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Crescimento brasileiro absorve pobres do Haiti, por enquanto

Desde o terremoto de 2010, cerca de quatro mil haitianos imigraram para o Brasil e a maioria chega pelas fronteiras da Amazônia

Por The New York Times
15 jan 2012, 15h50

Meses atrás, ele tomou um ônibus no Haiti, antes de embarcar num avião na República Dominicana, aterrissando primeiro no Panamá e depois no Equador. Foi ali que a esposa deu à luz seu filho, Isaac, ele conta brincando com o menino de quatro meses no joelho, enquanto exibe a carteira de identidade equatoriana do bebê. Depois eles continuaram de ônibus, atravessando o Equador e Peru. Mais tarde, seguiram a pé pela Bolívia, onde, segundo acusa, a polícia roubou suas roupas e as da esposa, além do seu pé-de-meia: 320 dólares em espécie.

“Então, finalmente, entramos no Brasil, que, segundo me falaram, está construindo de tudo, estádios, represas, estradas”, afirmou Saint-Fleur, 27 anos, operário da construção civil, um entre as centenas de haitianos que se reúnem todos os dias ao redor do gazebo da praça enfeitada de palmeiras de Brasileia. “Só quero trabalhar, e o Brasil, graças a Deus, tem trabalho para nós.”

Apostando tudo que têm, milhares de haitianos atravessaram as Américas para chegar a cidadezinhas na Amazônia brasileira no último ano numa busca desesperada por emprego, contando com um pico de centenas que chegaram recentemente, temendo que o governo brasileiro reduzisse o influxo antes que ele se tornasse grande demais para as autoridades locais.

Suas jornadas improváveis, dos escombros dos lares insulares a postos avançados remotos aqui na Amazônia, são prova tanto da situação econômica desesperadora que persiste no Haiti dois anos depois do terremoto quanto do crescimento econômico do Brasil, que está virando um chamariz para trabalhadores estrangeiros pobres e para um número crescente de profissionais formados da Europa, Estados Unidos e América Latina.

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Depois de chegar aqui e a outros postos avançados na fronteira, as autoridades costumam dar vacinas aos haitianos, água limpa e duas refeições diárias. Muitos ficam semanas em Brasileia e outras cidades antes de receberem vistos humanitários que lhes permitem trabalhar no país.

Porém, com a multidão de recém-chegados, outros não tiveram tanta sorte. Depois de viajar milhares de quilômetros e superar incontáveis obstáculos, alguns lotam quartos pequenos de hotel ou terminam dormindo nas ruas, quase revivendo a miséria que esperavam ter deixado para trás.

“Não posso deixar a tristeza tomar conta, pois a oportunidade virá depois desta fase dura”, disse Simonvil Cenel, 33 anos, alfaiate que espera o visto e dirige cultos evangélicos animados para quem ficou preso no limbo depois de sofrer tanto para chegar aqui.

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Crise imigratória – Cerca de quatro mil haitianos imigraram para o Brasil desde o terremoto de 2010, geralmente passando primeiro pelo Equador, um país pobre com política complacente de vistos. O Brasil abriu uma exceção para os haitianos, em contraste com quem busca emprego vindo de países como Paquistão, Índia e Bangladesh, que chegam por rotas amazônicas similares, mas costumam ser expulsos.

“O Haiti está se recuperando de um período de crise extremo, e o Brasil tem condições de ajudar essa gente”, afirmou Valdecir Nicacio, que trabalha com direitos humanos no Acre. “Antes de chegarem aqui, eles ficam à mercê de traficantes humanos. O Brasil é grande o bastante para absorver haitianos que só querem trabalhar.”

Com o número de haitianos crescendo acentuadamente, as autoridades em Brasileia e Tabatinga, cidade fronteiriça do Amazonas, alertaram sobre os problemas de tentar alimentar e abrigar os haitianos enquanto os pedidos de visto são analisados. As autoridades federais reagiram enviando toneladas de alimentos para os imigrantes, que passam de mil em cada povoado na fronteira.

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Lidar com uma crise imigratória na fronteira é um novo dilema para o Brasil, que até recentemente estava mais preocupado com a saída dos próprios cidadãos que buscavam oportunidades em países ricos e industrializados do que em atender a chegada de milhares de estrangeiros pobres.

Declínio de mão de obra ajuda haitinanos – Embora o crescimento econômico tenha diminuído recentemente no Brasil, o desemprego está num índice historicamente baixo de 5,2 por cento, com muitas empresas tendo dificuldades para encontrar trabalhadores para preencher as vagas. Os salários dos níveis mais baixos do mercado de trabalho também subiram, com a renda dos brasileiros pobres crescendo sete vezes mais que a dos brasileiros ricos entre 2003 e 2009.

“Estamos vivendo um declínio na mão de obra porque muitos brasileiros estão indo trabalhar nos dois projetos de hidroelétricas”, disse Ana Terezinha Carvalho, analista de gestão de pessoal da Marquise, empresa de Porto Velho. A cidade fica na bacia superior do Rio Amazonas, onde o Brasil está empregando milhares de pessoas para construir duas represas grandes, chamadas Jirau e Santo Antônio.

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Carvalho afirmou que sua empresa contratou rapidamente 37 haitianos que chegaram ano passado para coletar lixo em Porto Velho e levá-lo ao aterro da cidade. Alguns ganham mais de US$ 800 mensais, num emprego que inclui benefícios como seguro-saúde, horas extras e férias remuneradas. “Não havia brasileiros suficientes, então contratamos os haitianos com prazer.”

Haitianos se aglomeram em pensões: 4 mil entraram no país desde 2010
Haitianos se aglomeram em pensões: 4 mil entraram no país desde 2010 (VEJA)

Concentração na região Norte – As autoridades estimam que cerca de 500 haitianos vivam agora em Porto Velho e uns 700 em Manaus, a maior cidade da Amazônia brasileira. Centenas mais chegaram a São Paulo, a capital econômica do Brasil. Empresas como a Fibratec, fabricante de piscinas de Santa Catarina, chegaram a enviar gerentes para contratar dezenas de haitianos por aqui.

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Além de atender a demanda por trabalho barato, a iniciativa de deixar os haitianos trabalharem no Brasil tem a ver com a ambição do país de possuir maior influência regional, tentando achar maneiras de suavizar os problemas da nação mais pobre do hemisfério.

Desde 2004, o Brasil envia soldados para liderar uma missão de paz da ONU no Haiti. Contudo, agora existem mais haitianos no Brasil do que soldados brasileiros no Haiti. Em setembro, o Brasil anunciou que iria começar a reduzir seus dois mil soldados na nação caribenha.

A maioria dos haitianos espera passar apenas algumas semanas no limbo da imigração em Brasileia antes de seguir adiante. Alguns, como Francisco Joseph, 25 anos, aproveitam ao máximo o tempo passado aqui. Ele compra cartões de celular pré-pago do outro lado da ponte, na cidade boliviana de Cobija, e os vende para os companheiros haitianos na praça de Brasileia, com um lucro de cerca de 30 centavos por cartão. Ele ganha US$ 10 por dia. “Esse pouquinho de dinheiro me dá um pouco de dignidade.”

Outros, como Jacksin Etienne, 31 anos, têm sonhos maiores. Poliglota que transita com facilidade entre inglês, espanhol, francês e crioulo, Etienne disse esperar trabalhar como tradutor ou num hotel. “Quero ir direto para São Paulo, a Nova York da América do Sul. O Brasil é um lugar em crescimento que precisa de gente como eu.”

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