envolvidas, por sua vez, podem.

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