FHC: Brasil perdeu liderança e só lhe resta ter paciência com Venezuela
Regime será derrubado apenas em médio prazo, com as fissuras nas Forças Armadas provocadas pelo colapso econômico
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou nesta quarta-feira, 12, que o Brasil a perdeu capacidade de liderar uma solução pacífica para a crise da Venezuela. Segundo ele, a “posição muito ideológica” do Itamaraty apartou Brasília de possíveis negociações com Caracas, e restou apenas ao setor militar brasileiro contatos fluídos – e valiosos – com as Forças Armadas venezuelanas. Nesse sentido, diz, resta ao Brasil o exercício da “paciência histórica”, sem se precipitar.
“Só nos resta levar com jeito e paciência essa história”, lamentou o ex-presidente durante o debate “Ruptura ou Transição na Venezuela”, na Fundação FHC. “O Brasil tinha capacidade de atuar e precisa voltar a ter. O nosso guia tem de ser o interesse nacional, sem nos precipitarmos em alianças”, completou, referindo-se ao alinhamento do Brasil com a posição dos Estados Unidos nessa questão.
Na avaliação de FHC, há um cerco grande na Venezuela, que poderá levar a uma transformação nas Forças Armadas, ainda coesas em seu apoio ao regime de Nicolás Maduro. Além de se preocupar com a própria questão da saída de Maduro do poder, o Brasil enfrentará o problema de lidar com as forças que venham a se consolidar no país vizinho.
“Juan Guaidó é um líder simbólico, não tem força política”, afirmou FHC, referindo-se ao líder oposicionista que se autoproclamou presidente interino do país. “A Venezuela vai ser nossa vizinha para sempre”, completou, para ilustrar a necessidade de equilibrar a crença brasileira nos valores democráticos e do estado de direito com o pragmatismo na condução da política externa para a questão venezuelana.
O embaixador Rubens Barbosa, diretor do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), sublinhou ser a crise na Venezuela uma “questão de segurança nacional” para o Brasil, por suas implicações nas áreas de defesa, financeira e diplomática. Nesse último aspecto, sublinhou, o Brasil, sendo uma potência regional, isolou-se e não tem mais como contribuir para uma solução pacífica.
“A contaminação ideológica colocou o Brasil a reboque de Washington. O Brasil está isolado até mesmo nos Brics (o fórum Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), mudou sua ênfase sobre a questão na Organização dos Estados Americanos e nas Nações Unidas e, no Grupo de Lima, concordou com precedentes perigosos”, afirmou.
Para o diretor do Irice, o governo de Jair Bolsonaro choca-se com a própria Constituição brasileira ao reconhecer um governo paralelo, na Venezuela, que não detém nem o controle território nem a capacidade de adotar políticas. Também por seu apoio às sanções americanas contra a estatal petroleira PDVSA e pelo reconhecimento dos representantes de Guaidó na OEA, na ONU e no próprio Brasil.
Segundo Barbosa, a posição do Brasil “é incômoda” porque não está assentada no interesse nacional. O país deveria atuar para mitigar e para não aprofundar a crise e influir nas negociações entre o regime e a oposição mediadas pela Noruega. “O Brasil está alijado desse e dos outros processos”, lamentou.
“O Itamaraty está atuando como um agente provocador. Está com um discurso ultrarradical, a reboque do Grupo de Lima e faz restrições às negociações promovidas pela Noruega entre o governo de Maduro e a oposição, porque o chanceler Ernesto Araújo as considera como manobras dilatórias.”
Asfixia
O grande impasse vivido pelo Brasil neste momento diz respeito ao fato de Nicolás Maduro resistir às pressões externas em favor de uma transição democrática e até mesmo às sanções aplicadas pelos Estados Unidos, em especial sobre pagamentos devidos à PDVSA e a seus ativos, segundo o ex-ministro de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior Sérgio Amaral, último embaixador do Brasil em Washington.
“A asfixia financeira não levará a Venezuela ao colapso em curto prazo. Mas, sim, em médio prazo”, afirmou Amaral. “O colapso total da economia da Venezuela poderá levar à fissura das Forças Armadas, que é como acabam os regimes ditatoriais sem intervenções militares externas”, completou.
Amaral ressaltou que a possibilidade de intervenção militar americana saiu do radar. O tema não está entre as prioridades da Política Estratégica de Defesa dos Estados Unidos, que deixou de se concentrar no terrorismo para voltar a ter como alvos as grandes potências. Mais especificamente, a China. Também pesou a avaliação de que uma iniciativa militar teria repercussão negativa.
Para o embaixador, entre os aliados do regime de Caracas, a China e a Rússia não causam preocupações. A questão está na atuação de Cuba, que mantém o aparato de segurança de Maduro e garante a unidade do setor militar venezuelano. Daí a retomada de sanções dos Estados Unidos à ilha.
Amaral relatou ter mantido conversas com representantes diplomáticos de Cuba e da Venezuela em Washington no ano passado para tratar de um tema de interesse do Brasil – uma saída para Maduro e seus principais colaboradores, para abrir caminho à transição democrática. Chegou a fazer gestões com autoridades dos Estados Unidos, que sinalizaram com um aval a essa solução. “Parei esses contatos com a iminência da mudança do governo (no Brasil)”, afirmou. “O Brasil poderia ter desempenhado um papel maior se tivéssemos tido mais tempo.”