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Europa e Anti-Europa

Resultado das eleições para o Parlamento da Europa expôs duas Europas: uma onde a lógica de integração está profundamente arraigada no sistema politico e na ordem social e outra que rejeita mesmo os princípios básicos de soberania conjunta. A boa notícia é que a maior parte da Europa se encaixa na primeira categoria

Por Harold James
29 Maio 2014, 07h30

As eleições para o Parlamento Europeu iniciaram um doloroso processo de reavaliação não apenas de como funciona a União Europeia, mas também do que ela fundamentalmente representa. O resultado deixou claro que existem agora duas Europas: uma onde a lógica de integração está profundamente arraigada no sistema politico e na ordem social; e outra que rejeita mesmo os princípios básicos de soberania conjunta. A boa notícia é que a maior parte da Europa se encaixa na primeira categoria; a má notícia é que entre as exceções estão dois países vastos e poderosos.

O debate sobre a Europa não se resume a discutir os méritos de uma ou outra solução institucional para um problema de organização política; mas como as sociedades podem se organizar efetivamente em um mundo globalizado. Até o momento, tem-se enfatizado muito os projetos institucionais, e pouco o dinamismo social e a inovação.

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Antes das eleições, os pró-europeus viam a votação como evidência de que um novo padrão de democracia estava emergindo na Europa. A Europa se assemelharia mais a um país, com partidos políticos pan-europeus sugerindo um candidato favorito (Spitzenkandidat, como dizem os alemães) para ser o próximo presidente da Comissão Europeia.

Mas os eurocéticos refutavam a ideia de que a nova ordem política pudesse funcionar. Os eleitores usaram a votação como já haviam feito no passado: como uma oportunidade para protestar – embora não tanto contra a Europa, mas contra os governos nacionais de seus países. Também votaram contra a austeridade imposta pela União Europeia como parte de sua estratégia para defender a união monetária.

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Nem os otimistas nem os pessimistas estavam certos. Nenhum líder europeu óbvio surgiu com as eleições, e a discussão entre os governos do continente sobre o novo presidente da Comissão possivelmente será prolongada e muito pouco democrática. Ao mesmo tempo, apesar de o noticiário sugerir o contrário, não houve uma onda homogênea de anti-europeanismo ou de desilusão com o projeto europeu. Na verdade, em muitos países, incluindo alguns dos mais atingidos pela crise financeira e econômica, os eleitores apoiaram tanto os seus governos quanto o projeto europeu. Esse efeito pôde ser visto na Espanha, e mais fortemente na Itália, onde o novo governo de Matteo Renzi frustrou expectativas de que os italianos fossem outra vez dar um grande voto de protesto. No Leste Europeu, o governista Plataforma Cívica derrotou a oposição nacionalista na Polônia, enquanto eleitores nos países Bálticos, onde os efeitos da austeridade econômica foram mais severos do que em qualquer outro ponto do continente, endossaram candidatos centristas.

A debilidade inesperada da direita populista na Holanda e o desempenho sólido dos democrata-cristãos na Alemanha foram reflexos do mesmo fenômeno: um novo núcleo europeu, politicamente estável e autoconfiante.

Do outro lado do Reno e através do Canal da Mancha, entretanto, o cenário é bem diferente. Na França e na Inglaterra, o sucesso de partidos populistas insurgentes abalou o panorama politico. Nos dois países, o partido no poder – os socialistas franceses e os conservadores britânicos – não foi apenas derrotado, mas ficou em terceiro lugar.

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O primeiro-ministro da França Manuel Valleus descreveu a vitória da Frente Nacional de Marine Le Pen, de extrema direita, como um “terremoto” político. E, embora a vitória da Frente possa ser facilmente atribuída à impopularidade do presidente socialista François Holland e de seu governo, a vitória paralela do Partido para a Independência do Reino Unido, não pode ser explicada como um voto de protesto contra a coalizão de governo, que vem reestabelecendo a economia. A vitória assombrosa do Ukip foi uma clara rejeição popular ao projeto europeu, em particular à imigração da UE.

O resultado das eleições na França e na Inglaterra reflete os desvios dos dois países do padrão europeu. Para começar, o legado imperial os leva a se comportar como as grandes potências do século XIX, não como parte do mundo globalizado e interconectado do século XXI. Isto se reflete em seus modelos econômicos. Na Grã-Bretanha, a dependência excessiva de serviços financeiros reflete a visão de que o setor financeiro é a principal atividade da vida econômica, o que fazia mais sentido no século XIX do que faz hoje.

Na França, a fraqueza equivalente é a inclinação para o gigantismo corporativo. Há grandes empreendimentos industriais altamente bem-sucedidos, a maior parte politicamente bem relacionada, e pequenos negócios familiares que são vestígios de um país perdido. Mas a panóplia de pequenas e médias empresas que tornaram Alemanha e Espanha países empreendedores bem-sucedidos economicamente praticamente não existe na França.

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Tanto Inglaterra como França tem debatido vigorosamente como mudar seus modelos econômicos. Alguns reformistas no governo querem mais esquemas de aprendizado ao estilo alemão; fala-se em benefícios fiscais para pequenas empresas, e em aliviar cargas regulatórias altamente importunas.

É difícil imaginar como Inglaterra ou França podem sobreviver com base na nostalgia. Realizar reformas nos dois países é tão essencial quanto reformar a frágil e complexa ordem política da Europa. E a tarefa exige muito mais que alterar minimamente os gastos públicos e introduzir projetos de infraestrutura de alta tecnologia; significa recriar as bases para uma sociedade mais dinâmica.

A reforma domestica das duas antigas potências imperiais da Europa também é um elemento primordial para fazer a Europa funcionar. Embora seja concebível que o projeto Europeu possa sobreviver sem a Inglaterra, uma Europa unida sem a França é impensável.

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Harold James é professor de História na Universidade de Princeton e pesquisador sênior do Centro para Inovação em Governança Internacional.

(Tradução: Roseli Honório)

© Project Syndicate 2014

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