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EUA criam banco de dados para monitorar jornalistas ao redor do globo

Governo americano diz que monitorar mídia é prática comum no setor público e privado; ONGs veem tentativa de censura à imprensa e situação orwelliana

Por Marcelo Soares
15 jul 2018, 14h42

O governo dos Estados Unidos contratou em abril uma empresa para criar um banco de dados global de jornalistas e suas opiniões. Esse banco de dados será administrado pelo Departamento de Segurança Doméstica (DHS, na sigla em inglês) – responsável, entre outras atribuições, pelo controle de fronteiras.

Segundo o edital, a empresa selecionada faria o monitoramento e tradução automática de mais de 290 mil sites em 100 línguas diferentes, incluindo a imprensa tradicional e mídias sociais, buscando identificar qualquer cobertura relacionada ao departamento ou a temas específicos. Deveria conseguir identificar “influenciadores de mídia”, incluindo contatos e resenhas dos trabalhos publicados pelo jornalista.

Sete empresas apresentaram propostas, segundo o site Big Law Business, da Bloomberg. Nos Estados Unidos, onde o presidente Donald Trump com frequência classifica jornalistas como “inimigos do povo”, a proposta foi tratada como uma espécie de ameaça velada à imprensa.

Em resposta a um tuíte do Committee to Protect Journalists sobre o tema, o porta-voz do DHS, Tyler Houlton, desclassificou o assunto como “teoria da conspiração” e coisa de quem “usa chapéu de papel-alumínio” qualquer preocupação com as implicações de uma base de dados do gênero. Segundo Houlton, “não se trata de nada além da prática padrão de monitoramento de assuntos da atualidade na mídia”.

De fato, empresas de relações públicas utilizam esse tipo de serviço. Mas, dependendo de como essas informações forem usadas, isso pode ser perigoso, segundo nota do Reporter’s Committee for Freedom of the Press (RCFP, o Comitê de Repórteres para a Liberdade de Imprensa), organização que colabora na defesa de jornalistas que sofrem perseguições jurídicas.

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“Embora certamente seja verdade que os setores público e privado usem grandes bancos de dados de relacionamento com a imprensa para monitorar a cobertura e identificar oportunidades de mídia, se elas forem usadas para outros propósitos ou integradas a bancos de dados de serviços de inteligência, isso ainda pode cair no mundo de Orwell”, escreveu Gabe Rottman em nota do RCFP.

A PEN America, organização que defende a liberdade de expressão, lamentou em nota a decisão.

“As afirmações do departamento de que está ‘simplesmente monitorando fatos da atualidade’ são risíveis – como eles certamente podem perceber, o anúncio de que o DHS está criando um imenso banco de dados de jornalistas e veículos de mídia pode causar uma ampla intimidação da liberdade de imprensa”, disse Katherine Glenn Bass, diretora de pesquisa e políticas de liberdade de expressão da entidade.

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No ano passado, o mesmo departamento obteve permissão para incluir senhas de redes sociais e resultados de busca nos registros pessoais de imigração. A medida pode ser estendida a residentes dos EUA que tenham contato com imigrantes. Ocasionalmente, visitantes dos Estados Unidos são solicitados a entregar suas senhas ao fiscal da alfândega.

Em editorial de abril, poucos dias após o término da licitação governamental para encontrar uma empresa com capacidade de criar o novo sistema, o jornal americano USA Today sugeriu que o departamento usaria melhor seus recursos monitorando terroristas, em vez de jornalistas. “Se uma agência do governo quer cobertura positiva, é fácil. É só fazer um bom trabalho”, diz o editorial.

A concorrência para criar o banco de dados de jornalistas foi encerrada no dia 13 de abril. O nome da empresa vencedora e o valor do contrato não foram divulgados. No entanto, uma reclamação judicial foi apresentada contra o DHS pelo Centro de Informações para Privacidade Eletrônica (Epic, na sigla em inglês) em 30 de maio baseada no Ato “E-Government” de 2002.

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De acordo com a revista Forbesa lei exige que o governo americano realize uma avaliação de impacto sobre a privacidade antes de criar qualquer sistema que possa impactar a liberdade de expressão ou a privacidade de cidadãos e residentes dos Estados Unidos.

No processo, a entidade afirma que o DHS não liberou essa avaliação mesmo sob uma demanda realizada através do FOIA, o equivalente americano da Lei de Acesso à Informação. O DHS não comenta o assunto e deve se pronunciar apenas nos autos do processo: uma resposta do governo americano ao judiciário era esperada para o fim de junho, mas até agora não se tornou pública.

Se a busca e compilação por informações pessoais com o intuito de aumentar a segurança das fronteiras contra criminosos e terroristas é compreensível –a União Europeia acaba de anunciar um sistema eletrônico de pré autorização de viagens para cidadãos que rumam ao continente sem vistos em parte por questões de segurança–, chama atenção o fato de a licitação da base de dados americana falar em “monitoramento do sentimento em relação aos Estados Unidos” nas matérias publicadas por jornalistas e veículos de imprensa.

É o tipo de atitude que combina mais com regimes totalitários e ditatoriais –sensíveis a críticas e frequentes censores da imprensa livre– do que com um dos países que mais promove a liberdade de expressão e de imprensa mundo a fora.

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