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De mal a pior

A seis meses das eleições, Macri tem o prestígio em baixa. Sua chance de reeleger-se pode estar na candidatura de... Cristina Kirchner

Por Kátia Mello e Thais Navarro
Atualizado em 5 abr 2019, 07h00 - Publicado em 5 abr 2019, 07h00

A Argentina foi o primeiro país da América Latina a romper com a velha política e apostar no “novo”: no caso, Mauricio Macri, empresário bem-sucedido e cartola (presidiu o Boca Juniors). Ele inicialmente fundou um partido para concorrer à prefeitura de Buenos Aires. Depois, armou uma coalizão inédita para, em 2015, conquistar a Casa Rosada com a promessa de consertar os estragos econômicos e pôr o país nos eixos. Por um tempo, funcionou, e Macri — amigo pessoal de Donald Trump — encheu de orgulho a pátria argentina. Mas ele entra agora no último ano de mandato sem ter feito nada do que prometeu: a inflação sobe, o peso cai, a previsão de crescimento é negativa e a insatisfação social voltou a explodir. A marcha a ré do impulso renovador que o presidente representou não para aí — uma adversária praticamente certa na eleição de outubro, quando ele pretende tentar o segundo mandato, é Cristina Kirchner, fantasma (muito real) derrotado há quatro anos.

Macri, de 60 anos, de centro-direita, começou o mandato embalado por alta popularidade e, de cara, cortou impostos de exportação e unificou a taxa de câmbio, medidas ousadas que o Congresso, onde não tinha maioria, aprovou sem piscar. A maré continuou a seu favor enquanto ele promovia uma limpeza nos órgãos do governo e tomava medidas para reduzir o déficit público. Ao completar um ano no comando da Argentina, celebrou a redução da pobreza: de 30% da população, “herança recebida” de Cristina Kirchner, o índice caíra para 27%. Naquele momento, arriscou: “No fim do meu mandato, julguem-me pela taxa de pobreza que eu deixar”. E perdeu. O novo dado acaba de sair: a pobreza bateu em 33,6% da população. Os números foram divulgados pela Universidade Católica Argentina.

VOLTA ÀS RUAS – Protesto em Córdoba: o rei da Espanha, em visita, pegou carona no “Fora, Macri” (Diego Lima/AFP)

Em fevereiro, os protestos voltaram a sacudir as ruas das principais cidades, com enormes manifestações em que se pediam a decretação de “emergência alimentar” e o aumento dos subsídios para os restaurantes comunitários, entre outras medidas de alívio para a situação dos miseráveis. Na mais recente, em Córdoba, durante um encontro de Macri com os reis da Espanha em visita à Argentina, até Felipe VI se viu incluído nas faixas com palavras de ordem.

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O ponto de inflexão dos bons tempos está fincado em dezembro de 2017, quando o governo decidiu reduzir por decreto as pensões dos aposentados, o que deflagrou manifestações em toda parte. Mudanças no cenário financeiro internacional, uma seca que devastou a colheita de soja e a inabilidade no avanço de medidas impopulares, como aumento de tarifas, fizeram de 2018 o ano horrível de Macri.

A inflação, um dragão sempre a cuspir fogo, voltou a subir e está na casa dos 51,3%, o que elevou a taxa de juros para 67,9% (dados do Banco Central da Argentina). O PIB caiu 2,6% no ano passado, e a previsão é que recue de novo neste ano, em 1,7%, segundo o FMI. A capacidade ociosa da indústria estava em 43% em dezembro. A cotação do peso caiu pela metade. “O efeito desses índices é enorme para o presidente, porque eles mostram que quase todas as suas promessas de campanha não se concretizaram”, disse a VEJA Sergio Doval, diretor do instituto de pesquisas Taquion, de Buenos Aires. Mais: encostado na parede, Macri pediu e recebeu do Fundo Monetário Internacional — instituição que os argentinos não suportam, pela lembrança de apertos passados — um empréstimo de 57 bilhões de dólares, com as usuais contrapartidas de cortes na economia.

DE NOVO –  Cristina, potencial candidata: “Merecemos uma Argentina melhor” (Eitan Abramovich/AFP)

Ninguém até agora manifestou formalmente a intenção de disputar a eleição de outubro. Macri é visto como candidato certo da coalizão Cambiemos, confiando que nos próximos meses haverá uma “melhora gradual” da economia que vai ajudá-­lo a reconquistar eleitores decepcionados. Em dezembro, Cristina modernamente postou um vídeo em rede social no qual dizia estar “totalmente convencida de que merecemos uma Argentina melhor” e “juntos podemos construí­-la”. Tradução: sou candidata. Ela enfrenta uns probleminhas, porém: foi indiciada por corrupção e tráfico de influência em seis processos desde que perdeu o foro privilegiado, e o início do primeiro julgamento está marcado para 21 de maio. Também passou pelo dissabor de ter 33 obras de arte confiscadas de um apartamento de sua propriedade.

As últimas pesquisas mostram Macri e Cristina empatados, com cerca de 30% das intenções de voto e rejeição na casa dos 60% cada um. “Eles são hoje dois lados de uma mesma moeda”, diz Doval. Os eleitores de um e do outro são fiéis e trocam desaforos, o que estimula a polarização política, um fenômeno hoje amplamente disseminado, mas que, na Argentina, sempre foi sinônimo de política partidária.

Macri pode beneficiar-se dessa situação. Examinando-se o conjunto da obra, é esperado que, na frente da urna, tendo-se de escolher entre os dois, recaia sobre ela, mais do que nele, a rejeição total, do tipo “não voto de jeito nenhum”. Alheios à briga entre Cristina e Macri, outros 30% da população preferem um nome novo, conforme apontam as pesquisas. Alguns vêm sendo citados, caso de Juan Manuel Urtubey, jovem (49 anos), governador da Província de Salta; Sergio Massa, mais jovem ainda (46 anos), ex-deputado estadual por Buenos Aires que foi chefe de gabinete de Cristina e rompeu com ela; e o ex-ministro da Economia Roberto Lavagna. Até agora, porém, nenhum aparece com força suficiente para concorrer. A seis meses das eleições, a disputa divide-se mesmo entre a presidente que pôs a Argentina no buraco e o presidente que tem afundado o país. É de chorar pela Argentina.

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Publicado em VEJA de 10 de abril de 2019, edição nº 2629

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