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Estupro coletivo de jovem incentiva transformação na Índia

Mulheres buscam autodefesa, protestam contra impunidade e reivindicam mudança em país onde abusos são comuns

Por Gabriela Loureiro e Cecília Araújo
26 jan 2013, 08h35

A morte de uma estudante que foi estuprada e agredida por seis homens em Nova Délhi provocou protestos em todo o país e abriu o debate sobre por que a emergente Índia é o pior país do G20 (grupo de países em desenvolvimento) para ser uma mulher. O desrespeito contra as mulheres na Índia se manifesta já na concepção – o país tem uma das maiores taxas de infanticídio feminino do mundo – e é visto também em outras etapas da vida, por meio de crimes como o tráfico de jovens e o estupro – uma indiana é violentada sexualmente a cada 20 minutos, segundo dados oficiais.

“Casos emblemáticos de violência contra as mulheres, como o da Malala e o da jovem indiana, muitas vezes servem como espelho: fazem com que algumas pessoas que não prestavam atenção ao problema passem a enxergá-lo com mais clareza, inclusive em sua própria realidade. Porém, a comoção global sobre casos pontuais, amplamente divulgados pela imprensa, costuma ser fugaz e pouco aprofundada. Deve haver campanhas mais concretas para que o debate perdure”, defende Emilio Ginés, presidente da organização espanhola Federación de Asociaciones de Defensa y Promoción de Derechos Humanos e membro do Subcomitê de Prevenção à Tortura da ONU.

Em 2011, 24.000 casos de estupro foram denunciados na Índia, 9% a mais do que em 2010. Em 94% dos casos, as vítimas conheciam seu agressor. O caso de Jyoti Singh Pandey chamou a atenção por aproximar a vítima a uma camada da população que tem acesso aos estudos e ao consumo. Uma jovem estudante de fisioterapia de 23 anos, que foi atacada dentro de um ônibus no centro da capital do país, quando voltava com um amigo de uma sessão de cinema – eles tinham ido assistir ao filme As Aventuras de Pi, indicado ao Oscar.

“Várias informações sobre a vítima vazaram, como o fato de que era uma estudante de fisioterapia. Isso fez com que muitas pessoas pensassem: poderia ser eu – e começassem a se preocupar e insistir por mudanças. O problema passou a ser visto como universal”, explica a escritora indiana Sonia Faleiro.

A negligência das autoridades e a impunidade foram os principais alvos de críticas dos protestos. “A recusa do estado de fazer seu trabalho e proteger os seus cidadãos é a raiz da fúria dos protestos na Índia”, disse ao site de VEJA a socióloga indiana Radhika Chopra.

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Mudanças – Os manifestantes cobraram punições mais rígidas para os criminosos, em um país onde os processos se arrastam na Justiça. No começo de 2011, havia 95.000 casos de estupro esperando julgamento na Índia, sendo que somente 16% deles foram resolvidos até o final do mesmo ano. Dos que foram concluídos, somente 26% resultaram em uma condenação, de acordo com o Centro de Pesquisa Social da Índia. Diante da fúria dos recentes protestos, as autoridades indianas criaram ‘cortes rápidas’ para julgarem casos de estupro. A expectativa é que os processos possam ser encerrados em algumas semanas, e não mais demorar até 14 anos para terminar, como ocorre normalmente.

Pequenas mudanças como essa mostram podem ter resultado dos protestos, mas ainda estão longe de resolver os problemas, que exigem transformações culturais. “Os passos que estão sendo tomados agora não têm precedentes, e devem continuar com prontidão e urgência. Mas um ataque multidimensional é necessário”, afirma a cientista política e professora da Universidade de Calcutá, Bonita Aleaz.

Números negativos – No índice de igualdade de gênero de 2011 da Organização das Nações Unidas (ONU), realizado com base em informações sobre educação, emprego, presença na política e saúde sexual e materna, a Índia ficou em 134º lugar de 187 países, atrás de Arábia Saudita, Iraque e China. O Brasil aparece em 84º lugar.

Em 2012, a Fundação Thomson Reuters divulgou um estudo em que a Índia aparece na lanterna entre os países em desenvolvimento quando o assunto é a condição da mulher. Depois de analisar dados relacionados a igualdade, atenção à saúde feminina e violência de gênero, o levantamento destacou que 44,5% das garotas se casam antes dos 18 anos e 52% das mulheres consideram justificável apanharem do marido.

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Mas para a professora de sociologia da Universidade de Délhi Meenakshi Thapan, as mulheres indianas estão cada vez mais dispostas a reportar os abusos. “Infanticídio, tráfico de mulheres, silêncio sobre o estupro, tudo isso está conectado”, avalia. “O estupro era escondido para baixo do tapete, mas agora as mulheres estão ganhando coragem para falar sobre isso, para denunciar à polícia e não estão deixando se amedrontar pelo estigma de mulher estuprada”.

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Facas e spray de pimenta – O caso da estudante de fisioterapia levou as indianas a também tentarem se proteger de alguma forma das agressões. Na capital Nova Délhi, frascos de spray de pimenta saíram das prateleiras das lojas e foram parar dentro das bolsas femininas. Aulas de autodefesa passaram a fazer parte da rotina de muitas mulheres, que também preferem usar como transporte táxis conduzidos por mulheres e a sair do trabalho mais cedo. O partido de extrema direita Shiv Sena anunciou ter distribuído 21.000 facas a mulheres no estado onde está sua base eleitoral, Maharastra, onde fica a cidade de Mumbai. As mulheres também receberam pimenta em pó. “É um gesto simbólico”, disse um porta-voz do partido.

De fato, pode ser difícil para uma mulher se defender de um grupo de agressores usando qualquer uma dessas “armas”. “Desde que eu era pequena, me ensinaram a não sair na rua sozinha depois de escurecer e tomar cuidado com as roupas que vestia, mas a violência nunca chegou tão perto de mim. Já uma amiga que usava os transportes públicos mais do que eu e convivia diariamente com o perigo, sempre cercada por grupos de homens, decidiu carregar passar a carregar uma faca na bolsa. Ela tentou me convencer a fazer o mesmo, mas não acredito que seja uma boa solução”, conta a escritora Sonia Faleiro, que cresceu em Nova Délhi em um contexto privilegiado. Seu pai era político, e sua mãe, professora de português.

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Para ela e para todas as outras mulheres da Índia, o caso de Jyoti Singh Pandey pode ser o início de um processo que deve se prolongar por gerações, como aponta Emilio Ginés. “Não há leis ou convenções internacionais que intimidem os misóginos. Eles vão continuar cometendo crimes contra as mulheres até que haja uma verdadeira transformação cultural. Para mudar esse quadro é necessário um comprometimento de vários governos e pessoas, e a reeducação não ocorre de um dia para o outro. Como a história já mostrou, as conquistas das mulheres são uma luta permanente”.

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